Se você tem costume de navegar bastante por sites pessoais e blogs, ou se esforça em criar relações virtuais e ampliar sua rede de contatos, certamente participa (ativamente ou não) de alguma lista de discussão. Ou várias delas: por e-mail, fóruns, salas ocultas de bate-papo, comunidades do orkut…
Quem freqüenta esse ambiente conhece suas nuances, proporcionadas pela variedade de gente em um mesmo espaço virtual. Os teóricos iniciam debates sobre temas pertinentes. Os mais práticos enriquecem a experiência com exemplos e atitudes. Quem não é nem um nem outro pode apenas acompanhar. Mas também pode se meter na conversa, e aí tudo depende do estado emocional dos debatedores. Dependendo do caso, o “dono” da comunidade, com sua sabedoria (ou não), intervém quando a coisa fica preta.
Agora que você já lembrou de algumas histórias envolvendo discussões online, sejam elas boas ou ruins, imagine como seria reunir membros dessas comunidades ao vivo. Nada de softwares e hardwares atrapalhando contatos entre as pessoas: é a sua cara, a sua voz, as suas atitudes… E bem ali, na cadeira ao lado, aquele cidadão que até pouco tempo não passava de uma URL ou um endereço de e-mail.
Pois bem, isso existe. Chama-se Barcamp. Tomando emprestado a feliz definição do Wagner Martins, o Mr. Manson, o que se viu em São Paulo no último final de semana foi “a materialização de uma lista de discussão”. Para o bem ou para o mal, é claro. Mas com um saldo extremamente positivo no final.
“Audioblog customizado” – Pouco mais da metade dos 250 inscritos acordaram bem cedo no último dia 24 de março, e tomaram conta do terceiro andar do prédio da Gazeta, na Paulista. Não posso falar por eles, mas apostaria facilmente: com certeza dava para contar nos dedos o número de pessoas que sabiam exatamente o que aconteceria ali. Tudo que eu sabia era: começa às nove, mas a apresentação é as dez. Perfeito. Cheguei às 9h45.
Meia hora depois, toda aquela turma de “conhecidos anônimos” estava no auditório, tentando entender o que aquele sujeito magrinho, de voz baixa e atropelada, usando blazer “risca de giz”, iria fazer com a gente. Era o André Avorio, explicando o conceito de “desconferência”: não existem espectadores, palestrantes, temas definidos… Todos são participantes, e os assuntos pertinentes emergem de acordo com interesses comuns. O termo “Barcamp” não diz respeito ao evento, mas a um conceito, a uma forma de compartilhar conhecimento, descobrir novas questões e abrir a mente.
Mesmo assim, a coisa parecia esquisita. Um vídeo em inglês ultra-avançado tentou exemplificar o esquema, mostrando um Barcamp em São Francisco. Desconferências abertas a todos, reunindo posturas capitalistas, socialistas, neutras… No prédio da Microsoft! Bom, talvez isso tenha confundido quem estava quase sacando.
Ainda não estava claro como aquelas cento e poucas pessoas se organizariam e debateriam – ou fariam “sinapses coletivas”, segundo Avorio. O pulo do gato foi revelado instantes depois: um mural, com cada sala disponível dividida em faixas de horário. Os participantes definem os assuntos ali mesmo, e a coisa se auto-regula. Idéia genial, incrementada por outra de um grande amigo: “vamos arrumar uns post-its e fazer spam? Colar vários papéis nesse mural e escrever cialis, valium, viagra…”.
Antes do bate-papo, o heróico Avorio fez uma rápida dinâmica, identificando alguns pré-temas sugeridos no e-group do Barcamp. Nomes diferentes para os mesmos temas: “quem quer falar sobre Drupal? Sobre Joomla? Sobre CMS?”. Traduzindo: quem quer falar sobre Corinthians? E sobre Palmeiras? E sobre futebol em geral?
Curioso como expressões desconhecidas surgem na mesma velocidade com que novas tecnologias se desenvolvem ou se misturam – como o fenômeno dos “mashups”, quase um “dadaísmo online”. Mais curioso e folclórico é ver alguém pagando de antenado e descolado:
– Eu gostaria de falar sobre os audioblogs customizados.
– Hmmm… Não seria o mesmo que podcasts?
– Não, não. Estou falando de audioblogs customizados.
Um brainstorm posterior com o André de Abreu, sua amiga Débora e a Roberta Zouain desenvolveu um tema do gênero para o dia seguinte. “Vamos sugerir a introdução da linguagem Lego, a da tartaruguinha, no desenvolvimento da Web 3.0 Flex”. Sensacional.
O “espalha-roda” – Enquanto as turmas se dividiram para falar em web 2.0 (aliás, dizem, a melhor discussão do sábado), linguagens de programação ou mesmo defender o socialismo utópico venerando o computador de cem dólares, a galera da comunicação abriu uma sala para falar em jornalismo participativo. E lá vou eu.
De fato, tinha tudo para ser uma discussão maravilhosa do início ao fim. Entre os interessados, estavam a Ana Brambilla, que é especialista no tema. E mais: os professores Pollyana Ferrari e André de Abreu, a Ceila Santos, a Gabriela Nardy e o Pedro Markun, do Jornal de Debates… No final, uma valiosa contribuição do Juliano Spyer, responsável pelo site VivaSP, tornou o painel ainda mais produtivo.
Então chegou o espalha-roda.
A definição que ouvi por aí sobre o termo, que não inventei: tem uma rodinha formada de gente conversando. Aí chega o “espalha-roda” e a rodinha acaba. A expressão caiu como uma luva quando o debate foi subitamente interrompido por um sujeito, em pé, bem atrás de mim. Nessa altura, a sala já estava lotada.
– Então, eu estou ouvindo vocês todos aí falando em emprego, em chefe, em empresa de comunicação… Meu, eu acho que tá tudo errado, cara. O negócio é sair dessa, abrir um negocinho na Internet, meu. Acho que esse papo aí de emprego não tem nada a ver, cês tão por fora.
– Bom, na verdade, a discussão é outra. Estamos interessados em descobrir maneiras de despertar o interesse do usuário em participar de projetos colaborativos…
– Meeeeu, cês não perceberam ainda qual é o lance? Cara, vocês precisam conhecer SEO. Manja? Ess êi ou, cara. Search engine optimization. Você faz um blog. Aí otimiza o negócio. De repente, cara, o pessoal te descobre no Google e aí você tá feito, meu. Porque o Google é o Google, cara!
“O Google é o Google” serviu como senha para o almoço. E aos poucos, a salinha foi esvaziando.
Salvo pelo gongo – Nada como um bom digestivo após as refeições. Deveria ter lembrado disso antes de entrar na discussão sobre blogs, coordenada pelo Jeff Paiva. Foi o ápice da tal “materialização de listas de discussão”: eu me senti no meio da lista Blogosfera, ouvindo palpites sobre blogs publicitários, monetização, alternativas ao adsense “que pode acabar a qualquer momento como qualquer bolha especulativa”…
Então citaram o Interney Blogs. Uma, duas, várias vezes. “Não, porque eu acho que o Edney é milionário, não precisa dessas coisas”, “O pessoal do Interney Blogs deve estar ficando milionário”… E eu era o único naquela sala que poderia falar alguma coisa, já que os pais da criança estavam envolvidos em uma conversa bem mais interessante.
Não me sentia confortável ali, não queria levantar a mão. É exatamente como eu faço na lista: minha opinião não vai fazer diferença no andamento das discussões. “Ei, eu acho que você tem que falar alguma coisa”, comentou baixinho a Pollyana, na minha frente. Então levantei a mão.
– Bom, eu não sou a pessoa mais indicada para falar, nem me sinto à vontade para isso, mas como eu faço parte do Interney Blogs, acho pertinente fazer um aparte.
– E quem é você? Qual o seu blog?
– Sou o André, e meu blog é o Marmota.
Uma voz feminina ecoa na sala antes do meu discurso.
– Você é o Marmota!!! Eu leio você todo dia!!! Eu sou a Ematoma!!!
Aliás, um adendo. A reação foi exatamente a mesma em todos os momentos em que me apresentei. E evidentemente, tive a mesma reação diante de muita gente.
Resumi em uma linha a proposta do portal, além de defender, em palavras desconexas, que eu era adepto do “blog moleque”: em primeiro lugar, escrever despretensiosamente sobre aquilo que gosta, sem esquecer que existe uma vida além do blog, com emprego, salário… Essas coisas. Não adiantou muito. Logo os cifrões voltaram à pauta: “Ei, mas quanto você ganha com o blog? Quanto o Edney ganha? Vocês já estão milionários?”.
Como na boa e velha sala de bate-papo do UOL, Edney e Inagaki entram na sala. Estava salvo. “Essa pergunta quem deve ou não responder são eles”.
Devia ter seguido o conselho dos dois e ter ficado em uma das mesas do Monet, no terceiro andar. Terminada a “blogagem”, terminei o sábado ao lado da Débora, da Roberta e de dois Andrés: o de Abreu e o Kenji, encontrinho que terminou no Franz Café da Fnac logo depois – nessa altura, as “sinapses coletivas” já estavam devidamente desorganizadas, a caminho da porção 100% bar do Barcamp. E amanhã tem mais.
(Escreveu/está escrevendo/escreverá sobre? Não esqueça das tags para o Technorati barcampsp, para reunir tudo que foi dito sobre. Você também pode incluir a tag to:en, para que o Jonas Galvez possa traduzir isso tudo no Blogamundo).
Mordaz. Ao quadrado.
E ae??
Eles responderam se tão ricos ou não?!?!
hehehehehe
Na verdade não defendi o socialismo utópico. Não mesmo.
Só achei que o computadorzinho é melhor do que eu imaginava que fosse. Só isso.
Agora, toda essa coisa de um laptop por criança, etc e tal é outra história completamente diferente.
Oi André, sou eu !!!
1- eu me diverti com vocês e não com os “Senhores você-sabe-de-quem-estou-falando-mas-não-vou-citar-nomes”.
2- Cara, não sabia que vc era celebridade na web. Li um monte de textos que citavam seu nome. Se soubesse tirava foto contigo e colocava no meu imagem log customizado.
Ok, eu confesso, comentei antes de ler o post todo. Vi o link no dashboard do wordpress, olhei o texto sem ler o que estava em volta, e falei besteira.
Agora que li o post todo sei que o “elogio” não foi pra mim…
André:
A impressão que dá é que a maioria das pessoas não conhece aquela expressão grossa –Peru de fora não se manifesta. Cara, eu teria dado um piti.
Fora isso, tudo bem? Chego sexta no Rio.
Olá Andre!
Sem querer pagar uma de descolado e antenado 🙂 Uma das grandes sacações da trilha sobre o OLPC foi uma fala do Felipe Fonseca… :
“Os OLPC não são notebooks (no sentido usual do termo) mas ferramentas de copmunicação para aprendizagens colaborativas”
Ou seja está se falando de educação para a era da informação…mudança de paradigma…
O problema é que a maior partre dqas pessoas pensa que a discussão sobre o OLPC é uma discussão de TI, mas é de Educação… parece óbvio, mas a mior parte não saca isso 🙂
No mais, eu peguei leve na tietagem…inclusive com você 🙂
[]´s
Ufa! pensei que não tinha ido ao mesmo evento que vários autores postaram about…Enfim, uma descrição que me identifico sobre o que foi o BarCamp. Valeu, Marmota! Na próxima lista presencial, prometo ficar quieta quando vc for interromper alguém….
Adorei esse texto, diverti-me muito lendo! Descobri que sou adepta do “blog moleque” como você diz, até porque eu não ganho um centavinho com o meu blog. A recompensa é em outro tipo de moeda: conhecer pessoas maravilhosas como você, a Pat, a Lu, o Inagaki, o Ian… isso não tem preço. 😉
É impressão minha ou a logomarca desse negócio é uma FLAME???
Medo. Muito medo.
Deixa eu desenterrar o projeto da minha pousada em Santa Rita do Mato Dentro…
Pô Marmota, vc esqueceu do “post arte”! E alguma outra coisa que surgiu no 2o dia, mas foi antes do café e portanto obviamente esquecida.
Bjs!
Roberta
Pareceu divertidíssimo!!