Bloom o quê?

Uma das piores sensações que o ser humano pode sentir resume-se na frase “como sou ignorante”, que normalmente aparece, entre outras situações, diante de um assunto em que todos a sua frente parecem dominar.

Foi assim semana passada, no centenário do Bloomsday, comemorado no mundo todo – em São Paulo, o Finnegan’s Pub reúne celebrantes todo sagrado 16 de junho há quase vinte anos. Vem daí a pergunta concebida pela minha trivial e reconhecida ignorância: o que vem a ser o tal Bloomsday?

Pois o dia 16 de junho de 1904 é uma data importante para milhões de entusiastas da literatura nos quatro cantos do planeta. Tudo por conta de figuras como Leopold Bloom (que emprestou seu nome à tal data), Molly Bloom, Stephen Dedalus e Nora Barnacle, que ouviu de seu futuro marido uma frase que, em tese, eu também deveria conhecer: “Você fez de mim um homem!”.

A trupe acima protagoniza o romance Ulisses, do escritor irlandês James Joyce (o marido de Nora), publicado em 1922. Pelo que apurei, são quase mil páginas de um texto excessivamente hermético, enigmático e repleto de neologismos – ao definir sua obra prima, Joyce veio com essa: “I’ve put in so many enigmas and puzzles that it will keep the professors busy for centuries”.

Mais do que isso: a história toda, que se passa nas ruas de Dublin, acontece no tal 16 de junho de 1904. Mil páginas para descrever uma cidade e contar a história de um único dia, tenha dó! Seja sincero: independente do seu grau de envolvimento com a literatura, você teria coragem de ler algo assim sem saber do que se trata? Eu não.

Pois vejam vocês: Ulisses se tornou um ícone universal, a ponto de ser lembrado anualmente nessa espécie de “dia mundial da literatura moderna”, tanto em Dublin (onde as festas pelo centenário vão durar até agosto) como em São Paulo, ou Tóquio, ou San Francisco… Sabe o que é mais engraçado? É gente demais que, tenho absoluta certeza, deseja “feliz Bloomsday” sem nunca ter lido, digerido ou entendido nada do que James Joyce escreveu!

Mas não importa. Minha ignorância não chega ao ponto de discordar do Tarcísio Torres, que fez um paralelo entre Ulisses e os blogs: “Joyce transformou a vida de um homem comum numa grande epopéia modernista. Desde então, o escritor é considerado célebre por conseguir representar a vida comum com bastante honestidade. E tem tudo a ver com os blogs, não? Essa coisa de transformar o simples no autêntico, digno de ser publicado, não acham?”.

Longe de me sentir um “escritor” depois dessa, mesmo já conhecendo o significado do Bloomsday – e descobrindo com o Alexandre Cruz Almeida uma boa razão para se juntar a massa que entende do riscado: é melhor comemorar algo que só existiu na cabeça de James Joyce a perder tempo com datas mercantilistas, como o dia dos namorados, ou patriotadas de caráter duvidoso como o sete de setembro. “Ou será que D.Pedro disse mesmo Independência ou Morte às margens do Ipiranga?”, pergunta ele.

E já que você chegou até aqui, saiba mais esta: além de ser um folclórico personagem irlandês, o nome Finnegans também está no título de outra grande obra prima de James Joyce que eu nunca vou ler: Finnegan’s Wake.

Comentários em blogs: ainda existem? (8)

  1. Marmota também é cultura. E eu prefiro ir no Finnegan´s em noites menos agitadas, só pra curtir o lugar e a cerveja mesmo…. Valeu por me lembrar do dia correto de São João, acho que há anos faço a mesma confusão.

  2. Eu li dois livros do Joyce> o morno “Dublinenses” e “O Retrato do Artista Quando Jovem”, que é um prelúdio para Ulisses. A única coisa boa do livro – que é chato a beça – é uma descrição do inferno que consegue ser mais apavorante que a de Dante.

    Joyce era o Guimarães Rosa irlandês. Finnegan’s Wake é a prova. Não se entende nonada…:-)

  3. Eu juro que tentei, mas não consegui passar da segunda página de Ulisses. O livro, pelo seu tamanho, já desanima. A complicação então, nem se fala. Mas eu assumi o desafio e um dia leio inteiro!!!

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