A viagem que a mala não viu

Vou terminar de uma vez por todas (ufa!) a série sobre a Alemanha com uma historinha curiosa, sobre uma personagem que só atingiu status de “número um” nesse mês de agosto. Algo que todo mundo se preocupa antes de qualquer viagem, mas que pode sumir num passe de mágica durante deslocamentos, escadarias e afins. Com vocês, a mala.

Durante três semanas circulando entre Bonn, Colônia e Berlim ao lado dos amigos da Deutsche Welle, acumulei não apenas boas histórias e alguns conhecimentos extras, mas especialmente papéis. Material de curso, revistas e folhetos em alemão, mapas, publicações diversas, lembrancinhas como camisetas, canecas, ímãs de geladeira e até um espetacular rádio Grundig de ondas curtas para passar o tempo em casa. Um conteúdo rico, suficiente para encher outra mala.

A verdade é que, até o último dia do curso, eu acreditava que toda essa parafernália caberia na minha humilde malinha, junto com a roupa suja. Provavelmente minha mente estava inebriada demais, a ponto de ignorar leis elementares da física. Assim, antes de me despedir da turma em Bad Godesberg e pegar o trem para Amsterdã, tratei de procurar uma nova mala, suficientemente resistente e barata acima de tudo.

A solução veio na Woolworth, espécie de Lojas Americanas da Alemanha. Encontrei uma grande, com rodinha e tudo, por 18 euros. Uma verdadeira pechincha. Voltei todo pimpão para o hotel e entupi alegremente o novo artefato, sem pensar muito nas conseqüências.

Claro que só parei para pensar nelas enquanto caminhava com a mala de roupas, a mala de bugigangas e a minha bolsa verde velha de guerra. Traslado com escalas na estação de Bad Godesberg, estação de Colônia, estação central de Amsterdã e, depois de um verdadeiro esforço circense no tram (bondinho), finalmente concluo a carregagem ao avistar Lello Lopes no nosso hotel.

Só que ainda teríamos uns dez dias revendo Danilo e Natalia em Berlim e circulando pelos arredores. Ainda dopado, imaginei que poderia despachar a mala para a capital alemã e pagar uma mixaria de excesso. Pois nem o meu vôo baratinho e nem a confortável escala da KLM do Lello aceitaram a minha pobre malinha. “Devia ter mandado o embrulho para casa pelo Deutsche Post, em Bonn”, lamentei, já em busca de uma agência de correio holandesa.

Encontrei algo bem melhor no completo (e bem confortável) aeroporto de Schiphol: um serviço de envio de malas para qualquer aeroporto do mundo, na data que eu quisesse. Chama-se Worldwide Baggage Services, e os caras dão todo tipo de garantia. Estava salvo! Bem, o salvamento custou 140 euros, mas naquela altura do campeonato, qualquer despesa para me livrar daqueles 25kg era troco. Saí do escritório da WBS feliz da vida, direto para o Burger King.

Enfim, segundo minhas notas fiscais e comprovantes, a mala seria despachada de Amsterdã para Lisboa, e de Lisboa para São Paulo no vôo TP185, de 16 de novembro de 2005. Exatamente o mesmo que o meu! Ironicamente, não poderia retirar no mesmo dia, já que eu desembarquei em Guarulhos como passageiro, com direito a US$ 500 em compras sem declarar, e minha malinha veio como carga, sem direito a piciroca nenhuma.

Já em casa, imaginei que pegar a mala seria uma operação rotineira, dessas que se fazem rapidinho antes do almoço. Que esperança. No primeiro telefonema para a Tap Portugal, a notícia: teria que apanhar a nota e assinar uma papelada burocrática no escritório da companhia, no prédio do TECA (Terminal de Cargas da Infraero), até o meio-dia. Ou depois das duas da tarde, sob pena de não ser atendido pela Receita Federal.

É claro que, da primeira vez que tentei, não consegui. Cheguei ao prédio às 11h59, no instante que a mocinha estava trancando a porta do escritório. “Puxa vida, acabei de encerrar aqui. Sinto muito”. “Mas moça, é só um papel… Por favor, me ajude…”. Nada feito. Horário de almoço para essa gente burocrática é algo sagrado.

Tudo bem. No dia seguinte, cheguei ao Terminal de Cargas alguns minutos mais cedo, para alegria da funcionária maldita. A questão é que aquela papelada básica era apenas o começo: restava passar pela Receita Federal, que estava de posse da mala. O guichê fica fora do prédio, ligado ao imenso terminal de importações e exportações em Guarulhos. Para minha surpresa, o atendimento foi feito por um tiozinho muito simpático. Chato, mas sempre gentil e educado.

“Por favor, seu CPF, para saber qual desses é você”, pediu, apontando para o monitor. O terminal de computador da receita indicava uns dez cururus, todos com o mesmo nome. Claro que só um morava num buraco da ZL e tinha vindo da Alemanha naquela semana. Enfim, bastou o CPF para eliminar a primeira confusão.

Veio, então, a segunda. “Estranho, sua mala foi enviada de Amsterdã, mas a sua passagem é de Lisboa. Não estou entendendo” Ainda não havia limpado minha bolsa verde, e por sorte, tinha nas mãos todos os bilhetes possíveis. “Senhor, é o seguinte”, comecei, exibindo as passagens uma a uma. “Embarquei para Lisboa dia 14 de outubro e, no dia seguinte, fui para Frankfurt. Fiz um curso por três semanas em Bonn, onde peguei um trem, no dia quatro de novembro, para Amsterdã, onde encontrei um amigo. De lá, fomos no dia sete para Berlim, e no dia onze, para Munique. De Munique, peguei um trem para Frankfurt na madrugada do dia 14, onde embarquei novamente para Lisboa, e de lá, vim para São Paulo no dia 16. Repare, meu senhor, que não seria nada fácil andar com essa mala por todos esses lugares…”.

Naquela altura, estava com um sorriso de vitória nos lábios. Minhas passagens e meu discurso convincente seriam suficientes para resolver aquele imbróglio rapidamente e pegar logo minha mala. Vitória!

“Entendo… Faça o seguinte, senhor André, tire cópias de tudo isso para mim, por gentileza, além de uma cópia dos seus documentos e suas notas. Aproveite e vá até qualquer uma das agências bancárias do terminal para recolher a taxa de armazenamento. Feito isso, ainda vai faltar a liberação alfandegária, e isso talvez demore, já que o inspetor está em horário de almoço”. Agora era a vez do simpático tiozinho dar risada e pensar “vitória”. Maldito.

Mais de uma hora depois, pouco antes do retorno do inspetor, o tiozinho manda mais uma. “Percebi que, na sua declaração de bagagem desacompanhada, você discrimina a presença de equipamento eletrônico. Dependendo do parecer, ainda é preciso recolher imposto”. Mas que merda! Era o radinho Grundig ondas curtas! Num relance, poderia ser confundido com um Motoradio de uso pessoal… Mas na realidade, esse mimo da Deutsche Welle vale uns 70 euros.

Disse um “ah, ok” despretencioso para o tiozinho e permaneci em silêncio até o inspetor da receita anunciar meu nome. Ele me acompanhou ao imenso depósito, abarrotado de caixas e embrulhos. Empoeirada e com as marcas de duas semanas de batalha, lá estava a malinha de sotaque alemão, com o zíper lacrado em Amsterdã. Abrimos ali mesmo e, ao ver que o “equipamento eletrônico” era aquele radinho inofensivo no meio da papelada, o inspetor fez cara de “ah, tenho mais o que fazer” e disse um “ah, pode levar”.

Essa historinha de hoje, além de colocar um ponto final em minhas lembranças de uma das passagens mais marcantes da minha vida, traz duas lições de ouro para qualquer viajante. A primeira: sempre que trouxer alguma história para contar, não leve um ano para contá-la. A segunda: se estiver pensando em passar um mês em qualquer lugar do mundo, lembre-se de viajar leve, com a menor quantidade de tralha que puder. Acredite: isso faz toda a diferença.

Comentários em blogs: ainda existem? (3)

  1. Não tem nada a ver com o post, mas é que eu preciso fazer um desabafo.

    VAI PRO INFERNO, MURICY RAMALHO!!!!!!!!

    CHEGA! DEMISSÃO JÁ! RUA! VAI EMBORA! XÔ!

    André, meu amigo, como é que vocês agüentaram esse incompetente por 3 anos lá no Inter? Meu Deus!

    A mula conseguiu estragar o meu fim de semana – e olha que eu vi o show do Chico, espetacular, na sexta-feira! Desgraçado (o Muricy, não o Chico)

    Ufa. Tô mais aliviado agora…

    Abraço

  2. Posso acrescentar uma dica? Leve uma mala com no máximo 75 % do espaço ocupado. Mesmo que você não seja um consumidor voraz, sempre pinta alguma coisa interessante pra trazer.

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