Estamos na alegre e movimentada semana do GP Brasil de Fórmula 1, onde gente do mundo inteiro desembarca em São Paulo para comer rodízio de carne, dar um alô às amigas do Oscar Maroni Filho e, no domingo, participar de uma corrida – que, pela terceira vez, será decisiva. Já que muita gente está nesse clima, essa é uma boa hora para rememorar uma das mais sensacionais histórias vindas dos bastidores.
Tudo indicava uma quarta-feira comum em uma das mais tradicionais redações esportivas da capital paulista. Mas naquela manhã de 18 de outubro de 2006, um dos mais competentes jornalistas deste país recebeu uma informação digna de manchete: Michael Schumacher, alemão que estava prestes a se despedir das pistas em Interlagos, havia passado no Cemitério do Morumby no dia anterior, para visitar o túmulo de Ayrton Senna.
A notícia era espetacular. No início da carreira, Schumacher até revelou que Senna era um de seus ídolos. Chegaram a competir juntos por três anos – o futuro heptacampeão estreou em 91, ano do tricampeonato de Senna. O confronto acabou na terceira prova de 1994 , na curva Tamburello. Aliás, muita gente passou a detestar o alemão só pelo fato dele ter continuado na pista em Ímola, ao lado de todos os pilotos, naquele 1º de maio. Um desrespeito, diziam. Ora, mas ele teria ido homenagear Senna antes de sua última prova…
Mas faltava confirmar. A informação oficial era outra: Schumacher só chegou a São Paulo às 4h30 da quarta, e foi direto para Botucatu, onde passou o dia ao lado de Felipe Massa comendo churrasco e jogando bola. Assim, ele jamais estaria num cemitério na terça. E se estivesse, a Ferrari não teria problema algum em divulgar isso… Ou será que teria? Pensando bem…
Não custava nada checar no próprio cemitério. Foram vários telefonemas, seguido pelas perguntas triviais a uma porção de funcionários. Muitos confirmaram a visita de Schumacher. Disseram que chegaram a pedir autógrafos. Nenhum tirou fotos. Enfim, ainda faltavam alguns detalhes. “Quem era o responsável pela portaria quando ele esteve aí?”, perguntou. A chamada foi transferida para Romildo, O Segurança.
Nos minutos seguintes, o jornalista ouviu um relato detalhado feito por Romildo, O Segurança. Schumacher teria aparecido discretamente, por volta das 15h30 de terça-feira, acompanhado por pelo menos 15 pessoas. “Veio uns cinco taxis com ele. Todos que deviam trabalhar com ele na Fórmula 1”. A visita teria sido muito rápida, apenas 20 minutos. “Ele chegou aqui, ficou ali olhando e depois saiu”.
Era difícil não se deixar levar pela riqueza de informações, mas essa nem era a declaração mais impactante de Romildo, O Segurança. “Ele mostra respeito. Toda vez que tem corrida, ele vem aqui. Agora deve ser o último, né?”. Toda vez que tem corrida? Minha nossa, o cara aparece todo ano no cemitério, é isso???
Aquilo não poderia ser mentira. Por isso, no começo daquela tarde, o mundo leu a matéria: “antes do último GP, Schumacher visita túmulo de Senna”. Uma bomba. Furo mundial. Em poucos minutos, os sites nacionais já reproduziam a informação – poucos, digam-se, deram crédito ao jornalista ou ao veículo responsável pela notícia. Normal, isso acontece a todo instante, em todo lugar, com qualquer um.
Antes da noite chegar, a visita de Schumi ao cemitério já tinha ido parar em respeitosos periódicos europeus. O mais impressionante: todos eles, pegos de surpresa, simplesmente “embarcaram” no boca-a-boca, sequer questionaram a informação oficial da Ferrari.
Nem todos. Flavio Gomes, tarimbado repórter de automobilismo, confirmou o “não” de todas as fontes oficiais. E quando foi conversar com Romildo, O Segurança, ouviu exatamente o que precisava para derrubar a notícia. “Olha, ver eu não vi, mas me disseram que era ele. Parece que veio!”. Maldito Romildo!
“Internet é uma ótima ferramenta, mas está formando jornalistas preguiçosos”, desabafou Gomes, em seu blog, naquela noite. Com toda razão. Para o tradicional site de esportes, que chegou à informação após consultar uma porção de fontes e publicou um texto assinado, comprando a versão de Romildo, O Segurança, era fácil chegar a um desfecho digno.
Foi o que aconteceu na quinta-feira, durante a entrevista coletiva de Michael Schumacher – aquela que ficou famosa graças ao presente dado ao alemão pelo Vesgo, do Pânico: a tartaruga Rubens. Antes, o repórter escalado para aquela cobertura fez a pergunta óbvia, e ouviu um “não fui ao cemitério”. Nova matéria: “Schumacher nega visita ao túmulo de Senna”. Perfeito.
Só não fiquei sabendo como os outros “jornalistas preguiçosos” trataram seu público. Alguns simplesmente tiraram o link do ar, como se nada tivesse acontecido. Outro conhecidíssimo site, atrelado a um famoso jornal esportivo, sequer acompanhou o burburinho provocado pela concorrência: na quinta-feira, despejou um verdadeiro samba do crioulo doido.
“De acordo com notícia divulgada no site espanhol “As”, o alemão Michael Schumacher, da Ferrari, teria visitado o túmulo do tricampeão mundial Ayrton Senna nesta quinta-feira, em São Paulo. Segundo a notícia, o heptacampeão foi acompanhado de mais 15 pessoas, mas sem a presença da imprensa… Schumacher passou o resto do dia no sítio de um cantor famoso acompanhado de seu companheiro de equipe Felipe Massa”. Reparem: errou a fonte primária, o dia da suposta visita… E ainda imaginou que, no mesmo dia (!!!), foi ao sítio!
No fim das contas, a maioria dos repórteres atribuiram a “visita” ao Robson, aquele sósia do Schumacher que sempre aparece em São Paulo (ou aparecia, enquanto o alemão corria) na semana pré-GP. Enfim, o desmentido já estava pronto quando ouço o competente jornalista, responsável pelo maior furo mundial de sua vida, chegar à minha mesa com uma reportagem do JT: diversão predileta dos pilotos em São Paulo é ir a rodízios de carne. Nela, a frase: esta foi a primeira parada de Michael Schumacher na cidade, na terça-feira “Só te lembro que a Corinna (esposa de Schumi) não costuma vir a São Paulo. E ao que eu saiba este ano foi a primeira vez que ela veio durante o GP Brasil. E mais: se ele não foi ao cemitério, ele também não esteve nesta churrascaria”.
Convenhamos: quando a lenda se torna muito mais legal que o fato, publique-se a lenda.
(Postado em 16/10/2007. Só para registrar duas coisinhas breves. 1: o Senna era melhor que o Schumacher; 2: estou curioso para ver que tipo de lição um “aposentado” com um carro não tão competitivo pode dar aos pupilos.)
Lembrei da prova de remo do dois sem feminino no Pan. Aquela que o assessor de imprensa da CBR me disse que tinha sido cancelada porque o barco dos Estados Unidos tinha desistido de participar.
Tudo certo até aí, e eu com a sensação de ter conseguido o furo da minha curta carreira de estagiário. Só que tudo desmoronou no primeiro dia do Pan, quando a prova aconteceu. Com o barco dos EUA e sem o brasileiro.
Melhor foi usar um site espanhol como referência de algo acontecido aqui, hehe…
O culpado é fácil, o segurança!
Eh Brasil!
Nem fiquei sabendo desse fuá todo…
Muito divertido… ehehehe…
Eu lembro deste dia. Foi foda, mas pelo menos o erro foi assumido, o que já mostra muita coisa.
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História deliciosa, hehehe. Mas Schumacher foi melhor que o Senna.
Que coisa maluca.Concordo que o Senna é melhor que Schumi
A FIA provavelmente não esperava receber esse presente da Ferrari: Schummacher correndo de novo. Se isso não atrair a atenção para a F1 (mesmo que momentaneamente), nada mais atrairá
Com esse texto você me fez lembrar do filme “Peixe Grande”, de Tim Burton.
As ‘e’stórias são muito mais atraentes que a verdadeira ‘h’istória, o que acaba comprometendo o senso de realidade do cidadão que as lê, ouve ou assiste.
Cada vez mais o compromisso com a verdade torna-se algo chato de se fazer. O legal é mitificar as coisas para dar um inexistente sentido mitológico à realidade, que não condiz com o que vivemos.
Quem quer fantasia que vá ver desenho, ora bolas!!
Mas o Schumacher foi mesmo no cemitério, inclusive eu fui junto! Ele me buscou aqui em casa, de Ferrari.