Dias atrás estava tomando um café em algum canto da cidade. Sozinho, ora sorumbático, ora pensativo. Na mesa ao lado, duas moças conversavam amenidades, até que um casal de amigos delas aparece. Deviam ter no máximo 25 anos, estavam na flor da idade. “Gente, esse é o Eugênio, meu namorado”, anunciou a recém chegada, apresentando um rapaz alto e sorridente. Mas era um sorriso esquisito, meio fake… Ao menos de onde estava, o sujeito não inspirava confiança. Mas enfim, além de ser um péssimo observador, aquilo não me dizia respeito.
Em poucos minutos, senti que o tal Eugênio não estava ali apenas para acompanhar a namorada e conhecer duas amigas. Ele queria mesmo era demonstrar seu dom de oratória para todos os fregueses. Até a garçonete desatenta deve ter ouvido o tal sorridente falar em “psicanálise e filosofia”. “Não, porque os aspectos filosóficos da psicanálise…”. “Nós precisamos estabelecer relações coerentes entre psicanálise e filosofia…”. Quase caí da cadeira quando uma das moças perguntou o que ele fazia da vida. “Ah, eu estudo Direito. Freud, Lacan e Winnicott são meus passatempos”. Mmmhhh, metido!
Não demorou para que Eugênio subisse definitivamente no pedestal. Passou a alternar citações de grandes pensadores com exemplos edificantes de como é capaz de impor sua personalidade para solucionar problemas diários, usando frases como “então eu exigi que Fulano fizesse o que pedi, afinal eu sou o representante do não sei o quê… Ele deu uma sugestão infeliz, tinha certeza de que não daria certo. Então Fulano mandou eu decidir sozinho. É um inútil, escolhendo sempre a decisão mais fácil”. Mmmhhh, nojento!
No meio da conversa, uma das moças (nitidamente a mais entediada) citou o programa “Malhação” como um exemplo de merchandising social, ao abordar temas relevantes para os jovens… Não existe adjetivo capaz de descrever a expressão enojada de Eugênio. Queria engolir a pobre mocinha. “Calma, eu nao assisto Malhação, eu li isso em alguma reportagem…”, tentou consertar. Naquela altura já estava com pena das duas meninas, mas não imaginava que o discurso de Eugênio pudesse piorar.
Como sou bobo. A conversa mudou para literatura. Percebi uma das moças elogiando a exposição Clarice Lispector – a hora da estrela, no Museu da Língua Portuguesa. Antes que a mesa ratificasse aquele discurso, a moça entediada criticou, com sinceridade. “Não acho tão imperdível assim, não gosto muito de Clarice”. Em qualquer roda de amigos de verdade, esse tipo de declaração poderia até ser rebatida, mas com respeito.
Coisa que não se pode exigir do sábio Eugênio. Só faltou ele levantar da cadeira, indignado. “Mas como assim? E o que você faz enquanto anda de ônibus ou está em casa? Você lê?”. Tive que conter o riso, para que ninguém percebesse. “Claro que eu leio. Adoro Jorge Amado, Erico Veríssimo… Vinícius, Bandeira, Quintana…”. Eugênio fez uma repugnante cara de conteúdo e emendou. “É, esse poetinha escrevia coisas simples, enquanto ela tratava de temas mais complexos… Aí vai do gosto e alcance de cada um. Realmente é mais facil gostar de Quintana do que de Clarice… Clarice é para os fortes”. Mmmhhh, babaca!
Quando eu pensei que já tinha oouvido tudo… Pouco antes de ir embora, Eugênio recitou mais uma brilhante citação, e acabou perguntando para a menina entediada: “vem cá, é iminente, com i, ou eminente, com e? Ah, obrigado”. Aliviada, a moça bombardeada pela falácia daquele idiota desabafou. “Nossa, mas que mala, hein?”. Com naturalidade, a outra respondeu. “Você vai se acostumar com o Eugênio. E ainda bem que você acertou essa última. Ele sempre sabe qual a palavra certa, mas adora fazer isso para testar as pessoas”.
Dizem que a perfeição só é possível após muitos erros. Isso quer dizer que amanhã ou depois eu serei perfeito. Eu cometo erros todos os dias. Talvez por ser assim, costumo entender quando alguém comete um deslize. Já pessoas como Eugênio, que não falham nunca, são incompreensíveis. Sei que não devia, mas isso me fez pensar. “Como é que esse idiota consegue ter amigos… E uma namorada?” Sei lá, de repente o idiota era o outro, que estava tomando café sozinho.
Refaço a sua pergunta. E complemento: “e eu, uma pedra!”
Abs
Talvez a namorada do Eugênio seja tão mala quanto ele… Aí, antes só do que mal acompanhado…
Ah, e Malhação é sim o programa nacional que mais faz merchandising social… Já abordaram de tudo: drogas, AIDS, gravidez precoce, paralisia, câncer… Fazem campanhas preventivas… E além dos adolescentes o público da Malhação é formado por avós – e eles de vez em quando formam pares da terceira idade na novelinha…
Não, eu não assisto à Malhação, mas já li uma reportagem sobre, e acho louvável… Se me chamassem pra escrever lá, eu toparia… E colocaria todo mundo pra organizar um grande sarau no colégio lá que eles estudam… E seria uma profusão de Quintana, Bandeira, Vinicius… Porque eles são simples, sem ser simplórios. 😉
auhauha
vai ver, era excesso de testosterona no cérebro, ou então o sangue deixou de fluir por lá e foi para outras partes do corpo…
abraço
Gente, que cara chaaaaaaaato.
Cê não é o idiota não. Cê é um menino legal e engraçado.
No fundo-no fundo, dá uma certa pena do tal Eugênio, vai… Credo!
Uma vez estudei com um cara assim… um nojo!
Adorei o nome escolhido: Eugênio! Mas, no caso aí do rapaz do texto, ele deveria se chamar Eumala, Eucoió ou, ainda, Eutanásia (eu, como chata de plantão, acho que uma pessoa assim poderia se matar e deixar os outros em paz … :p)
Ah, caras chatos assim podem até namorar outras meninas chatas… e fazer um monte de baby chatinho (ai, que hoje estou impossível e intolerante ao extremo, que vergonha)… mas pessoas legais têm reservadas pra elas outras pessoas legais também. 🙂
Pedantismo sucks!
Os que mais sabem são os que menos demonstram ou os que demonstram naturalmente, de tanto que aquele saber já faz parte da personalidade. No fundo, esse cara é um inseguro que precisa se auto-afirmar o tempo todo. E mais inseguras são as pessoas que dão trela para o papo dele. De mim ele já teria levado um chacoalhão ou teria ficado falando sozinho. E você, querido André, passa longe de ser um idiota. Você é adorável. Bjos
Bem, se a namorada do Eugentalha não for mala como ele, só há uma explicação pra ela acompanhá-lo: o cara deve saber onde é o ponto G dela, mas na letra equivalente do alfabeto grego, é claro… 😛
Às vezes a idade é confundida com pedantismo. Confesso que ando jururu. Parece que tudo desandou de um tempo pra cá; o bonde fora dos trilhos mas êpa! não há bondes.
Cara, eu as vezes encontros uns 3 “Eu-genio” por dia…
aja saco..
mas, como não tenho compustura e abuso da idade as vezes, já vou mandando ficar calado que não suporto gente babaca…pedantes…intelectualoides , moderninhos…
E vc, marmota, é um menino danado de bunitim e inteligentin…
pois tome cafe sozinho..já dizia minha avó: antes só do que “malacompanhada”…
bjos
[i]cara de conteúdo[/i]
Hmm… Série de propagandas da Folha, início da década de 90, certo?
[i]”Como é que esse idiota consegue ter amigos… E uma namorada?”[/i]
Um dos dois (ou ambos) deve ter um nível de exigência demasiadamente rebaixado; ou de tolerância caridosa e complacentemente elevado.
Sou-lhe o oposto: alta exigência e diminuta tolerância. Talvez por isso minha coleção de pedras não pare de crescer o_O
Por isso que vc é um dos poucos blogstares que eu leio, releio, comento e recomendo! Humildade é uma coisa tão rara hoje em dia que deveria valer mais do que diamante.
Meu Deus, que imbecil! Eu voava no pescoço desse Eugênio e quebrava de porrada! Como eu ODEIO gente arrogante, putis! O.o
E eu não assisto Malhação, mas assisto Pânico na TV mesmo, adoro, e AI de quem não gostar! Cai dentro, porra! Hehehe! Simplicidade é bom e eu gosto!
Abraço, Marmotones!
Já vi umas eugenices por aí. Uma vez na época da faculdade disse que não gostava de Saramago e a resposta que recebi foi “tem certeza de que escolheu a carreira certa?”. Como já disse o Lelio Lopes, e eu, uma pedra…