Internet, Pan e os donos dos direitos

Esporte EsportivoLembram quando o termo “esporte” estava ligado apenas a recreação, atividade física, campeonatos individuais ou entre clubes, eventos onde o “importante é competir” pregando a paz e a harmonia entre os povos? Pois eu não lembro desse tempo. Provavelmente já tinha nascido quando coisas como “indústria”, “espetáculo” e afins diminuiram todos os significados sociais e humanos da palavrinha.

Antes da explosão e popularização da Internet, os homens de negócio do esporte trataram de estabelecer um lucrativo modelo de negócio para grandes competições: a venda dos direitos de imagem e transmissão. Patrocinadores pagam milhões para associarem suas marcas a eventos e atletas, e organizadores recebem milhões de emissoras para garantir exclusividade na exploração de todas as emoções que serão consumidas pelos espectadores. E todo mundo fatura.

Até pouco tempo, quem financiava essa festa dos direitos de transmissão, especialmente em torneios de futebol, era apenas a TV. De uns tempos para cá, até mesmo emissoras de rádio – que já desembolsam fortunas para marcar presença em Copa do Mundo, Fórmula 1 e afins – sentem que logo farão o mesmo para eventos transmitidos de graça. Imagine quantas emissoras do interior, que sempre aparecem nas decisões dos grandes centros, ficariam de fora simplesmente por uma imposição econômica.

E aqui, faço um adendo: na Europa, não existem repórteres atrás do gol e na beira do campo, como temos no Brasil. Imaginem se todos os veículos que pagaram os direitos de transmissão numa Copa, por exemplo, decidissem colocar jornalistas ao redor do gramado… Não é a toa que a mídia esquenta a cabeça para reinventar as transmissões esportivas.

Mas enfim. Quem investe sua marca ou compra os direitos, especialmente para eventos de grande porte, buscam seus retorno legítimo. Só que isso bate de frente com o interesse público, que deveria ter livre acesso à informação que lhe interessa. E a vocação democrática da Internet é vista como uma ameaça à contabilidade dos patrocinadores, que compraram exclusividade e querem levá-la.

É por essa razão que decisões absurdas e sem fundamento, restringindo a presença da Internet na cobertura de grandes eventos, existem desde os Jogos de Sydney, quando a rede ainda engatinhava em termos de popularidade. E quando se imaginava que todos poderiam entender o crescimento dessa nova mídia, o Comitê Organizador do Pan reza pela mesma cartilha. Nenhum veículo poderá transmitir os jogos do Rio ao vivo pela Internet. Nenhum áudio ou vídeo com imagens e entrevistas pode ser divulgado seis horas após a competição. Além disso, os atletas que vão participar do evento não poderão atualizar qualquer tipo de site durante o Pan.

Na resposta do COB, além da confirmação de que “estamos rezando pela mesma cartilha dos grandes eventos vendidos pelos mesmos moldes”, eles tentam reconhecer a importância da Internet, garantindo a disponibilização de conteúdo gratuito e o credenciamento para sites – que estão livres para produzir textos e fotos. Claro que isso não ameniza as críticas dos jornalistas, que há tempos já cuidaram da logística para encarar uma cobertura desse tamanho, independente da mídia – quem fica na Barra, quem fica em Copacabana, quem vai atrás das matérias de caráter social, como vai ser o deslocamento na cidade, quais eventos terão prioridade… Da mesma forma, esse barulho também não vai diminuir a razão de quem pagou pela exclusividade por tudo isso.

Alheio a esse conflito de interesses, os internautas já sabem perfeitamente que não tem como controlar, limitar ou bloquear a maré da rede. Basta um espectador comprar seu ingresso e entrar no jogo com o celular, enquanto outro ligar o sinal de TV a cabo na placa de captura, ao mesmo tempo em que outras centenas de pessoas mandem tudo isso para o YouTube. Já passou da hora dos homens dos direitos, das distribuidoras, das gravadoras ou de qualquer empresa que lida com informação repensarem seus modelos de negócio.

Atualizado: O José Murilo avisa: “citei este seu post no artigo que publiquei sobre o assunto lá no Global Voices. Agradeço o bom trabalho no blog. Saudações”. Quem tem que agradecer sou eu, José!

(Postado em 25/01/2007)

Comentários em blogs: ainda existem? (10)

  1. Essa mentalidade não vai mudar enquanto os organizadores não sentirem no bolso. Não adianta todo mundo ficar revoltado se o dinheiro continua entrando. Eles vão continuar desplugados do que acontece no mundo em volta e vão continuar não tendo noção do que é a internet. Esse tipo de coisa não se barra por decisão. Tem muita gente divulgando noticias e eventos. o que eles vão fazer? tirar o youtub do ar? bem, por aqui já fizeram isso uma vez.

  2. Decisão, no mínimo, arbitrária e ineficaz. Os grandes veículos respeitarão a proibição, mas estou certo de que as pessoas comuns irão postar em seus blogs pessoais.

    Na Copa, a FIFA começou restringindo o acesso dos sites, mas acabou por amenizar um pouco. Parece que no Pan seguiremos o mesmo caminho.

    Quem se deu mal foi a Oi, que já anunciava em seu portal os blogs dos atletas, patrocinados pela empresa. Esse provedor, Oi, que patrocina o evento, deveria ser o primeiro a pedir a revisão das restrições.

  3. Nem gosto de lembrar de Pan Rio 2007 por causa da maracutaia da arte ligada ao evento: uma “concorrência” e três “concursos” em que uma única firma venceu, Dupla Design, com o Malvadinho (Dahmer) bonzinho. Ambos são ovais, ou elípticos, ambos têm o mesmo número de raios. Até hoje não me conformei e dou força para qualquer maneira de bloquear essa exclusividade canhestra que o COB patrocina.

  4. Estou para ver coisas assim no Pan: Estamos cobrindo futebol e o juiz marca penalti. Todos os ângulos das tvs apontam que houve o penal, mas quem vai roubar a cena é um blogueiro, que estava na arquibancada atrás do gol, e filmou tudo com o celular. É o único que tem o lance crucial.

    Você nem deve saber, cara. Antes que eu fizesse o meu pedido de credenciamento, pedi alguns esclarecimentos e o pessoal do COB me explicou que não poderei ter equipamento fotográfico, o que já é outro atraso em tempos de jornalista multimidia. Minha credencial deverá ser de repórter e ponto final.

    Quero ver se ao menos não serei barrado com uma máquina pequena, mas o celular resolve meus problemas.

    abração

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