O enlouquecido caçador de cartões-postais

Vai viajar? Conhecer ou rever algum lugar especial? Se durante o seu caminho você lembrar e não for pedir muito, arrume alguns cartões-postais e envie (ou traga) para mim.

Eu mesmo faço esse ritual desde que gastei meus primeiros cruzados novos da mesada em postais durante os meses em que passei em Brasília em 1989. Mesmo em uma conexão naquele aeroporto muito louco, ainda compro um ou dois no quiosque para lembrar de onde comecei a guardá-los. Nos últimos anos, viagens pelo país e fora dele encorparam a coleção: Aparecida, Itajaí, Pelotas, Guarapari, Boa Vista, João Pessoa, Inhotim, Hopi Hari, Manaus, Rio Branco… Nas três viagens que fiz a Buenos Aires, trouxe postais. E Montevidéu, Santiago, Amsterdã, Bonn, Porto, Barcelona, Atenas, Praga, Copenhague…

Mas o legal mesmo é receber cartões de gente querida – seja porque eu pedi ou, melhor ainda, porque lembrou espontaneamente. Nunca pisei nos EUA ou na Ásia, mas tenho postcards sensacionais da Nasa, de Sydney, do Japão… Ano passado recebi mais de 60 em meio a um trajeto entre Portugal e Jerusalém. Soube que os “cartões para o André” ficaram famosos nessa viagem. Os últimos vieram de Cleveland (entregue pessoalmente) e Ushuaia (via correio, com uma explicação linda).

Lembro quando ganhei de presente meus primeiros postais de Belém do Pará: veio em uma caixinha de sapatos vermelha, que serviria “para guardar os outros juntos”… A intenção era linda, mas só. Já naquele dia não sabia ao certo quantos postais eu tinha. São centenas. Guardo-os numa grande caixa de plástico com motivos de viagem, aos moldes daquelas antigas maletas de caixeiro-viajante.

Também sou apaixonado por viagens de carro. Partir para algum destino qualquer e curtir o passeio falando bobagem e ouvindo música. O que eu não sabia, e só percebi ao revisitar a minha cidade natal depois de uns 35 anos, é que gostava de postais tanto quanto dirigir estrada afora.

(Para ler mais tarde: Fragmentos de uma infância interiorana)

Fui o motorista de uma divertida caravana ao lado de Caio, Grazi e Nary rumo ao Intercom Sudeste, na Unesp de Bauru. Claro que os compromissos acadêmicos eram importantes, mas esses acabaram virando pretextos para outras situações, como uma caminhada pelo centro da cidade, uma passadinha diante da Beneficência (exatamente onde eu nasci!) ou ainda a surpreendente visita ao Museu Ferroviário – e histórias deliciosas contadas pelo “seu” Paulo.

Outra excelente decisão: ficamos sediados em Botucatu, a 100km de distância, na morada acolhedora do “tio” Luiz e sua família – a Nary nem se importou do “tio” ter sido adotado por todos. Isso pode ter custado alguns litros de combustível e uma pequena fortuna com pedágios em idas e vindas pela Via Rondon… Prefiro pensar que foi um investimento em boa música, altos papos e terreno preparado para uma despedida na fazenda Lageado, onde fica o Museu do Café.

Entre passeios, caminhadas e refeições, seguia meu sistemático procedimento: procurava por bancas de revista, livrarias ou papelarias. Folheava jornais locais, admirava (ou não) algumas capas e perguntava por cartões-postais. Dificilmente encontraria algo em Botucatu – mesmo no sítio modelo da Unesp, nenhum souvenir à venda. O que não imaginava era encontrar a mesma dificuldade na cidade que deu origem ao lanche de rosbife com queijo e picles mais popular do Ponto Chic. Nada no calçadão Rua Batista de Carvalho, no shopping às margens da Rondon ou mesmo no Boulevard das Nações, ainda cheirando a novo – tudo o que encontramos lá foi uma figura que era igualzinho ao Michael Jackson em fase final.

Já tinha desistido dos postais enquanto arrumava a bagagem para voltarmos. Foi quando me dei conta:

– Alguém viu o meu modem?

Sempre que vou a um curso, encontro, congresso ou afins, costumo levar meu brinquedinho sem fio, munido de chip pré-pago habilitado para dados. Não é exatamente a banda mais bonita e veloz da cidade, mas aguenta o tranco para apresentações online, e-mails e sites de relacionamento. Liguei a maquininha num canto da sala onde apresentei meu artigo. O mesmo lugar onde acabei puxando conversa com os alunos, os professores, a turma toda. Saímos para um lanche na pracinha de alimentação, compras perdulárias na livraria móvel da Unesp, última circulada pela cidade antes de voltarmos a Botucatu…

E lá o modem ficou, plugado na tomada de uma sala qualquer do campus da Unesp de Bauru.

A frustração da constante estabanação taurina diminuiu em dois telefonemas. Os seguranças de plantão na portaria da universidade foram atrás do modem após as instruções da primeira ligação (“é do tamanho de um maço de cigarros, tem um rabicho com plugue na tomada, e se você não encontrar dois iguais a essa altura, está no fundo da sala sete do bloco dois”). E realmente estava lá, informou a voz após a segunda chamada. Não dava, no entanto, garantir a permanência dele por ali nos dias seguintes. Muito menos uma remessa expressa a cobrar. Só havia uma alternativa.

– Então, vocês ficariam muito chateados se fôssemos lá só para pegá-lo na portaria?

Até entendo meus companheiros de viagem: como eu era o motorista, o “ficaria puto sim”, apesar de inevitável, não mudaria muita coisa. Talvez para minimizar os efeitos de 200km extras, o Caio plantou a sementinha da demência em minha mente.

– Não sei o que vocês pensam, mas sem dúvidas isto me parece um sinal: o André não vai voltar para casa sem os postais dele. E já que vamos passar de novo por Bauru, vamos encontrar estes postais custe o que custar!

Já assistiram ao terceiro filme da sequência SpiderMan, onde o Tobey Maguire entra em contato com um simbionte alienígena e, para êxtase ao contrário dos fãs de quadrinhos, tem sua personalidade modificada e se torna uma espécie de “Emo Aranha”? Pois bem. De alguma forma, também assumi uma personalidade irreconhecível movida por uma voz sussurrante: “postaaaisss!!!”.

E lá fomos para Bauru, de novo outra vez. Primeiro o resgate do modem, evidentemente. Peguei o brinquedinho, embrulhado em um envelope branco grampeado com o meu nome. Levantei-o como um troféu enquanto pulava e gritava em direção ao carro, ainda funcionando. “Agora, postaaaisss!!!”, balbuciei, quase espumando.

Próxima parada: estação rodoviária de Bauru. Postais se alinham perfeitamente ao fluxo de chegadas e partidas. E eu não sei porque havia ignorado essa possibilidade antes… Parei na área de desembarque com o pisca alerta ligado. “Se aparecer algum guarda, liguem pra mim!”. Dei azar: o quiosque de lembranças estava fechado. Perguntei para algum funcionário em que lugar da cidade poderia encontrar cartões.

Sim, você é uma pessoa inteligente. Claro que eu poderia ter feito essa pergunta logo nas minhas primeiras horas em Bauru. Pode balançar a cabeça.

– Pessoal, alguém sugeriu a banca de um mercado chamado Tauste. Vamos lá?!

Apontei meu GPS para descobrir o endereço. É na Rua Rio Branco… Mmmhhh, a poucas quadras da Beneficência Portuguesa. Exatamente. Onde estive um ou dois dias antes. Pode balançar a cabeça outra vez.

– Amigos, chegamos. Se quiserem comprar alguma coisa para beliscarmos no caminho, é a hora. Eu agradeço a paciência de vocês. E se não encontrarmos aqui, a gente pega a estrada.

Ninguém quis entrar no hiper: estavam mesmo querendo encontrar logo os cartões e dar o fora. Procurei alguma coisa parecida com uma banca no corredor interno, nada. Voltei para a área externa, caminhei para uma das pontas… Em seguida, para a outra.

E lá estava ela.

Fechada.

Parei por longos segundos, olhando através da vitrine para aquele suporte plástico pendurado ao lado das revistas. Fui resgatado pelos colegas: eles tinham razão, já passavam das oito da noite. Embarcamos novamente rumo à Marechal Rondon, despedindo-se de Bauru. Valeu a visita. Ao menos tentamos.

– Ei… E aquele lugar ali? Não é possível, ali tem que ter postais!

Apontei para o Alameda Quality Center, no quilômetro 335 da rodovia. Curiosamente, não tinha prestado atenção naquele exagero do entretenimento em nenhuma das outras três ou sete vezes que passamos pelo mesmo caminho nos últimos dias.

Não estava enganando ninguém: falei que pegaríamos a estrada. E estávamos, tecnicamente, nela. Entrei e estacionei no lugar mais distante e esquisito do pátio. Nem o Caio, que há poucas horas tinha dito um “custe o que custar”, devia estar feliz.

O lugar é bastante agradável, repleto de toda sorte de diversões, presentes, brinquedos, quinquilharias, comilanças, beberagens, moda, cultura de consumo rápido, entre outros ícones… Nenhum cartão-postal.

O que mais posso dizer? Bom, trouxe comigo um belo pretexto para voltar logo a Bauru. E mesmo sem algumas fotografias impressas em papel retangular, a viagem foi memorável – e nisso meus colegas vão concordar, ainda que passem algum tempo balançando a cabeça para mim. Além de tudo, não houve nenhum contratempo em centenas de quilômetros rodados. Quer dizer, por conta do horário adiantado, praticamente fechamos as portas no Castelinho da Pamonha, já na entrada da Grande São Paulo. Irritada, uma das funcionárias desabafou.

– Já era para fechar isso aqui! Mas continua vindo gente a essa hora! Cruzes!

– Perdão, senhora. Não fosse um doidivanas peregrinando por uma cidade em busca de cartões-postais, chegaríamos mais cedo.

Comentários em blogs: ainda existem? (4)

  1. Também coleciono cartões-portais! Sempre que amigos e colegas de trabalho meus vão viajar, peço para não esquecerem meus cartões-postais! E quando viajo, também tenho que comprar!

    Parabéns pelos textos do blog, são muito bons!

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