A loira da poltrona ao lado

Existem oportunidades na vida que não devem ser desperdiçadas, sob pena de jamais se repetirem nesta encarnação. Castigo merecido diante do despreparo, da falta de astúcia e coragem. Situações que servem como lição: a próxima vez será muito diferente desta. Por isso mesmo, faça diferente também.

Dito isso, vamos aos fatos, que acontece com todo ser humano ao menos uma vez – por essa razão, decidi começar pela “moral da história”. Dia desses peguei um ônibus intermunicipal. Daqueles que saem da estação rodoviária, param em dois ou três pontos estratégicos no caminho e seguem viagem por uma ou duas horas até o destino final. Aliás, muitas vezes esse tipo de coletivo é tão ou mais confortável que os ditos “executivos”, que fazem linhas mais longas – os desprezíveis Greenbus da Penha, entre São Paulo e Porto Alegre, são exemplo de como um ônibus não deve ser.

Mas voltando. Quando o dito cujo partiu, a poltrona ao meu lado estava vazia. “Antes só do que mal acompanhado”, pensei. Mas logo na primeira parada, acontece aquilo que, em sua cabeça, só seria possível naquelas comédias românticas inglesas: a vaga é ocupada por uma mulher.

Quer dizer, “mulher”, na definição original, você encontra várias todos os dias. Aquela não. Loira. Olhos claros. Corpo escultural. Não mais que 23 anos. Chamá-la simplesmente de “mulher” seria um tremendo desrespeito. Tudo bem, provavelmente levaria horas para enumerar adjetivos condizentes.

O que você faria se estivesse no meu lugar? Provavelmente tentaria puxar algum assunto, demonstraria simpatia, deixaria seu telefone e contaria com a ação do destino para prolongar a conversa outra hora. “Vamos, seu jornalista inútil. Um assunto. Não vale clima, futebol ou alguma pergunta imbecil”. Não adiantou o esforço. Surgiram coisas como “você vem sempre aqui?” ou “viu o Inter ontem?”. Estava me sentindo o próprio Homer Simpson.

Quando voltei a si, percebi que ela estava acompanhada. Uma amiga, sentada no banco de trás. Ao lado dela, um tiozinho gordo – devia estar louca para que a viagem terminasse logo. “Hmmmm, e se eu oferecesse o meu lugar para ela?”, imaginei, na tentativa de arrancar-lhe um sorriso após uma boa ação. “Não. A feiosinha vai agradecer, a loira não vai olhar para a sua cara e você ficará atrás das duas, sem qualquer chance”. Devo admitir que meu lado diabólico falou mais alto. Até porque, normalmente, quem fica ao lado do tiozão corpulento sou eu.

A cada quilômetro percorrido pelo ônibus, minha agonia aumentava. “Posso perguntar se ela faz faculdade. Mas assim, sem pretexto algum? Ué, melhor do que um oi, sou o André e sou legal, e você? Ah, quer saber? Vira macho e chute o balde! Diga logo alguma coisa romântica! Fale que ela é a azeitona da sua empada e peça em casamento. Na lata. E se ela não gostar? Pode me dar um tapa na cara! Já sei. Vou perguntar as horas. Não, não, faz mais sentido perguntar quanto tempo leva. Mas aí eu teria que perguntar se ela vem sempre aqui… Cacete, como eu sou burro!”

Meu silêncio levou tanto tempo que minha musa cansou de esperar. Sempre que isso acontece, existem duas possibilidades: ou ela toma as rédeas da situação e puxa o assunto, ou cai em sono profundo até o final do trajeto. Acredito que você já saiba qual dessas opções ela escolheu.

“Ainda resta uma esperança: a saída”, pensei, avaliando novamente as parcas chances que ainda mantinha. “Quando ela desembarcar na rodoviária, agradeço a ela por viajar comigo, e digo que dificilmente conseguirei viajar com alguém tão maravilhoso ao lado. Perfeito”. Assim, foi a minha vez de cochilar e aguardar, como quem não quer nada, a “hora certa” de agir.

Acordei com o frear do ônibus, que encostou para alguns passageiros descerem logo na entrada da cidade. Abri melhor os olhos e… A poltrona ao lado estava vazia! Como assim? Onde foi parar a mulher da minha vida? Nova arregalada e lá estava ela, carregando sua bolsa pelo corredor. Estava indo embora para casa. Para sempre.

A loira da poltrona ao lado deixou comigo valiosos ensinamentos. Dedique-se naquilo que realmente deseja, deixe seu objetivo claro desde o primeiro instante, não tenha medo de errar e nem sempre confie no seu “feeling”, pois sua hora certa pode ser tarde demais.

Deixou também uma pedra. Bem grande.

André Marmota dialoga muito com o passado, cria futuros inverossímeis e, atrapalhado, deixa passar algumas sutilezas do presente. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (15)

  1. O Garcia Marquez tem um conto genial sobre uma viagem de avião onde uma moça belíssima dorme na poltrona ao lado dele. Acho que é do livro 12 Contos Peregrinos, mas minha memória já não é mais a mesma.

  2. Porra Marmota, não acredito que você não foi capaz de dizer uma palavra inteligente para a moça. Ainda mais você, que fala (escreve) tanto, um homem bonito, bem informado. Ah, não acredito nisso. Da próxima vez, já sabe né? Beijos

  3. É, André, eu sei EXATAMENTE o que é isto. Talvez por sempre fazer o trajeto de ida e volta do trabalho de ônibus, estou mais propenso à este tipo de coisa, e acredite amigo, se quiser montar uma pedreira, conte comigo. Abraços.

  4. E aí André, tudo legal? Cara! Impressionante como você descreveu com perfeição todo o processo de “panguar”. Me identifiquei muito com o texto, pois como o Marquiños (Ian) disse, se precisar de pedras para a sua pedreira, eis aqui uma de 2,06 metros de altura.

    Um abraço.

  5. Marmota,

    Eu que sempre fui tímida e caxias sei exatamente o que é isso. Aí, um dia no supermercado (sério!!), eu peguei um livro sobre paquera e comecei a ler, em pé, no corredor. Pois é. O tal livro dizia que a gente faz a situação. E que não deve deixar passar oportunidade e que deve ser a gente mesma e puxar assunto tranquilamente. E que falar sobre o clima é sempre um ótimo começo…. Aí, comecei a aplicar o pouco que li. Conheci algumas pessoas. E se não troquei telefones, foi porque não quis. O fato é que os momentos de espera ficaram bem mais palatáveis! Abração, Ju

  6. Cara, você poderia ter soltado a clásica: “E o Peixão, hein?”
    Bom, você sabe que eu também sou assim. Mas acho que nós podemos treinar a caruda na Europa. O que achas???
    P.S.: Balada brazuca na Grécia é bem legal!

  7. Marmota, você poderia ter cantarolado alguma coisa pra que a moçoila te acompanhasse. Por exemplo, aquela que você e o Narazaki tanto apreciam: “eu vou equalizar você…”

    Em tempo: Marfil, namorei uma mocinha de Taubaté por 3 anos e meio, pegando busão na rodoviária do Tietê todo final de semana. Uma hora e meia de viagem.

  8. Caro Marmota:

    Solidarizo-me com V. Sa. nesse momento de dor.

    E neste momento, depois de cumprir meu dever de dar condolências sinceras, estou aqui rindo e vendo que não sou o único mané neste mundo. Não consola, mas me sinto menos sozinho. 🙂

  9. Passei por algo semelhante a alguns anos em uma de minhas viagens São Paulo-Uberaba. O probelma é que além de linda a mulher era uma freira. Sete horas de pura angústia e uma sensação de ‘putz, eu poderia ter nos levado por um bom caminho…’

  10. André, nessas horas, qualquer merda que você falar serve. É só um pretexto…

    Conheço um cara que levava um livro no metrô e ficava caçando meninas bonitas para sentar-se ao lado. Ele sentava, abria o livro e ficava esperando a menina olhar (mesmo que casualmente) para o livro. Nesse momento, ele soltava um “Você gosta de ler?” E começava a falar sobre o livro… Taí um pretexto que, como outro qualquer, funciona…

    Enfim, a menos que você tenha dito uma grosseria, se a menina não quiser papo, ela vai te cortar sutilmente com um sorriso amarelo ou respostas evasivas. Se ela gostar, vc pode conseguir uma boa conversa ou, quem sabe, uma colega para o futuro. Mais do que isso, eu acho improvável em coletivos…
    Vale a pena exercitar a cara de pau. Você não tem nada a perder…

  11. Rapaz, e se você tivesse conseguido puxar conversa e a garota se mostrasse uma toupeira? E se ela tivesse bafo? E se ela se enfurecesse contigo e emburrasse durante todo o trajeto, transformando a sua viagem num suplício? E se ela, ao final do trajeto, tivesse te beijado? E se, durante o cochilo, ela tivesse soltado um peidinho delicado e loiro?

    “E SE” é o que mata. Na dúvida, tire a prova.

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