Você está no saguão de um aeroporto. Apressado, segurando a bagagem, procurando informações sobre como fugir do movimento enquanto realiza o check-in. Num piscar de olhos, resplandece uma figura uniformizada, portando uma prancheta e algumas revistas velhas. Como se fosse uma amiga de infância que vai embarcar com você, pergunta:
– Já pegou seu brinde, moço?
Vamos imaginar que esta situação seja inédita em sua vida. O pedido é tentador. Brinde?! Oba!! Quem não curte brinde?! Ora, é grátis!! Só um idiota recusaria um brinde, não?! Em minutos, dependendo da performance de quem aborda, é possível perceber a trama envolvendo o dito cujo, seus dados pessoais e um número válido de cartão de crédito. Seu lindo brinde se transforma em uma assinatura de uma revista qualquer. Que deselegante, não?
Mais intrigante do que a manobra engenhosa para aumentar a performance de um indicador é o fato deste discursinho do brinde ainda colar. Devo ter visto esse truque há uns cinco anos. Imaginava que seria tempo suficiente para um bom número de incautos entenderem a cilada – seja pessoalmente ou na voz de um amigo. A explicação “ora, se existe é porque deve funcionar”, a mesma usada por vendedores de infoprodutos ao estilo “ganhe dinheiro fácil na Internet”, revela nossa dificuldade em enxergar o mundo criticamente. E isso vale para os dois lados desse balcão de vendas.
É fato que o mercado editorial brasileiro nunca esteve para peixe. Não somos necessariamente um país de leitures. Os dados do Instituto Pró-Livro revelam que 55% da população é considerada leitora – isto é, que leu algum livro recentemente. Mais do que isso, o brasileiro em idade escolar (isto é, quando são obrigados) lê entre cinco e sete livros ao ano. Fica fácil entender o que leva as editoras de livros e revistas tratar seus produtos como algo empacotado para ser divertido e barato. Melhor ainda se tiver lindos brindes.
Isso explica a sensação de circular em uma Bienal do Livro no Anhembi. Evento que poderia ser chamado de Sacolão do Livro, sem nenhum demérito aos organizadores. Afinal, as intenções são evidentes: por mais que hajam palestras, lançamentos, tardes de autógrafo e alguns títulos que não se vê em todo lugar (como no estande das editoras universitárias), o que se espera é que se venda muito. Até por isso, mesmo bagunçada e histéria, a Bienal continuará assim. Faz parte do jogo.
Ao menos poderia haver mais espaço para atender a esta gama de perfis, desde o jovem leitor oba-oba atrás das promoções em baciada até o pseudo-cult que vê numa estante hermética um ritual particular. Ou ao menos, para citar um exemplo singelo, alguém que avistou o estande da Editora Abril e lembrou: “puxa, eles costumam lançar coleções bacanas, como a de culinária brasileira ou aqueles DVDs com os filmes oficiais das Copas. Será que trouxeram algum estoque para cá a preços módicos?”.
Não consegui me aproximar do estande. Uma morena alta e magra, camisa verde e calças brancas, surgiu em minha frente, sorrindo.
– Olá! Posso aproveitar o fato de você gostar de ler para conversar um minutinho?
“Uia! Como esta moça simpática e perspicaz foi capaz de adivinhar que eu gostava de ler?” Enfim, tinha pressa para continuar a peregrinação pelo pavilhão e tratei de adiantar o assunto.
– Já sei, minha querida. Você quer me oferecer um lindo brinde, não é?
– Isso! E você ainda…
– Desculpas, não precisa continuar. Você quer que eu assine uma das revistas de vocês, né? Obrigado, mas não tenho interesse.
– Espera aí, mocinho. Não é nada disso. Como é mesmo o seu nome?
“!?”
– Cuma?!
– Tá, não precisa me dizer se não quiser. Mas veja. Eu não estou aqui pra te vender assinatura nenhuma.
“Ah, vá!?” Fiquei realmente curioso para saber até onde iria essa conversa.
– Mmmhhh… Então conte mais.
– Preste atenção, não tem nada de assinatura. Estou aqui engajada numa missão de incentivo à leitura, tema permanente nesta Bienal do Livro e que também é alvo de reportagens na televisão, políticas públicas do Governo… Bom, essa campanha é estimulada por nós graças a uma promoção sensacional, que vai te presentear com algumas destas revistas sensacionais. Olha que legal: elas vão chegar na sua casa! E para participar você só precisa ter um cartão de crédito da bandeira Visa ou Mastercard…
“Será que ela acredita realmente no que diz?”. Fiquei alguns segundos em silêncio, pensando em como aquela criatura foi parar ali. Voltei ao meu tempo de faculdade, ávido por alguns trocados para gastar no cinema ou lanchonete e, ao mesmo tempo, tendo que pagar o curso. Sobreviver nesse mundo exige sacrifícios, como se submeter a uma lavagem cerebral para ficar diante de um estande ou trabalhar num call-center de vendas, em troca de cadastros que se convertem em comissão – injusta diante do preço que se paga por ela.
– Então… Deixa eu te explicar. Isso aí chama-se venda de assinatura. E como te disse, não quero. Tenha um bom trabalho.
É óbvio pensar que o interesse em receber uma revista em casa deve partir do cliente ao invés de estar atrelada a um um truque. Da mesma forma que essa vontade, sozinha, não paga as contas. Em algumas horas na Bienal, foram quatro ofertas de brinde – imagino que tenha sido a média para cada transeunte, e muitos devem ter mordido a isca.
A constatação de que todas as editoras de revista recrutaram uma horda de moças com prancheta diz muito sobre as nossas limitações. Não fossemos todos obrigados a passar por isso, pediria gentilmente para meu interlocutor pegar o brinde e responder aquela perguntinha clichê: o que é redondo, tem um furo no meio, começa com C e tem duas letras?
Isso, esqueça o brinde e vá ouvir um CD.
Bom, nós falamos recentemente sobre o futuro das bancas de jornal. É bem por aí!
O que eu não sabia é que (a julgar pelas promotoras) o público da Bienal é majoritariamente masculino! Quer dizer, talvez seja por isso que a geração de leitores esteja com dificuldades pra se reproduzir.
P.S.: Nunca consegui ver um só filme oficial das Copas, espero que um dia eu consiga!
Nossa, já perdi a conta de quantas vezes já fui abordado por essas pessoas para gentilmente me darem um “brinde” (acompanhado de uma assinatura de uma revista sem nenhum conteúdo relevante).
Muito bom o post! Agora quem sabe um post sobre aquelas pessoas que te abordam na rua e te acompanham até a outra esquina tentando te convencer a fazer a pesquisa deles? E nem vou falar do pessoal do Greenpeace! Rs
Abraços! Continue escrevendo aqui, adorei os posts!