Carta para o eu de 1989

Se os cálcuos do professor Emmety Brown estiverem corretos, e se de fato Marty McFly pousou em Hill Valley nesta tarde de 21 de outubro de 2015, isso significa que a ciência por trás do capacitor de fluxo de fato funciona. O que permitiria, tecnicamente, que esta carta chegue ao seu destino – partindo da premissa de que a mensagem pudesse “pegar carona” até o ano do lançamento de nosso filme favorito.

Ou, resumidamente: oi, André. Sou eu, daqui a 26 anos.

É estranho pensar que preciso ter cuidado ao escolher as palavras já que estou conversando com um jovem de doze anos (é lógico, porque normal mesmo é escrever para si mesmo no passado). Talvez eu tenha perdido o jeito… Esses dias, fui em uma festa de criança e vi uma brincadeira bem boboca: um guri de cinco anos colava a boca em um balão de ar e gritava, enquanto outro encostava a orelha e ria. “Que legal, moçada! A propósito, vocês sabiam que as ondas se propagam mais rápido em meios sólidos?”. Não sei se eles entenderam, mas eu levei um beliscão no braço. Talvez se eu estivesse fantasiado de Doc Brown…

Mas enfim. Preciso ter cuidado para contar histórias que ainda não aconteceram, de repente provoco uma ruptura muito absurda no continuum espaço-tempo definido por Einstein, estabelecendo uma realidade alternativa ao 2015 que conheço agora. Prefiro lembrar que, quando esta carta chegar, você estará na sexta série conciliando seus estudos com longas horas de bate-papo com Sassá Mutema, Ravengar e o encantador horário eleitoral na TV (aliás, vai ter um debate de segundo turno que será lembrado por longos anos); papai já terá comprado a Parati verde com o dinheiro babilônico aplicado no “overnight” e esquecido definitivamente o roubo da Brasília em janeiro (aliás, peça para ele sacar tudo o que tiver no banco antes de março, já que o idiota eleito vai sacanear o país); e, finalmente você está prestes a assistir a Back to the Future em uma Tela Quente inesquecível.

Acredite: o cinema vai explorar a terceira dimensão, cruzar histórias de ficção com romances descaradamente, distribuir filmes em formato digital (para onde vamos não precisamos de videolocadoras) e essa historinha sobre nossa vida singela e sua relação mágica com o tempo será revisitada por você pelos próximos 26 anos e além.

Mas olha, ainda vai levar algum tempo para viajar no tempo e conhecer o ano de 2015 da Parte II. Não fique frustrado: sei que você viu o trailer da continuação naquela noite de Tela Quente e ficou louco para ir ao cinema, mas o videocassete só chega em casa em 1995 (vai ser com o seu primeiro salário!). O mais intrigante: você vai assistir à parte III, uma história no Velho Oeste, antes da segunda! Será em algum dos próximos finais de ano em Pelotas, numa tarde na casa da Fernanda (insista para ela alugar a parte II também!).

Provavelmente você só vai prestar atenção no segundo filme da trilogia quando, na virada do século, o videocassete de casa for substituído por outro aparelho fascinante: vai se chamar DVD, e é uma evolução dos “compact disc” a laser caríssimos que praticamente só existem no exterior (daqui um ou dois anos você vai deixar de usar fitas cassete para ouvir música). O fato é: quando o DeLorean voador aparecer no 21 de outubro de 2015 da tela, você certamente vai estar mais perto da data do que Marty e Doc quando fizeram o filme.

Aí vai ser fácil reconhecer divertidamente os erros e acertos da fábula despretenciosa. Por aqui já existem automóveis com sensores capazes de se movimentar em segurança sem motorista – todos os acidentes registrados nos testes foram provocados pelo outro carro, conduzido por um ser humano distraído e falível! Aliás, todos os veículos evoluíram, diminuíram (guarde essa palavra: drone!) mas nada consegue cumprir o papel de um hoverboard. E como é que puderam imaginar gravatas duplas e hidratadores de pizza sem considerar o poder da Internet? (Não vou explicar muito o que é, mas posso adiantar que você vai dedicar seu tempo tentando entendê-la).

Enfim, tudo o que é preciso saber sobre o futuro, na verdade, você já sabe: será completamente diferente de qualquer coisa imaginada ou planejada em algum momento. E a melhor máquina do tempo ou artefato para artefato para controlar o relógio ainda é a palavra, encadeada com outra e mais outra, de forma a tecerem memórias. Não perca esse desejo de vista e deixe a coisa fluir, mesmo durante as imprevisibilidades da vida.

E uma última coisa: tome cuidado ao perguntar “e se fosse a sua filha” por aí. Em algum momento, você vai ter que lidar com isso de verdade. Anote essa dica: apresente os caminhos mais legais, mas deixe ela escolher.

Um abraço, e cuide-se bem!

Comentários em blogs: ainda existem? (2)

  1. Minha preferida é a parte II. Eu lembro que, quando saí do cinema, fiz as contas e falei pra minha mãe que estaria adulto em 2015 pra ver os carros voadores! Fiquei empolgado, mal podia esperar pra chegar no futuro.

  2. Certamente se eu escrevesse para mim em 1989 seria um adulto muito diferente … e ah! Eu esperei os carros voadores em 2015 …. =/ Abraços André saudades das suas aulas.

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