Eiros, “istas”… Existe mesmo alguma diferença?

Tem horas em que me sinto um idiota. Tá, é verdade, é mais fácil calcular o tempo em que não me sinto um. Mas enfim, dependendo do assunto, a impressão é que meu grau de tolice é ainda maior. Vez ou outra, sou alçado a um debate sobre temas que não chegam a nenhum resultado valioso, só fazem espuma. Por exemplo: há meses, ouço falar em uma polêmica idiota entre duas atividades que desempenham o mesmo ofício. Imaginava que meu silêncio seria suficiente para não embarcar nessa ladainha, mas quando me dei conta lá estava eu agitando uma discussão sem fim, sem propósito.

Ora, sejamos francos: pra quê perder tempo elucubrando sobre o que faz um boleiro e um futebolista?

Então um dia alguém vindo de fora trouxe ao Brasil uma bola. Começou a chutá-la sozinho, tocou-a para um colega da rua… Outros começaram a vir, acharam aquilo muito divertido e começaram a jogar, ainda de um jeito despretensioso. Mais bolas chegavam, mais pessoas brincavam… Até que um grupo de boleiros decidiu chamar outro para uma partidinha mais séria. Estabeleceram regras entre eles, convidaram uma platéia e… Voilá, deram um pontapé certeiro em uma tal “profissionalização”.

Muitos anos se passaram. Jogar futebol tornou-se um ofício à medida em que uma estrutura se formou ao seu redor. Clubes, federações, campeonatos, regulamentos… Modelos de negócio fizeram do futebolista um profissional valorizado: venda de ingressos para campeonatos regulares, cotas de transmissão para TV e rádio…

Mas a bola é democrática. Qualquer um pode dar seus dribles a qualquer instante: em casa, sozinho, na parede suja do quintal; na rua, na praia, no sítio; pode armar dois ou três times, sendo que um fica “de próximo”; pode ser “gol a gol”, “três dentro três fora”, “bobinho”… Você mesmo pode aproveitar noventa minutos de sua vida e, com alguma disposição, fazer a mesma coisa que um jogador de futebol profissional faz: correr atrás da bola e ajudar seu time a fazer gols.

Quer dizer, “mesma coisa” é jeito de falar. Futebolistas profissionais cumprem rigorosas jornadas de treinos e concentrações. Passam os finais de semana a serviço de seus clubes ou seleções. São funcionários como em qualquer profissão. Mas um boleiro amador pode fazer uma vaquinha com os amigos e alugar uma quadra. Ou, se tiver habilidades suficientes com a pelota nos pés, pode pedir alguma colaboração aos seus espectadores ou mesmo descolar patrocínios. Da mesma forma, jogadores que se dedicam no dia-a-dia podem perfeitamente bater uma bolinha descompromissada num momento de relax.

Boleiros e futebolistas desempenham atividade semelhante, trabalham com o mesmo instrumento e sentem prazer diante dele. Boleiros amadores podem se tornar futebolistas profissionais, desde que se dediquem ao máximo e não desistam nunca. Mas não é preciso virar futebolista para ser feliz: até quem bate bola aos finais de semana podem ganhar reputação entre os conhecidos, ganhar medalhas, troféus ou mesmo uns trocados. Alguns bons jogadores, ao se aproximarem dos boleiros, podem servir de referência a estes, tornando-os mais hábeis e relevantes.

E como em qualquer área de conhecimento humano, é possível encontrar boleiros excepcionais com talento e capacidade muito superior a muito futebolista picareta. E vice-versa: quantos futebolistas gente boa e boleiros mascarados e egocêntricos você conhece?

Eu realmente me sinto um idiota, alimentando discussões estéreis sobre “boleiros que querem ocupar o lugar dos futebolistas”, ou “boleiros que precisam seguir as mesmas regras do futebolista”, ou pior: “boleiros podem juntar suas forças e derrubar qualquer futebolista metido a besta”. É tão fácil perceber o quanto somos livres para fazer o que quisermos com uma bola… Quer brincar em casa com o irmão? Quer fundar um clube ou uma associação? Quer ganhar dinheiro inflando suas habilidades parcas “caçando público” no meio da multidão? Quer ser apenas espectador diante de bons jogos? Odeia futebol e não quer nada disso? É um direito seu, e você é livre para se feliz com algo que gosta – até o instante em que você é contratado para jogar, e assim seguir determinadas regras. Simples assim.

Enfim, como ainda é possível compartilharmos momentos de pura limitação intelectual, ao participar de um embate enfadonho e repetitivo entre gêneros tão semelhantes? Chega de conversa fiada e vamos convidar mais gente pra bater bola.

***

Em tempo: a Ceila conseguiu convidar muita gente boa para o Newscamp, que felizmente, não se limitaram a debates infrutíferos sobre boleiros e futebolistas, diplomados ou não. A avaliação final é realmente complexa: é possível aproveitar coisas boas e ruins em uma mistura de idéias, egos, filosofias e clichês variados. No fim das contas, o que fica das conversas muitas vezes rasas ou perdidas, são as boas relações com gente bacana.

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Uma última coisa: sou só eu ou mais alguém acha desnecessário quando um texto de blog recebe toneladas de comentários do tipo “excelente, genial, brilhante, perfeito, clap clap, parabéns…”? De tão inócuo, acaba tendo efeito semelhante a um “que lixo”, não?

André Marmota é professor universitário e ouvinte frequente da pergunta “mas e além disso, você também trabalha?”. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (9)

  1. Genial!

    ***

    Eh eh… mas onde vai ser o próximo bate bola? Aquele onde uma esfera feita de gomos muda sua quantidade de movimento sob a ação de ponta-pés com o objetivo de ultrapassar um retângulo mágico que produz nos praticantes (e nos que assistem|) imenso prazer 🙂

    Abraços

  2. O último parágrafo afastou propensos comentaristas desta parábola, Marmota 🙂 .

    Desde os áureos tempos do BlogAjuda, parei de me estressar com essas bobagens – embora às vezes sinta meus dedos formigarem, a fim de abrir o editor do WordPress e escrever algo como “DEIXEM DE SER IDIOTAS!!!!1”. Mas não vale a pena, de verdade.

    Coisas tão infantis, como brigar com um site por ter chamado alguns de “… de aluguel” soa tão infantil quanto os próprios participantes do imbróglio. Parece escola de periferia barra pesada: falou que o mano é feio, ele parte pra porrada (mesmo sendo feio de doer).

    O melhor mesmo é ignorar. Quanto menos gente jogando caca no ventilador, mais rápido o fedor vai embora.

    []’s!

  3. Eu sou um boleiro, e daqueles bem ruins e sem compromisso. Às vezes, bato uma bola, como fico semanas sem jogar uma partida.

    Como vejo muitos jogos na “várzea”, noto que há muitos boleiros melhores que futebolistas. No entanto, cá entre nós, não dá para abandonar o “futebol profissional”. E, na várzea, tem cada coisa ruim também…

  4. parabén!

    ***

    genial!

    ***

    muito foda!

    ***

    aahahahhahaha. brincadeira!

    pow, as vezes penso isso também, tem comentários que são tão razos, que nem deveriam ser escritos. talvez esse meu pensamento seja a causa de eu ler tantos blogs mas comentar em pouquíssimos e também em poucos posts. Aqui por exemplo, nem lembro da minha ultima visita |à caixa de coments.

  5. Na verdade não faz. Mas a implicância com a língua, sem contar a satisfação que temos em subvertê-la, de vez em quando leva a isso. O jeito é se lembrar da máxima irônica “INTERNET IS SERIOUS BUSINESS” e deixar pra lá.

    E, quanto a comentários inócuos… leve-se em conta que muitas vezes um texto recebe muito menos comentários do que visitas, um comentário desses normalmente quer dizer que sim, o texto está bom. Tanto que valeu o “esforço” de comentar.

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