Iuthú é pra jacu: a missão

Tudo bem, eu admito: tinha ficado muito decepcionado com toda aquela confusão para se conseguir um ingresso do U2. Decepção que certamente é a mesma de muitos fãs que sequer tiveram a chance de pensar em comprar um.

Mas em uma dessas viradas curiosas da vida, arranjei um par deles aos 47 minutos do segundo tempo. Acesso à pista, portão dois. E é como publicou a Folha no final de semana: ter ingressos após tanta movimentação exagerada transformou o show em programa obrigatório, mesmo se fosse o do Carlinhos Brown. Então fomos. Eu e a maior fã da banda que conheço – a mesma pessoa que me disse no fim, cansada mas feliz, que foi o show da vida dela. Pronto, valeu o esforço.

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A única forma de ir de carro ao Morumbi em dia de megashow e fugir dos problemas é encostar o possante bem longe dos arredores e caminhar. Eram quase 19h30 quando deixei o Marmoturbo a uma quadra do Pão de Açúcar, numa rua residencial sossegada próxima à Francisco Morato. A patota das vantagens só apareceram na Jorge João Saad. Cerveja, coca, água, camiseta, boné, bandana, DVD pirata da banda, mouse pad (?)…

Ainda tinha cururu atrás de bilhetes: “tem ingresso sobrando eu compro!”, diziam. Já em frente ao estádio, os palhaços entravam em ação: um vendia o ingresso a R$ 500, outro a R$ 550. “Não acredito que esses caras tenham sucesso”, questionei. Pois vejam: cerca de 20 mil pessoas ficaram para fora do Morumbi durante o show. E horas depois, já na pista, ouço uma loira gordinha de olhos verdes ao celular: “consegui entrar, mas paguei R$ 600”. Ah, francamente.

Antes disso, era preciso entrar: a equipe de apoio era ágil. Três baterias checavam ingressos, e policiais militares faziam “aquela revista caprichada” (droga, podia ter entrado com cinco ou doze máquinas fotográficas sem qualquer problema). Todos diziam “bom show” com educação, até chegar a vez do educado segurança bronco.

– Aí, libera a rampa aí, faz favor…
– Um momentinho, filhão. Estou esperando a moça ali (tranquilamente).
– Filhão? Filhão??? Aí, sai logo da rampa, ô (bufante).
– Lindão, são alguns segundos no máximo. Não vou te atrapalhar, prometo (candidamente).
– (grunhidos selvagens)
– Pronto, calminha, cheguei. Vamos?

Apesar de tudo, estávamos dentro.

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Quando Franz Ferdinand começou a tocar, fizemos uma experiência: entramos pista adentro e andamos até onde a multidão permitia. O resultado ficou dentro das expectativas: não fomos longe, ficamos apertados e enxergávamos menos ainda. Os escoceses já estavam no “Do You Want To?” (a única que eu conhecia) enquanto mudávamos de localização: migramos para um pedaço mais sossegado, à direita do palco, fora da área do gramado.

Nessa altura, o DataMarmota já trazia dados atualizados. Cururus pedindo isqueiro para acender cigarro: três. Cururu pedindo cigarro: um (e eu nem fumo). Louca perdida pedindo celular para ligar à cobrar: uma. Preço do copo de refrigerante semi-quente: quatro reais. Copo de água mineral semi-gelada: três. Hot dog que tinha até salsicha: seis. “Quer pagar menos? Vai lá fora”, ralhou um dos educados vendedores.

Pouco depois das 21h30, os refletores do Morumbi se apagaram. A trilha sonora ambiente dava lugar aos primeiros acordes de City of Blinding Lights, música do novo disco que vem abrindo os shows da turnê. Os músicos entram no palco, e Bono exibe uma jaqueta com a bandeira brasileira nas costas. De arrepiar. Na sequência, o hit Vertigo serviu para esquentar ainda mais os 70 mil espectadores e mostrar a eficiência dos telões, divididos em quatro e mostrando Bono, The Edge, Adam e Larry. Continuava de arrepiar.

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Os fãs estavam afiados. Só Bono, Adam e as vozes da platéia começaram a terceira música, Elevation. A seguinte eu não lembrava: Until The End Of The World. Foi a primeira vez que uma estranha grua atrapalhou a imagem do show nos telões – especialmente a de Bono, que ganhou de presente uma camiseta com os dizeres “Bono for President”. O mimo gerou uma situação política curiosa: Bono inventou de agradecer, em ingês, a receptividade da família do presidente e seu novo amigo, Gilberto Gil. Uma salva de vaias para o líder ativista.

Para recuperar seu presígio perdido momentaneamente, emendou em português: “Ontem tocamos ao vivo para todo o Brasil. Hoje é nossa festinha particular”. Delírio da massa, que vibrou com New Year´s Day e I Still Haven’t Found What I’m Looking For. Em Beautiful Day, Bono substituiu alguns versos por estados brasileiros – a manifestação da massa já estava incontrolável, enquanto o telão de dez mil luzes mandou um contraste vermelho e amarelo.

Hora de esfriar um pouco. Bono e The Edge fizeram uma serenata com The First Time, e enquanto o guitarrista seguia tocando, Bono puxou uma mocinha para cima. Seu nome, Desiré, confundiu Bono: assim que ele sorriu, balbuciando alguma coisa sobre “desejo”, a mocinha o corrigiu. “Ah, your name is desire… Hmmmm…”, estranhou, antes de emendar com Desire.

De volta ao novo CD, Sometimes You Can’t Make it On Your Own. “Para o meu pai”, dedicou Bono, em português, lembrando do pai, que morreu de câncer enquanto a banda gravava o último disco. Da faixa 3 para a 4 do CD, com Love And Peace or Else, com Bono atacando de baterista. Em seguida, as inconfundíveis batidas de Larry em Sunday Bloody Sunday – coisa que senti falta em 98, quando a banda fez uma versão acústica desse grande sucesso.

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Foi quando o telão recebeu a palavra “coexista”, com símbolos religiosos. O show começava a transmitir sua mensagem de paz e prosperidade. Em Bullet The Blue Sky, Bono vendou os olhos com uma bandana branca com a palavra “coexista”, caminhou cautelosamente até o microfone e acendeu um sinalizador dentro de uma bandeja. Confesso que essa mensagem eu não entendi.

O tom vermelho deu lugar, novamente, a tons de cinza com Miss Sarajevo. Bono fazia as vezes de Pavarotti enquanto a platéia transformava o Morumbi num céu estrelado com as luzes de seus celulares – sinal dos tempos, apesar de uns três ou nove cururus ainda usarem isqueiros. Também haviam flashes de máquinas fotográficas (droga, de novo).

Vieram as três últimas antes do bis, a começar por Pride (que todo mundo conhece como In tne Name of Love). Antes de Where the Streets Have No Name, o megatelão exibiu bandeiras de todos os países latino-americanos. Bono citou um por um, recebendo nova salva de vaias ao falar “Argentina”.

Em um novo momento “vamos mudar o mundo”, Bono apresentou sua campanha contra a miséria no mundo, fez um discurso em inglês (traduzido nos telões). Dizia que a Irlanda é um país pequeno em relação ao Brasil, mas que estavam ali encorajando o povo a formar um novo Brasil, sem pobreza. Era a vez de One, que emocionou o público.

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Foi a primeira vez que o público mostrou que estava, definitivamente, enfeitiçado: todos, em uníssono, cantavam o “ô ô ô ô ô” do hit Vertigo, convocando-os de volta ao palco. E eles voltaram para tocar Zoo Station, com Bono trajando um quepe bem bacana. Na canção seguinte, The Fly, a melhor performance do supertelão: expressões e lacunas coloridas em inglês, espanhol e português – entre as mensagens desconexas, lia-se “letters become words become sentences become lies”.

Ao meu lado, um cururu tirava fotos incessantemente, virando motivo de chacota para os amigos. “Ei ei, já tirou foto do helicóptero?”, diziam. Aliás, graças a popularização do movimento digital (onde celulares batem fotos e envia e-mails), praticamente todos os espectadores eram produtores de conteúdo online em potencial.

Veio Mysterious Ways e uma nova mocinha subiu no palco, ficando por ali alguns minutos. Nem de longe essa moça e a Desiré superaram a incrível história da Katilce, que deixou o marido sozinho em Volta Redonda, deu um beijo no Bono e virou celebridade no Orkut. Novo exemplo de como qualquer um de nós pode interferir em nossa agenda de debates.

Todos imaginavam que o bis se encerraria com a balada With or Without You, quando Bono pulou o palco e foi se abraçar com alguns poucos sortudos que estavam perto. Veio uma pausa longa, mais “ô ô ô ô ô” e lá estavam eles de volta. Tocaram Yahweh, a última faixa do novo CD, e encerraram a noite definitivamente com All I Want Is You, para alegria definitiva da massa. Dessa vez, o “ô ô ô ô ô” não surtiu mais efeito: pouco antes da meia noite, as luzes do palco apagaram, os refletores do Morumbi acenderam e a trilha sonora ambiente estava de volta.

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Um show desse tamanho é a típica situação onde dificilmente é possível marcar qualquer encontro – dois amigos, a Cynthia e o Sakate, também estavam na pista, mas obviamente, não nos esbarramos. Ainda assim, encontros ocasionais e surpreendentes acontecem. Durante o show do Franz Ferdinand, encontramos o Fúlvio, graças a alguns telefonemas. Enquanto ouvia Miss Sarajevo, olhei para trás e dei de cara com a Sandra, que não via desde os tempos da Federal. E a Patrícia Köhler, que trajava uma blusinha azul claro e levava um casaquinho multicolorido na cintura, passou na minha frente e sequer me cumprimentou. Que desfeita.

Aliás, aqui cabe um adendo: meus poucos amigos e conhecidos que um dia já me disseram “nossa, se um dia eu encontrar aquela pessoa na minha frente, vou me descontrolar”, tiveram uma chance de ouro de consumar o fato nessa terça-feira… Todos, sem exceção, estavam por perto.

Mas enfim. O pior momento de qualquer evento com milhares de pessoas é a saída. Afinal, os 70 mil chegaram em horários diversos, mas saíram todos ao mesmo tempo. Nesse aspecto, nada de novo: um mar de gente e carros entupindo a Jorge João Saad e seus arredores, navegando em meio a camelôs espertos e policiais militares ou mesmo à paisana infiltrados, na tentativa de inibir os mal-intencionados.

Os mais espertos, no entanto, eram os taxistas, que se aproveitavam do frágil sistema de ônibus e bolsões montado para o evento. No caminho até o Marmoturbo pela Francisco Morato, na subida entre o Shopping Butantã e o Pão de Açúcar, dezenas de motoristas faziam fila, esperando os incautos. Alguns faziam questão de escolher passageiros: só São Bernardo ou Santo André. Uma corrida até a Praça da República custava R$ 100. Cansados e com as pernas completamente esmagadas, chegamos ao Marmoturbo junto com uma garoa fina, que escolheu a melhor hora para chegar.

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Pelo que vi, foram poucas as mudanças em relação ao show de segunda quando tocaram Stuck In a Moment You Can’t Get Out Of, e no bis, All Because of You, Original of the Species e 40, a última. As diferenças mais gritantes, no entanto, remetem aos meus poucos flashes do show de 98, quando também estive no segundo dia, o sábado, mas na arquibancada laranja. A começar pelo show de abertura, que era de Gabriel O Pensador. Só isso, além do acústico de Sunday Bloody Sunday, seriam suficientes para dizer que o espetáculo dessa terça foi infinitamente superior.

Mas mesmo quem não foi em 98 deve ter saído do Morumbi com a impressão de ter visto o melhor show de suas vidas. E cantarolando “oh, you look so beeeautifuuull… toniight!!!”.

E como pensei que não entraria com máquina, as fotos são do Reinaldo Marques, do Terra. Menos a última, que é da Folha Imagem. Droga.

Comentários em blogs: ainda existem? (15)

  1. Gostei do seu blog…Não consegui parar de ler o post sobre o show, e olha q é enorme hein.rs
    Fiquei com inveja, eu que nao sou fã tive vontade de ir, deixa pra proxima(ou não)rs
    Bjão

  2. Marmota!!! Cara, como assim passei por você e não te cumprimentei??? Devia ter me dado uma rasteira, sei lá!! Sou mais míope que o Mr. Magoo.
    Puxa, não creio que estávamos tão perto… 🙁
    Mas tudo bem, o que importa é que o show valeu muito!! 🙂
    E seu relato, aliás, está sensacional!
    Um beijo, cabeçudo!

  3. Esse show foi seeeeeeeeeeeeeensacional! Graças a, digamos, bons contatos interpessoais, consegui entrar na tal “hot area” uma hora antes do show. Deu pra perceber, por exemplo, que o Bono é meio careca!!!! Inesquecível, mas caro demais. Beijos.

  4. Realmente, a estória da Katilce e da Desire nem se comparam a da “moça” que dançou três músicas com Bono e cia. no segundo show, pois ela, assim como eu, estávamos na mesma excursão viemos de Belém do Pará (2 dias e 1/2 de ônibus)e apesar de todas as barreiras, conseguimos ficar na Hot Area e ela dançou com o Bono. Até nisso, nós do norte somos discriminados. Ela dançou três músicas, além de ter feito um solo imaginário com The Edge, fez reverências a Larry e Adam e ainda assim, ninguém reconhece!
    Ah propósito, o nome dela é Carla Gesta e virou uma celebridade aqui no Pará. Melhor do que ter participado no Big Brother.

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