Meu currículo de mídia social

Li há algum tempo, no twitter de alguém, algo como “no gibi da Turma da Mônica Jovem, o Chico Bento vai para a cidade grande e se torna analista de mídias sociais”. Talvez piadinhas como esta explique a reação da Gabi Bianco esta semana, diante de uma dúvida genuinamente sincera que tive ao encontrar uma oportunidade de emprego nessa área.

A vaga denota uma demanda irreversível. O mercado de trabalho está aquecido diante do interesse das empresas em estar onde as pessoas passam boa parte do tempo: diante do computador ou ao celular, trocando mensagens com sua rede de contatos. Mas parece que nem todos enxergam este novo negócio com bons olhos. “Algumas pessoas gostam de tirar sarro da minha profissão e isso é horrível. Como se o que fazemos fosse digno de chacota”, desabafou a Gabi.

Mas enfim. A pergunta que fiz diz respeito a um requisito da vaga: “mandem CVs de midia social”. A dúvida foi puramente semântica: eu posso interpretar o pedido de duas formas, desde o envio por e-mail de um documento tradicional ou minhas intervenções em blogs, redes sociais, ferramentas colaborativas, enfim. Como meu Twibble em meu celular defasado não permite explicações maiores, fui simplista: “é um link pro meu perfil do Orkut ou um doc relatando minha experiência?”.

O retorno que recebi foi: “se você acha que midia social é só Orkut, não precisa mandar o CV”.

Enfim, eu realmente não tenho interesse na vaga (que, a essa altura, já foi preenchida) e não estava fazendo gracinha. Tanto que, mesmo esclarecido o mal entendido e valorizando este novo modelo de negócio, poderia interpretar perfeitamente o tal “currículo de mídia social” assim:

Oi. Meu nome é André, e este é meu currículo de mídia social. Bom, antes de estranhar o formato, é importante ressaltar que a expressão "curriculum vitae", originalmente em latim, quer dizer "trajetória de vida". Aliás, a amplitude de interpretações possíveis para "trajetória de vida" se aplica aos termos "mídia" e "social". De uns tempos pra cá, qualquer meio de comunicação de massa virou "mídia" - inclusive a web, que até cai bem para as massas, mas funciona melhor em nichos. Já "social" é praticamente qualquer coisa que o homem pode fazer, como naquela velha expressão do Governo Sarney: "tudo pelo social". Então juntamos as duas expressões e, a grosso modo, falamos em ferramentas de comunicação utilizadas por pessoas. O que nos deixa algumas dúvidas: eu mantive um fanzine com os amigos no colégio; é mídia social? Eu montei um quadro de cortiça no meu primeiro emprego, permitindo qualquer funcionário postar mensagens para o acesso de todos; é mídia social? Eu contratei várias vezes uma agência de telemensagem para disparar uma gravação bonitinha feita em casa pra muitas pretendentes; é mídia social? Enfim, tenho a impressão que algum gaiato usou as duas palavras para aproveitar uma oportunidade e definir essa característica exclusivamente em redes como a Internet, que subverte o conceito tradicional de mídia ao permitir a participação de todos e proporcionar um comportamento emergente - ao invés da comunicação de massa. Se não tiver expressão melhor, posso dizer que já convidei amigos para abrir um site vagabundo no GeoCities, onde o fluxo de idéias circulava a ponto da coisa evoluir para um domínio próprio (que infelizmente não existe mais). Nesse serviço próprio, subvertemos um sistema arcaico de gerenciamento de sites para bolar um publicador de artigos. Já experimentei blog num sistema gratuito que, ao consider qualquer Zé Ruela um autor batuta, listava dez endereços notáveis por semana, fazendo-os sentir um gostinho artificial de "mídia de massa" e acirrando as primeiras briguinhas por mérito e relevância nessa gigantesca feira livre. Já transportei o conteúdo desse espaço algumas vezes, entre sistemas e databases diversos, mas nunca acreditei na força da tecnologia isoladamente, e sim na das pessoas que cercavam tanto conteúdo. Com isso na cabeça, já experimentei outras formas de estimular essa troca de informações a partir de perfis criados nas mais diversas redes sociais e comunidades. Com tantas interfaces possíveis, cheguei a conclusão de que não há concorrência entre mídia tradicional, mídia social, mídia eletrônica ou qualquer dessas: a relação entre as idéias que pretendo compartilhar é com o tempo de cada indivíduo, representado por arestas conectadas nas minhas redes e nas dos outros. Afinal, enquanto você dedica alguma importância a qualquer informação transmitida a você (como este meu breve currículo), dezenas de links se perdem em sua conta no Twitter, em suas leituras no agregador de feeds, entre ouras fontes. Diante disso, assumo minha ignorância: sem controle do tempo, não consigo conversar como gostaria, aperfeiçoando técnicas para canalizar minha mensagem e fortalecer meus contatos. Quem conseguiu isso já se considera "evangelista", como proliferam aos montes. Evangelizar é uma profissão de fé, quase uma religião. Logo, definiria meu currículo de mídia social em uma palavra: agnóstico.

Mmmhhh… Tenho a impressão que, com um currículo desses, é melhor ir vender churros no Ibirapuera.

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Comentários em blogs: ainda existem? (14)

  1. O seu CV de mídia social é um dos melhores que “recebi”. E a vaga não foi preenchida ainda.

    E se um insulto meu gerar posts como esse, é só falar que posso te insultar diariamente se for o caso.

    Desculpa de novo.

  2. Vaga em “mídia social”, é? Eu, hein! Às vezes, tenho saudade de uma época que não vivi, sabia? Me parece que antigamente tudo era mais simples e objetivo, inclusive as profissões.

    Twitter, Orkut, Facebook, para mim isso tudo faz a gente só perder um tempo que poderia ser aproveitado lendo um livro ou saindo com os amigos. Só gosto de blog e e-mail mesmo! 🙂

  3. Ia falar que, com esse currículo, até eu que não sou empregadora em nenhuma “mídia social” te daria emprego. Mas nem precisa, né? A Gabi já atestou publicamente que é um belo currículo.

  4. Eu já falei que admiro essa tua capacidade pacificadora (apaziguadora) de transformar quem te ofende num primeiro momento em um admirador (às vezes até amigo!) num segundo momento.
    Como você sabe, não sou assim e minhas reações são bem diferentes das suas. É por isso que eu sei e sempre digo que você é o melhor de nós. E fico feliz de, apesar de não ser tão boa quanto você, pelo menos ter tido a (ótima) sacada de ter “escolhido” você… Você é meu herói! (clichê! hahahahahaha)
    Beijo. :*

  5. E eu sei quem é o Zé Ruela dos dez links por semana, hehehe! Não acredito que isso virou post! XD

    Mas eu acho que vc tá se especializando em mídia anti-social. Seria um novo filão que se inicia?

    Abraço!

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