Fortaleza (CE) – Duas cenas breves que testemunhei no Aeroporto de Guarulhos nesta sexta despertaram uns três neurônios meus em busca de alguma conclusão sobre o que nos incentiva a seguir trabalhando, ainda que haja um abismo entre realização profissional e a simples execução de tarefas rotineiras.
A primeira diz respeito a um auxiliar novato da empresa aérea, que aproveitou o raro movimento tranquilo no check-in para treinar procedimentos de atendimento. “Próximo, senhor. Senhor! Aqui, senhor”, insistiu em voz alta, apontando para mim – e abstraindo a presença de um mané, feito paisagem, atrapalhando o meu caminho…
Enfim, o rapaz pulou o boa tarde e já foi logo perguntando: “qual seu destino, senhor?”. Informei, entregando minha identidade e o cartão do programa de milhagem. Sem que eu pudesse questionar, pegou apenas o documento. “Ué, normalmente eles deixam os dois juntos…”, pensei.
Só então descobri que o atendente era trainee. O cara digitava alguma coisa, olhava para o meu RG, voltava para o terminal, torcia as sobrancelhas, voltava a digitar… “É André o seu nome, né?”. Dei um desconto. Se estivesse preocupado em acertar um processo que não domino, também faria uma pergunta idiota.
Respondi que sim, mas decidi atrapalhá-lo: “escuta, não vai precisar disso aqui?”, apontando para o cartão de milhagem. “Ah sim, você vai pontuar, né?”. Imagino que, em meu lugar, você diria “então, na verdade meu nome é Muricy Ramalho, e como a coisa não está boa pro meu lado estou fugindo de São Paulo. O Milton Cruz vai comandar o time no clássico. Estou usando o nome desse laranja aqui, está me fazendo um favor por isso quero que as milhas desse vôo sirva como prêmio”.
No fim, apenas balancei a cabeça afirmativamente e sorri. “Prefere janela ou corredor, senhor?”. Digo que tanto faz, desde que não seja aquele assento horrendo à frente da saída de emergência. O rapaz preencheu algo, “catando milho” e soletrando: “ésse, um, dábliu… Ei, como faz pra marcar janela aqui?”, perguntou à loira bonitinha do guichê ao lado. “É S1W e enter”, respondeu. Puxa, bem que eu podia ter sido atendido por ela…
De repente, o cartão de embarque pula em minha direção. O rapaz me entrega dobradinho, sem as tradicionais canetadas com o horário limite para embarque, portão, essas coisas. “Ah, você tem bagagem?”. Pensei que não iria perguntar. Despachei minhas duas malas, as duas etiquetas foram impressas – uma foi colada, outra caiu embaixo da balança. “Na sua bagagem de mão tem algum objeto perfurante, cortante…”. Disse que não, imaginando quando ele tomaria o cartão de embarque da minha mão para colar os comprovantes da bagagem.
“Ei Rodrigo, você precisa anotar o peso de cada bagagem na etiqueta”, alertou outro funcionário. “Mas estou sem caneta aqui”, devolvou o novato. Com cara de “mas que tolinho”, puxou uma caneta do bolso e entregou ao rapaz. “Ei, não vai esquecer do meu cartão de milhagem!”, emendei. Ah sim, mais isso. Nova consulta à loirinha e as últimas digitadas lentas no sistema.
“É só isso?”, perguntei. “Sim, senhor. Ah, sua bagagem de mão tem algum objeto perfurante?”. Sorri ao negar outra vez, sem sequer confirmar qual seria portão de embarque. Enquanto saio, uma voz comemora ao fundo: “Olha o Rodrigo, atendendo cliente!”. Bom pra ele, né?
Decidi celebrar o desempenho do esforçado e interessado novato com um cafezinho. Antes de pedir à mocinha do caixa, peguei um chocolatinho no balcão. Para que pudesse me atender, ela precisou interromper o bate-papo com um amigo. “O seu dá cinco reais”, afirmou. Mas moça, nem vai seguir a orientação da sua supervisora e perguntar se eu quero mais alguma coisa? Anote aí um café e uma água.
Enquanto registrava, a mocinha perguntou ao amigo: “e você, está com saudades desse aeroporto?”. “Nossa, nenhuma. Não aguentava mais esse lugar aqui”. “É crédito ou débito, moço?”. Respondi, perguntando pelo CPF na nota fiscal. “Nossa, eu também estou de saco cheio daqui”, disse a atendente, de olho no provável ex-colega. Arregalei meus olhos!
Antes de me entregar o comprovante, a figura que representava o estabelecimento naquele momento apontou seus dedos para o lado numérico do teclado e, sem dizer uma palavra, esperou pelo meu CPF. Se eu tivesse mais tempo, perguntaria pela gerente e lhe diria: “olha, tem um rapaz ali no balcão de check-in que é um pouco atrapalhado, mas bastante entusiasmado. De repente, ele pode indicar alguém pra vaga dessa folgada aqui”.
Acredito que alguém com sólidos conhecimentos em gestão de pessoas consiga identificar melhor esses padrões de comportamento. Mas eu me arrisco a dizer que, em uma cidade gigantesca com poucas e complexas formas de transporte, e em empresas com alta rotatividade de funcionários e foco em processos irrelevantes para o bom andamento do negócio, infelizmente o jovem carinha do check-in seria capaz de dizer algo parecido em poucos dias.
Da mesma forma, também não me surpreenderia se soubesse que a atendente do café começou a trabalhar ali semana passada.
E você… Uma pedra!
sheuhsuheuhsehusheus
ótimo post!
Abraço!
Putz…
Eu também teria que me segurar muito com o atendente da companhia aérea…
Agora, o do café… que horror!
Sou funcionária pública. Pra muita gente, isso significa que tenho extrema má vontade em atender público. Mas quem já me viu em ação, se admira de ver quão prestimosa sou blábláblá… só que não faço isso porque sou melhor e mais humana do que a maioria dos colegas. Apenas porque acho que é muito mais fácil e rápido atender bem do que ficar remanchando… é puro egoísmo mesmo, huahauahuahauahua…
E assim, zero meu feed novamente. Sempre deixo o Marmota por último porque exige um grau de concentração maior para digerir a discussão.
Só compartilhando: realmente fico pê da vida quando alguém está reclamando da vida enquanto me serve.
Copiando a Cláudia Lyra, inclusive na parte do “atendo bem por puro egoísmo”. Tão mais prático. O dia passa e eu nem sinto.