A TV Pirata é nota seis

Durante o Carnaval carioca de 1988, os caminhões de som da Marquês de Sapucaí alternavam placas que instigavam o telespectador global: eram as estréias da emissora daquele ano. Uma era “Tela Quente”, filmes blockbuster às segundas-feiras – horário que, até 87, pertencia a Jô Soares, contratado naquele ano pelo SBT. Outra era mais enigmática: TV Pirata.

O mistério foi resolvido no dia 5 de abril, uma terça-feira. Um estúdio de TV foi invadido por um navio pirata, de onde desembarcaram sujeitos assustadores e dispostos a alterar a programação. Armados até os dentes e munidos de uma fita de rolo, os invasores finalmente conseguem tomar o set, após chutes e pontapés acompanhados por uma trilha sonora inconfundível e alguns nomes rolando na horizontal, ao pé do vídeo.


Em 1990, a TV Pirata pegou carona no jingle de aniversário dos 25 anos da emissora – a Globo 90 é nota 100. No primeiro programa do ano (que apresentou Denise Fraga e Maria Zilda), a trupe exibiu uma paródia, mantendo o clima e as cores da vinheta. A música inesquecível reaparece em algumas opções do DVD:

Não tem pra vocês
A TV Pirata é nota 6
Deu pra passar
Só que tivemos que colar

Não é genial
Mas tem gente que gosta
Falam tão mal
Mas não é essa droga
Entra ano e sai ano
A gente insiste
Afinal tem gente que assiste

(uh uh)

25 anos juntos
Tentando outra vez
Não tem pra vocês…


No mesmo ano, a abertura (que em nada remetia a dos anos anteriores) ganhou uma musiquinha mezzo latina mezzo funk, com a cara (e os clichês preferidos) dos "cassetas". Pelo que pude apurar, era interpretada por Mu Chebabi, parceiro musical da trupe. Essa não tem no DVD – e pessoalmente, não sei se alguém sentiria falta.

Ô lôco
Nêgo tá latindo
Pra economizar cachorro

Vendendo a própria mãe
Sem discutir o preço
O mundo vai acabar
E é só o começo

É fim de festa
Se não quer dar, empresta

Solta a franga
Senta que o leão é manso
Se o pato não vem
Então o lance é afogar o ganso

Tá pagando mico
Manda tudo pro espaço
Melhor armar o circo
Pra descabelar o palhaço

A começar pelos atores: Cláudia Raia, Cristina Pereira, Débora Bloch, Diogo Vilela, Guilherme Karan, Louise Cardoso, Luiz Fernando Guimarães, Marco Nanini, Ney Latorraca e Regina Casé. Na sequência, a trupe de redatores: Luis Fernando Veríssimo, Mauro Rasi, Alexandre Machado, Vicente Pereira, Patrícia Travassos, Pedro Cardoso e os “cassetas” Bussunda, Marcelo Madureira, Reinaldo, Beto Silva, Hubert, Cláudio Manoel e Hélio de la Peña. Todos sob a coordenação de Cláudio Paiva. Locução de Ciro Jatene, direção de Guel Arraes e José Lavigne.

Quem estava acostumado com Viva o Gordo, Chico Anysio Show, Praça da Alegria e todos os seus derivados, ficou surpreso. Não havia piadinhas comportadas seguidas da boa e velha claque. Mas sim um irreverente e descarado deboche a programação da TV e ao comportamento humano. Satirizavam filmes, novelas, telejornais e comerciais. Ao mesmo tempo, esculachavam situações do cotidiano. Aquele bando de bucaneiros revolucionou a linguagem dos programas de humor. Trouxe para o horário nobre o politicamente incorreto e o nonsense. Chacoalhou a crítica e o público, além de imortalizar personagens.

O auge do programa foi mesmo em 1988. Ainda segurou o fôlego no ano seguinte – quando a abertura “navio pirata” foi substituída por uma revisita ao velho Viva o Gordo: ao invés de Jô, era o elenco que contracenava com cenas antológicas: Cristina Pereira lança um papelzinho inocente em sua zarabatana-bic em Renato Villar (Tarcísio Meira), que se contorce sob a mesa; o bombeiro Luiz Fernando Guimarães quer resgatar Gabriela (Sônia Braga) e acaba caindo com escada e tudo; Claudia Raia toma banho na primeira cova aberta por Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo). Ainda em 1989, Pedro Paulo Rangel entrou no lugar de Marco Nanini.

Como acontece com tudo que começa inovador, alternativo e “chacoalhante”, os efeitos da fórmula da TV Pirata perdia seu efeito. Em 1990, quando Maria Zilda e Denise Fraga desembarcaram na sede da “emissora”, a coisa já caminhava para o seu final. Tanto que não durou até o final do ano. A Globo ainda tentou dar sobrevida ao programa em 1992 – quando o programa, um dos quadros mensais alternados na “Terça Nobre”, contava ainda com Otávio Augusto, Antõnio Calloni e Marisa Orth. No melhor deles, Ney Latorraca confessa ter matado Barbosa “por estar de saco cheio”.

O DVD – Assim que saiu a pré-venda do DVD de TV Pirata, garanti a minha cópia. Por algumas razões. Não perdia um programa, mesmo na fase “ah, assiste aí”. E não tenho Multishow, canal a cabo que reprisa o programa também em comemoração aos 40 anos de Rede Globo. Vale cada centavo, apesar da recomendação de Claudio Paiva, responsável: “tentei colocar apenas as esquetes e personagens que não envelheceram, que são atuais”.

De fato, se cada fã tivesse em mãos os três anos de TV Pirata e tivesse que escolher apenas oito horas, ficaria maluco. Ainda assim, tenho a minha lista de ausências sentidas, a começar pela abertura clássica – cuja referência está apenas na musiquinha do menu. Também não estão lá o Caveira, os Super Heróis, a equipe Brazuca de F1, o Casal Telejornal, os soldados de Combate, a Janela Indiscreta, A Coisa, Sabrina (Os Diamantes Não São Para Comer), Super Safo, e a maior delas, na minha opinião um crime: Elesbão. Aquele que não tem amigos.

Mas o Plantão da Farmácia Central está representado com Adelaide Catarina, Sargento Garcia e um dos links da campanha Milionário Esperança (que, aliás, só aparece aí). Também tem bastante Campo Rural e TV Macho, matando saudades de Mimosa e Zeca Bordoada. Paiva selecionou ainda uma edição de Piada em Debate, Na Mira do Crime, Black Notícias, As Presidiárias (Tonhão, Olga, Cristiane F e a dondoca cujo nome foge), Barbosa Nove e Meia (entrevistando Sassá Mutema) e Morro do Macaco Molhado (Malandro é malandro mesmo, não dá mole pra mané…).

Essa é a melhor parte do primeiro DVD, dividido em quatro blocos: TV Pirata 1 e 2, que traz o conteúdo acima além de sátiras – bem datadas – às novelas Que Rei Sou Eu e Tieta, filmes em cartaz na Tela Morna e na Sessão Ressaca, além de comerciais impagáveis, inspirados no Free (alguma coisa a gente tem em comum), Valisere (o primeiro sutiã), US Top (bonita camisa, Fernandinho) e o presunto Sadia (esse não é… Hmmm, tá querendo me enganar, é?).

Os outros dois blocos do primeiro disco são esquetes, relacionadas ao cotidiano. Ali reaparecem inversões sociais – o mendigo doido por cachaça e o jovem que quer ser negro, o trio amoroso Shirley-Euclides-Ricardão, além do Sindicato das Mães. Talvez a parte mais compreensível do público que não estava neste planeta entre 88 e 92. O segundo disco resgata os 33 capítulos de Fogo no Rabo, além de todos os episódios de O Segredo de Darcy – pessoalmente, preferia assistir apenas alguns e substituir parte deles por qualquer referência a Rala Rala. Afinal, quem tiver fôlego para rever Barbosa, Reginaldo Nascimento (e seus irmãos), Natália, Penélope e Agronopoulos, poderia perfeitamente relembrar Índio Cleverson, Daniele Aparecida, Cabocla Jupira, Ivanhoé e a intragável Nonata.

A conclusão é simples: os fãs da época, como a maioria dos trintões repletos de inexplicáveis reminiscências oitentistas, vão ficar com vontade de assistir mais. E quem não conhecia terá nas mãos material suficiente para sentir os altos e baixos do programa – sem deixar de dar risadas. Vai saber de onde surgiram Casseta e Planeta Urgente, Os Normais, Programa Legal e Os Aspones. E vai se perguntar por que diabos ainda insistem na Zorra Total.

Comentários em blogs: ainda existem? (11)

  1. Eu fui um dos poucos da minha geração que não curtia muito a TV Pirata. Achava alguns quadros engraçados, mas outros um tanto apelativos (e eram, mesmo, a intenção era “chocar”). Preferia as sátiras políticas do Jô Soares e os personagens do Chico Anysio. Mas a TV Pirata é mesmo um programa que marcou a história da televisão brasileira.

  2. Já o meu novo sonho de consumo o DVD. Apesar de ser um pouco mais novo que você, tive oportunidade de assistir todos os programas. Incluíndo os especiais, como Quem Matou Barbosa? E os Sete Pecados Capitais.

  3. Texto foda marmota…
    Concordo contigo, com certeza já imaginava que ficaria fltando muitas coisas (porra, falta o caveira é?!) mas ainda assim é um tesouro!
    E precisa assistir o DVD da TV PIrata pra se perguntar pq ainda insistem na Zorra Total… aquilo perde para a Praça é Nossa, de tão ruim!
    Abração

  4. Eu baixei os três primeiros episódios do Tv Pirata no emule. Assisti só o primeiro e já deletei o resto. Não faz minha cabeça realmente.

  5. Realmente, a TV Pirata marca o início de uma nova era no humor brasileiro que, na minha modesta opinião, também já está subindo no telhado. (Reparem na decadência do C&P). A nova geração de humoristas já está aí. São os ex-Sobrinhos do Athaíde, o Hermes e Renato, etc, sem deixar de fora o Pânico na TV (que na minha opinião copia descaradamente o Jackass e outras atrações que fazem sucesso fora do Brasil.
    Tem muita gente boa vindo por aí também na internet, como aqueles caras da “Havaiana de Pau”. Enfim, piada velha não tem graça, então é preciso renovar sempre.

  6. a abertura do navio pirata invadindo a emissora é uma cópia descarada da abertura de um filme de outro grupo de comediantes, porém estes genuínos: monty phynton e o sentido da vida.

  7. Sou um fã de carteirinha do programa tv pirata que pra mim foi um dos melhores programas de humor da tv brasileira.
    Confesso que esperava mais deste DVD, achei o material selecionado muito fraco, deixaram de fora do DVD a abertura original do programa entre outras coisas como ” a perseguida” com o impagavel Elesbão, “Sabrina (os diamantes não são para comer) ” a coisa” e etc…
    Perderam a oportunidade de apresentar o melhor de “as presidiarias” como o episodio em que elas são torturadas onde “tonhão”(claudia raia) é obrigada a fazer balé, Cristiane f. (deborah bloch MARAVILHOSA) é obrigada a tomar vitaminas e diz que seu organismo está reagindo e a personagem de cristina pereira sendo obrigada a ouvir o então presidente da epoca José Sarney com seu “brasileiros e brasileiras”,
    ao invés disso deram espaço para o péssimo “o segredo de darcy”.
    Poderiam ter aproveitado mais episodios de “black notiçias” “o morro do macaco molhado” entre outros.
    Como disse sou fã do programa e poderia ficar horas falando sobre ele, mas deixo aqui registrado opinião e acho que a rede globo deveria ter o bom senso de lançar um DVD com uma segunda parte aproveitando muitas coisas legais que ficaram de fora.
    Abração!

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