Uma madrugada perfeita

Por Adilson Fuzo

– Corre, Jotabê! Corre!

O Geraldinho gritava comigo e eu corria. Corria muito. Corria mais do que podia, para falar a verdade. Seguíamos os dois pelas ruas desertas do centro de São Paulo naquela madrugada inesquecível de sábado para domingo. Nunca fui de fazer esportes e confesso que cada passada custava caro para mim, mas naquele momento era melhor não pensar no cansaço e deixar as pernas fazerem o seu trabalho.

Que horas eram? Sei lá! Já deviam ser mais de três, porque o seu Henrique – o dono do bar Mexerica, onde nossa banda havia feito uma apresentação naquela noite – praticamente nos expulsou lá pelas duas horas. Mas nem mesmo o jeito grosseirão do seu Henrique poderia estragar a nossa noitada. Estávamos todos tão alegres que saímos agradecendo pelos salgadinhos extras que comemos e ele não cobrou. Era uma espécie de pagamento informal pela apresentação daquela noite. Cara, que noite!

– Porra, Jotabê! Corre, seu desgraçado!

O Geraldinho corria ao meu lado com aquela cara feia que só ele sabe fazer. Ao contrário de mim, ele parecia muito bravo naquele momento. Durante a balada ele tinha reclamado de tudo, brigou com todo mundo. Criou o maior caso com a Priscila no intervalo do show e eu nem entendi o motivo direito. E logo com ela que estava tão fantástica naquela noite… Cantou como nunca e dançou de um jeito que me deixou louco. Ela me enfeitiçou de um jeito que eu nem dei bola para as menininhas que ficaram me dando mole e, depois do show, fiz de tudo para tentar ficar com ela.

Quando o Geraldinho percebeu que eu estava prestando mais atenção na Priscila do que na caixa e no chimbal, começou a implicar comigo também. Ele balançava a guitarra e gritava “Presta atenção! Toca direito, porra”. Eu sei que não sou grande coisa como baterista, mas também não precisava me esculachar na frente de todo mundo, né?

Eu teria ficado chateado com o Geraldinho se ele não fosse meu camarada. Amigão mesmo. Só não entendo o porquê de tanto estresse. Tinha que ver a cara que ele fez quando percebeu que ficou sem carona na hora de voltar para casa. Quando saímos do Mexerica, colocamos os instrumentos na Parati do Barba e quase não sobrou lugar para mais ninguém. Quem se deu bem foi o Tonico, que foi apertadinho no banco de trás com a Priscila. Safado!

– Ele tá vindo, Geraldinho?

– Não to vendo ele não. Mas é melhor continuar correndo…

Para mim a noite havia sido perfeita. Para melhorar, só se eu tivesse conseguido ficar com a Priscila, mas aí seria pedir muito, né? Quem não queria catar uma gostosa como ela? Só eu e a torcida do Flamengo.

De repente, Geraldinho gritou:

– Ele tá vindo! Ele tá vindo! Corre, que ele tá vindo!

Eu não tinha mais forças para dar um passo. Meu corpo simplesmente não me obedecia mais. Corremos tanto do Mexerica até ali, mas ainda faltavam duas ou três quadras para chegar ao ponto de ônibus. E lá vinha ele dobrando a esquina. A nossa última esperança de transporte naquela madrugada – o coletivo Lapa/Penha. Se perdêssemos o ônibus, teríamos que esperar por três horas até que o dia amanhecesse ou encarar uma caminhada de 25 quilômetros zona leste adentro.

– Vem logo Jotabê… Vem, porra! Corre!

– Não consigo, véio. Não dá mais…

O ônibus parou no ponto e nós não estávamos lá. Um a um, os últimos transeuntes da madrugada iam embarcando.

– Peraê, motorista! – gritou Geraldinho.

O motorista não esperou. Geraldinho parecia não acreditar no que estava acontecendo. Tentei animá-lo…

– Não esquenta a cabeça, parceiro. Não é tão ruim assim voltar andando.

Nunca vi o Geraldinho tão derrotado. Ele esfregou as mãos no rosto e suspirou.

– Porra! Que merda de noite, hein!

– Jura que você não curtiu a noitada?

– Cara, será que você não se liga? Deu tudo errado para mim hoje.

– Pois para mim a noite foi perfeita. Cê acredita que eu quase catei a Priscila, cara?! Fala aí, ela é muito gostosa, não é não? Qualquer dia desses eu ainda dou trato nela…

Enquanto Marmota passa por dias perfeitos descansando e viajando, a série Colônia de Férias apresenta textos gentilmente preparados por seus amigos.

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