Era um final de expediente como outro qualquer. Nossa turma de amigos estúpidos (que hoje, infelizmente, se vê raramente) bebericava e beliscava acepipes em uma das mesas do complexo de bares da “Prainha Paulista” – aqueles que a gente acaba se acostumando, apesar dos apuros no atendimento.
Entre tantos personagens corriqueiros, como pedintes e vendedores, um sempre aparecia por ali: Armando Rafael Colacioppo, o Seu Armando. Um simpático tiozinho de barba grisalha, roupas leves e uma pequena bolsa tipo carteiro, repleta de bonequinhos de feltro, feitos pela esposa, a Dona Vera. Era uma figura popularíssima tanto ali quanto em outros bares da capital, especialmente na Vila Madalena.
Mas naquele momento, não estávamos muito dispostos a comprar um dos bonequinhos dele. Quando ele apareceu, tratou de começar seu ritual: tirar um bichinho por vez, apresentá-los e concluir o papo com seu bordão “compra um?”. Os mais populares eram a Cobrinha Azul, o Zé Celso, a Bruxinha, o Pássaro do Novo Milênio, a Dorotéia, o Marciano Erótico… Desta vez, ele tratou de apresentar o Elefante.
– Elefante? Já bastam os que estão nessa mesa – disse um dos “pesados” amigos.
Era para ser uma piadinha boba, mas aquilo enfureceu o Seu Armando – eu nunca o tinha visto tão irritado. Emendou com um discurso pesadíssimo, sobre pessoas que trabalham honestamente, e que não precisam ficar ouvindo comentários burgueses, de pessoas que não dão a mínima para valores básicos.
Foram longos segundos cabisbaixos, sérios, sem ter muito o que falar até Seu Armando ir embora. Naquela altura, imaginávamos que ele sempre lembraria daquela noite horrorosa, e sempre nos interpelaria com alguma mensagem politizada, ridicularizando nossa insignificância…
Que nada. Semanas depois, lá estava ele, inspirado e alegre e sorridente como sempre. Nem lembrava dos elefantes que estavam naquela mesa.
Talvez por ter ficado com aquela imagem, tratei de comprar um Snoopy do Seu Armando. Nos últimos anos, ainda comprei um pinguim e um saci. Cinco reais cada um. Estão todos em lugar privilegiado da casa – mais do que uma simples valorização de seu trabalho, era praticamente um pedido de desculpas velado pelo episódio do elefante.
Nas últimas vezes que encontrei com Seu Armando na região da Paulista, celebrava com ele a entrevista concedida ao Guia da Vila, ao lado de sua esposa. Também comemorava com alegria o crescimento da comunidade Compra Um do Orkut, onde ele mesmo mantinha seu perfil e participava, de vez em nunca.
Essa semana, recebi uma notícia triste. Era o fim de mais uma noite vendendo seus bonequinhos, quando Seu Armando passou mal. Talvez tenha levado algum tempo até ser atendido, ou simplesmente o infarto veio num momento ingrato, mas determinado pelo destino.
Agora, a Cobrinha Azul e seus companheiros se transformaram em uma história. Talvez num boteco, lá na frente, a gente o encontre com seus bichinhos.
Ou ele ficou irritado com outro comentário burguês, ficou nervoso mais uma vez e morreu 😛
Bah, com todo o respeito seu Marmota, mas comerciante que não tem fibra para aguentar piadinhas não merece o pão que come. E se eu estivesse na mesa naquela hora teria respondido a altura, que essa historinha de culpa burguesa não colaria não. Isso é papo de comunista safado, ô raça. Se morreu (isso não fica exatamente claro no teu post), já foi tarde 😛
Fiquei feliz por não ter sido o único a comprar – e a lamentar. Minha tartaruguinha está bem guardada em casa!
Pôxa, o Seu ‘Cobrinha Azul’ faz parte da história de muitos Casperianos como nós e de todos os boêmios da Prainha. Também tive bons diálogos com ele, mas todos bem amistosos, principalmente sobre a história de cada criação (o marciano é o meu favorito). Lembro de conversas sobre a ditadura (não a do marciano rs) e os maus bocados que ele passou.
Viveu dignamente e ganhou seu dinheirinho honestamente para viver em uma sociedade que resolveu colocar valor na força de trabalho, algo que não tem preço.
Quem sabe uma nova geração de cobrinhas azuis não aparece no rastro do saudoso Seu Armando.
Caro senhor Marmota muito obrigado em nome de nossa familia a homenagem feita para o Armando, Nós parabenizamos o seu trabalho e queremos que saiba que todos apezar de tristes ficaram mais alegres depois de ler seu artigo.
Quanto ao depoimento do Luis queria deixar claro que o que ele escreveu é uma tremenda estupidez, pois nosso Armando era um idealista.
luiz respeite os mortos.
Lindo texto. Também dediquei um post nos meus pitacos ao seu Armando, que vai fazer muita falta.
Lamentável e asqueroso é o comentário do Luís, que se coloca na posição de decidir quem merece ou não “o pão que come”.
No fundo, tenho pena de você, Luís. Que, em apenas sete linhas, cuspiu neste blog tão bacana uma boa dose de preconceito, insensibilidade e desprezo. É uma pobre alma, para dizer o mínimo. Coitado.
Entrou pequenininho aqui, Luís. E saiu menor ainda.
Ao grande Armando, meu carinho e minha saudade.
Toli-toli-tolá. As brejas na Prainha nunca mais serão as mesmas.
Blah, quem se colocou nessa posição foi o tal artista, ao chamar o pessoal de “burgueses”. Idealismo é que não enche a barriga de ninguém. Eu respeito quem me respeita, mas dou de dedo em que vem com discurso socialista travestido de idealismo. Sinto muito se a realidade é dura demais, amiguinhos, mas eu pago minhas contas porque trabalho duro e não preciso ouvir asneira de mané metido a besta.
A realidade talvez seja mais dura do que devia àqueles que não têm sonhos, ideais, e só querem “trabalhar duro” para “pagar as contas”.
Podíamos ficar discutindo aqui durante horas, dias, semanas, meses, anos… Não adiantaria nada, Luís. Que pena.
Deixe, pelo menos, o “comunista safado”, o “mané metido”, como você diz, descansar em paz. Se não é pedir muito.
Em tempo: sei que o blog não é meu, mas se fosse, você não entraria mais nele depois do termo “ô raça” utilizado no primeiro comentário. Se o Armando estivesse vivo, poderia tascar-lhe um belo processo na testa.
Fiquei com a maior dó.
me sinto sempre incomodada quando tenho que negar, seja no sinal, seja no boteco a comprar livro,bonequinho, vela, flor, enfim… me sinto culpada de não comprar. sei que é ridiculo,mas a historia mexeu comigo.
descanse em paz homem das cobrinhas, elefantes e pinguins.
bom domingo ANDRÉ
Olha, esse é um autêntico MMM – leia-se tocante, pelo menos do meu prisma…
Já que você comprou três, me dá um? 😉
Beijo, querido.
Aqui em casa, tenho dois bichinhos do Seu Armando: a foquinha (que comprei no meu primeiro encontro com o vendedor simpático) e a tartaruga (que ganhei de presente do meu amigo João).
Como já li por aí, as conversas nos bares da prainha perderam um tantão de seus brilhos…
Vou fazer um comentário parecido com o do Luis. Eu acho que ele foi extremamente arrogante e faltou com o respeito com a turma do Marmota. Se fosse na minha mesa, iria ouvir umas poucas e boas também.
E que bobagem, meu deus, que bobagem essa história de tranformar gente morta em santo. Respeito é algo que se conquista enquanto vivo, depois de morto não adianta mais.
Ao ofendido Fábio aí de cima, estou a disposição para qualquer processo, só faço questão de lembrar que o Emir Sader tentou o mesmo contra o Bornhausen (que chamou a corja do PT de “raça”) e agora está sofrendo nas decisões judiciais com o processo reverso 😀
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/11/364227.shtml
Quanto à conversas filosóficas sobre idealismo e afins, isso é papo de EMO ou de descornado 😀 Vai lá votar na Heloísa Helena, sonhar com o socialismo utópico e comprar uma camiseta do Che Guevara, enquanto isso eu vou continuar trabalhando duro. Um dia um dos meus filhos será o teu chefe e você vai continuar reclamando que o mundo é injusto com os idealistas 😀
E só não digo mais porque o André é gente boa e não merece esse barraco rolando neste blog, que é quase uma casa de família 🙂