Blogueiros convidados para o carteado

Você sabe jogar truco? É assim: você tem três cartas na mão, e ninguém na mesa sabe quais são. No decorrer do jogo, você pode gritar “truco”: isso triplica o valor da rodada. Na prática, significa dizer que “minhas cartas valem mais que as suas”, o que não representa, necessariamente, a verdade. Caso seu oponente acredite em blefe, ou tenha uma carta mais valiosa, pode “pedir seis”, isto é, dobrar a aposta.

“Tem tudo a ver com advocacia, sabia?”, disse, certa vez, uma das minhas grandes amigas advogadas. “Não importa se a gente diz a verdade ou está blefando. A gente ganha quando os outros temem as cartas que estão na nossa mão”. Sem querer generalizar, mas já fazendo: é como se a Justiça fosse um interminável jogo de truco… E pode parecer brincadeira de colegial – quando seu colega vinha correndo com as quarenta cartas do jogo na mão na hora do intervalo, mas acredite: três blogueiros foram “convidados para uma rodada de truco” semana passada.

O caso mais surreal foi o da Alê Félix: seu endereço Amarula com Sucrilhos, que certamente você conhece, deve sair do ar o quanto antes. Tudo porque a “existência de referido nome de domínio pode levar o público em geral a acreditar que haveria alguma relação entre este site, seu conteúdo”, que “implicam em atos ilícitos e danosos à nossa constituinte”. Resumindo: a turma viajou da África, terra natal da frutinha marula, só para mostrar as quatro manilhas para a Alê, sem que ela tenha feito qualquer ameaça na mesa…

Dow “Wrong” – Mas tem um “truqueiro” que virou epidemia entre blogueiros: o “representante da empresa de recolocação”. O tipo aparecia com certa frequência pela web, mas ganhou repercussão graças ao nosso síndico, o Cris Dias. Ele reproduziu um e-mail enviado por um “acessor” de imprensa. Leia aqui a íntegra da mensagem, recortada abaixo:

... Esta matéria esta sendo tratada sobre judicie, na primeira estancia nossa empresa obteve vitória sobre a editora Abril e provavelmente consiga vitória neste caso pois a matéria foi vinculada de forma irregular. O que solicito junto ao senhor é a retirada do conteúdo deste link, pois após a vinculação que foi colocado em seu Weblogger a respeito da matéria, existiram alguns comentários que vem nos prejudicando. De maneira alguma estamos querendo fazer quaisquer tipo de censura, apenas estamos sendo julgados antes mesmo de um sentença final da Justiça Brasileira. Outro fato relevante que estive analisando com os meus advogados é que todos aqueles que vincularem esta matéria podem respoder no passivo do processo. Algo que não temos interesse algum que ocorra com o Sr. E acredito que o Sr. o mesmo.

Nosso amigo “acessor” faz referência a uma matéria de 16 páginas na revista Você S/A sobre empresas de recolocação de profissionais, que havia sido censurada por uma liminar impetrada pela Dow Right. O esquema da empresa é conhecido no mercado: seduzido por propagandas que oferecem milhares de vagas – ou pior, atraídos por anúncios “maquiados” em jornal anunciando empregos ou mesmo por insistentes telefonemas, o sujeito assinava um contrato, pagava cerca de R$ 1500 e esperava pelos resultados, prometidos de maneira altamente convincente. Aqui você encontra uma pequena lista de clientes pouco satisfeitos.

Ao que consta, o advogado da empresa conseguiu tirar do ar um blog entitulado “Odeio a Dow Right”… Mas o curioso é que toda essa repercussão do caso envolvendo Dow Right (leia mais aqui, aqui, aqui e aqui) já tem mais de um ano, sendo que a tal matéria proibida foi publicada em abril passado.

Mais curioso ainda é o pedido de truco feito ao Edney, por um motivo parecido: comentários deixados no Interney, reclamando de uma empresa chamada HCO International. “Ele não se identificou, tenho apenas os telefones de onde ele ligou, e ameaçou me processar em R$ 1 milhão pois disse que tem danos comprovados de R$ 50 mil que foram causados pelo meu site”, avisa o Edney.

Poder com ph – Mas ainda há uma coisa que não se encaixa nessa história toda, e nisso minha amiga advogada compactua: “blogs não têm um alcance enorme. Quantos são os visitantes por dia? Por mais que seja, para um blog, não é nada para a tiragem de uma revista, por exemplo. Como eles vão provar que tiveram danos especificamente por um post?”. E vai além. “É bem provável que tenham blefado… Acho que os honorários do advogado seriam mais altos do que a indenização que a empresa poderia pleitear no caso”.

Então por que convidar pobres blogueiros para o carteado? Uma resposta possível foi formulada pelo meu ídolo Raphael Perret, que se baseia nesta citação do jornalista Alberto Dines: “E o que faz o gigante quando se vê ameaçado por um insignificante adversário? Responder pode torná-lo significante e perigoso. Os tratadistas da perfídia recomendam o seu rápido e total aniquilamento… A tática do linchamento baseia-se nesta premissa – justiçamento sumário para evitar que a justiça funcione. É também a lei da selva. Esta é a tática dos cartéis. E das máfias”.

A conclusão do Raphael? Grandes empresas perceberam o potencial de um blog, capaz de difundir idéias que normalmente se perdem na superficialidade da mídia tradicional. E o que os grandes fazem quando as idéias não agradam? Pedem truco, bem alto. “É por isso que eu costumo dizer, em tom de brincadeira: liberdade de expressão é o direito que você tem de concordar comigo”, conclui o Cris Dias.

Imagine se isso vira moda e a democracia dos blogs der lugar a jogatina? Desde já, convido minha amiga advogada como parceira. Mas vamos com cuidado: o baralho é deles, está marcado e ainda fizeram maço…

André Marmota é professor universitário e ouvinte frequente da pergunta “mas e além disso, você também trabalha?”. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (3)

  1. É, Marmota, como no truco, que quando alguém grita “6”, os outros jogadores tendem a pensar duas vezes e recuar, quando algum advogado fala em “indenização”, muitos tendem a recuar, também, pois “mais vale previnir do que remediar”.
    Agora, o que é importante é que os “jogadores” possam efetivamente saber o valor das cartas que tem em mãos, assim podem ao menos desconfiar das cartas do adversário (pois, por exemplo, se o “Gato” está comigo, é certo que com ele não estará!)

  2. Em 2003, eu quase caí no golpe desses caras. Para me vingar, escrevi um romance que se chama “A Noite da Caça”. É a história de um homem que caiu no golpe e resolve se vingar, fazendo a consultora que o enganou de refém. O livro está sendo lançado esta semana pela Editora Rocco. Enfim, dei meu troco e ainda ganhei um dinheiro com isso. Devo ser um dos raros casos de alguém que conseguiu se dar bem por causa desses estelionatários! Se você quiser conferir o livro…
    abç,
    Cláudia Mattos

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