Antes de me ater a pergunta-título, vou responder algo que certamente você não perguntou: sim, eu fui um dos primeiros consumidores ávidos a botar os pés na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que começou hoje e vai até o dia 25. A grande vantagem é que, em uma quinta-feira, não vai ninguém. A desvantagem: por ser o primeiro dia, nenhum estande aceitava qualquer tipo de cartão, contrariando os inúmeros comerciais do gênero. “Culpa do nove-dedos, que resolveu aparecer aqui hoje”, alertou meu amigo Marcelo, encontrado ocasionalmente no pavilhão da Imigrantes.
Mesmo assim, pude conferir praticamente todos os centenas de expositores, repletos de estantes e publicações diversas brotando como erva daninha. Perdi mais tempo diante de livros da área de comunicação, em especial no imperdível mega-estande universitário. Saí da Bienal com umas cinco sacolas e alguns inúmeros volumes. Entre eles uma sugestão de Mário Prata, extraída da crônica abaixo, publicada no dia sete de abril no Estadão.
Quando faço palestras em faculdades de jornalismo, os estudantes me fazem a mesma pergunta: você acha importante o diploma para se exercer a profissão?
Não sei, porque nunca freqüentei uma faculdade e não conheço os currículos. Mas sei que tem algumas matérias que eles não ensinam lá: português, reportagem e história universal da imprensa. Se ensinam, ensinam mal.
Os alunos saem de lá sem a mínima idéia da serventia da vírgula, por exemplo. Acham que tudo se resolve com reticências… E não se fazem mais repórteres como antigamente. Aquele que ficava até um mês na rua e chegava com um furo de reportagem. Sabe o que é furo, menina? Hoje os furos são armados lá no andar de cima, entre os poderosos. Quando dizem que a Veja derrubou o Collor com a denúncia do outro Collor, o Pedro, não foi obra de nenhum repórter. Alguém procurou a Veja. Recentemente, a Época publicou o curta-metragem entre o Waldomiro e o Cascata (perdão, Cachoeira). Não foi nenhum repórter quem conseguiu aquilo. Foi alguém da oposição quem levou de bandeja. Hoje o jornalista fica oito horas dentro da redação lendo press-release. E dando uns telefonemas, mascando chicletes.
Um garotinho apresenta um assassino no rio e a imprensa engole. Um rapaz (consta que) matou seu pai e o jornalista fica sentado esperando que a polícia ache o assassino e dê uma coletiva. Ninguém sai da redação para procurar nada. O jornalismo de hoje é sedentário. Nem fumar na redação pode mais. Onde já se viu um repórter sem um cigarro na boca, deixando cair a cinza no teclado?
Outro dia duas garotas (último ano de jornalismo, em São Paulo) me entrevistaram e eu falei em linotipo. Elas perguntaram o que era aquilo. Último ano de jornalismo e não saber o que fazia um linotipista é o mesmo que um formando de medicina desconhecer as mezinhas (com z, revisão) ou um advogado se formar sem saber o que é data vênia.
Estou escrevendo tudo isto, porque acabo de ler o livro “Cem Quilos de Ouro (e outras histórias de um repórter)”, do Fernando Morais, lançado recentemente pela Companhia das Letras. Tenho a impressão que a simples leitura do livro vale por quatro anos de jornalismo universitário. O livro é uma aula de como fazer jornalismo, do que é um repórter e qual a sua função dentro de um jornal. Mais que uma aula, um curso, uma faculdade inteira.
Será que as faculdades de jornalismo já mandaram seus alunos lerem o Fernando?
Será que as faculdades pedem aos seus alunos para lerem as antigas edições da revista O Cruzeiro, que chegava a tirar 700.000 exemplares nos anos 60? Aquilo ali é outra aula de reportagem. Uma revista investigativa. Será que eles ensinam quem foi Samuel Wainer e a revolução que ele fez na imprensa brasileira? Será que eles contam que o Rubem Braga foi para a segunda guerra mundial – no front – fazer crônicas? Sim, crônicas.
Será que alguém lá nas cátedras pode explicar que quiser não é com z?
Enfim, meu queridos alunos de jornalismo, leiam o livro do Fernando Morais. Vocês vão aprender muito mais do que colocaram na sua cabeça em quatro anos. Muito, muito mais.
E, por favor, senhores professores, citem o Ferreira Gullar: a crase não foi feita para humilhar ninguém…
E, para terminar, o que é mesmo um linotipo? E o que é mesmo um repórter?
Para concluir, algumas observações:
– Não comprei nenhum livro do Mário Prata…
– Sei que, desde o advento da tecnologia digital, não se usa mais linotipos – em alguns lugares, nem repórter.
– Analisando sem pensar muito, devo ter saído da Bienal com uma dezena de faculdades na sacola. Tem jornalismo, mas também tem “ciências ocultas” e “administração do ócio”.
– Para os aficcionados, é um programa altamente recomendado. Mas se puder, evite os finais de semana.
Não encontrou minha namorada por lá?
Rapaz, mês passado comprei uma bíblia de marketing e ainda não consegui passar os olhos pelas suas páginas. Simplesmente, não dá tempo! Me dê uma dica aí de como conseguir a façanha da leitura, sendo que perco 2 horas diárias no trânsito, 9 ou 10 no trabalho e umas 6 ou 7 dormindo.
E é uma ótima sugestão essa do Mario Prata. Acho que, mesmo não sendo jornalista, vou comprar os cem kilos de ouro.
Fala André!
Quando vai postar as fotos do evento?
Com os “40 anos da ditadura no Brasil” eu andei conversando com vários amigos e colegas e descobri, perplexa, que vários deles, estudantes de jornalismo, não tem a menor idéia de quem era Vladmir Herzog. O jornalismo, como tudo mais no país, está uma merda. Uma pena, porque o jornalismo já foi muito importante no país.
Olá André. Tb passei pela Bienal na quinta na parte da tarde. E por incrível que pareça, saí de lá com as mãos abanando. Entre a tentação de comprar um livro de mitologia e pensar que ainda estou desempregada, fica difícil ser emocional.
No meu caso é não tenho como não ficar deslumbrada diante de tantos livros. Eu era visitante assídua desde 86, mas desde a mudança do Ibirapuera não fui mais.
Mas confesso que tb fiquei espantada com a quantidade de crianças e de equipes de reportagem por lá…
Oras! Vladimir Herzog é nome do CA da Cásper Líbero! (essa foi fácil, hein?). Mas o fato é que, infelizmente, o Mário Prata tem razão, principalmente sobre a cultura dos releases… e eu quero ver hoje qual chefia deixa um repórter ficar um mês apurando! Não dá pra ficar nem mais de sete horas…
André, tudo beleza?
muito bom seu post de hoje… um deleite. Pena, como já foi dito, que os editores hoje não permitam nem deem meios para que vc passe mais de uma tarde investigando um fato: derruba logo a tua matéria. Mas como eu sou mesmo irriquieta, como sou conhecida por estas paragens, acabo investigando um pouquinho cada dia do que eu quero, depois chego com a historia pronta. Pena que estou tão longe, senão visitaria a bienal! Por aqui, em Maceió, isso não existe e muitos livros preciso comprar pela internet ou encomendar nas livrarias. Minha ultima aquisição foi o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, do André Comte Sponville, acho q vc ia adorar! É da Martins Fontes.
beijos e saudades
Cuca
O PIOR É QUE OS EVENTOS , FEIRAS E ACONTECIMENTOS SÓ FICAM EM SAMPA….EU QUERO IR NA BIENAL, ADORO LER ESCREVER E TUDO O MAIS!!!!!!!!!!
MUITOS TABLETINHOS DE AÇÚCAR , ESTAMOS PRECISANDO!!!!
CRIS-RJ
Poxa, embora toda Bienal seja lotada e quase impossível de se entrar em todos os estandes e folhear o máximo de obras, confesso que me bateu até uma certa tristeza em ver os corredores livres para eu colocar até uma kart e sair disputando corrida, de tão vazio que encontrei o lugar. Embora eu goste muito do companheiro Nove Dedos, acho que além dos discursos exaltando a impotância da literatura, seria bom um puxão de orelha nas editoras, que colocam preços absurdos nas obras, cometendo sem dúvidas um crime cultural num país tão necessitado de “alimento para a alma e a cabeça”. E q o livro deixe de ser algo supérfluo para o cidadão q tem q pensar em milhares de coisas como prioridades (comida, moradia, escola…). Nossa, exagerei no comment….
Discussão eterna sobre diploma no jornalismo, né? Ai, ai. Te vejo hj na TRash? Diga q sim!!! Qqer coisa, me liga, o Lello tem meu celular