Uma das mais tradicionais emissoras de São Paulo, a Eldorado AM 700kHz, que pertence ao grupo O Estado de São. Paulo, sempre ostentou o slogan “a rádio dos melhores ouvintes”. Não é a toa: uma passada de olhos na apresentação do perfil do ouvinte revela um público altamente qualificado. São 61% na classe AB, de alto poder aquisitivo. Isso explica o porquê da Eldorado ter sido a pioneira na participação do ouvinte no trânsito: foram eles que compraram os primeiros celulares da cidade…
Esse perfil elitizado determinou a presença do esporte na grade de programação da Eldorado. Além das informações consideradas imprescindíveis, veiculadas nos programas jornalísticos do dia, a emissora reserva uma hora diária para todas as modalidades: esportes náuticos, de aventura, automobilismo, os esportes olímpicos e até mesmo futebol. O editor e apresentador Ary Pereira Júnior, que já cobriu Jogos Olímpicos sozinho para a Eldorado, é o homem-esporte. Quem costuma dividir o assunto com ele é o Fernando Solano, que antes de assumir a chefia de reportagem se dedicava apenas aos esportes de aventura.
Agora responda, mesmo que você nunca tenha ouvido a Eldorado: dá para imaginar transmissões de futebol em uma emissora com esse perfil?
Mesmo quando uma amiga disse que a Eldorado faria isso, pouco antes do Carnaval, a resposta ainda era “não”. Pois a partir do dia 14 de abril não vai ser preciso imaginar nada. Está chegando a Rádio Eldorado-ESPN, “a maior equipe já reunida por uma rádio no Brasil”.
Eu acredito em José Trajano – O anúncio oficial da parceria com a ESPN Brasil será feito na manhã desta terça-feira, no Bar Boleiros. A estréia será durante as semifinais do Campeonato Paulista, mas as transmissões vão continuar durante o Campeonato Brasileiro e outras competições, sempre às quartas, quintas, sábados e domingos.
A novidade culminou com a instalação de uma equipe inteira na redação da Eldorado, no prédio do Estadão, na Marginal Tietê. Os principais nomes são conhecidos dos telespectadores da emissora, e já possuem experiência em rádio: Paulo Soares, Cledi Oliveira, Everaldo Marques, Paulo Vinicius Coelho… A Magaly Prado apurou ainda que Paulo Calçade, Eduardo Afonso (ambos da Bandeirantes) e Conrado Giulietti (da Globo) também farão parte do time.
Coincidentemente, a audiência da ESPN Brasil também é formada em sua maioria pela classe AB, característica semelhante ao público da Eldorado – o que pode explicar em parte a escolha da emissora como parceira. Ainda assim, o que me deixa na expectativa é saber como a presença do futebol vai mexer com a programação – e especialmente com os ouvintes da rádio.
Mas existe ainda outro fator que certamente vai determinar o sucesso da empreitada: o fator José Trajano.
A história do canal de TV por assinatura mais bacana do país, que começou como TVA Esportes, se funde com as idéias desse torcedor do América-RJ, jornalista apaixonado e temperamental – fato que o torna amado por alguns e odiado por outros. Talvez a imagem que fique seja a do chefe ranzinza capaz de fazer Paulo Soares, o amigão da galera, levantar da cadeira e ir embora durante uma mesa redonda.
Só que quando a pessoa sabe o que faz, a paixão não é um problema, e sim combustível. O pai do conceito de “informação é o nosso esporte” apostou em coberturas isentas e independentes, segurando firme a onda no período de vacas magras da ESPN Brasil, que poderia culminar com o fechamento do canal. Suas idéias e filosofias, no entanto, criaram uma família no lado de dentro, uma legião de fãs diante da telinha e uma marca de credibilidade e respeito. Se a realização da “Rádio ESPN”, aspiração antiga do canal, saiu da mente de José Trajano, eu me arrisco a dizer que será um sucesso.
Reinvenção de um modelo? – A criação de uma nova equipe de esportes no rádio, voltada para um público diferente e qualificado, pressupõe ainda alguma inovação de estilo? Claro que a simples transposição do estilo “informação é o nosso esporte” em detrimento ao espetáculo puro e simples já respalda a proposta, mas uma coisa é certa: tudo indica que o atual formato das jornadas esportivas, com narrador, comentarista, dois repórteres no gramado, pré-jogo e vestiários, deve passar por mudanças.
E não digo isso apenas pelo fato de ser um modelo criado há praticamente 30 anos e que persiste até hoje. As emissoras também estão preocupadas com gastos, especialmente em direitos de transmissão. O modelo europeu, inclusive, é o mesmo que vimos por aqui na última Copa: não existem repórteres atrás do gol e na beira do campo, já que não cabem no gramado profissionais de todos os veículos que pagaram pelos direitos de transmissão. A grande pergunta é: como ser diferente e agradar ao mesmo tempo?
O livro Manual do jornalismo esportivo, de Heródoto Barbeiro e Patrícia Rangel tem um capítulo inteiro com uma proposta inovadora, baseada em informação o tempo todo. Não é igual, mas lembra bastante o modelo proposto pela CBN, durante o Brasileirão de 2003.
Nas rodadas de domingo, não havia um “jogo comando”, mas sim narrador (que também opinava) e repórter em cada partida. Um âncora, o Marco Aurélio, fazia a ligação entre os jogos e dava o panorama geral do campeonato. Comentaristas no estúdio também analisavam tudo em tempo real. O próprio Marco Aurélio, antes do modelo acabar, dizia durante a transmissão que a CBN “era a mais ouvida entre os jornalistas esportivos”: só quem estava nos plantões gostou da idéia. O resto da população preferia o estilo de sempre, que acabou voltando para a CBN.
Mas voltando à nova emissora. Uma declaração do Paulo Soares no bom blog do André Kfouri indica que teremos alguma novidade, ainda que leve tempo.
“Pessoalmente, espero que a Rádio Eldorado-ESPN estude alternativas para não cair na armadilha da mesmice do que vem se praticando há anos pelas emissoras. O pré-jogo se apresenta mais simples. Para mim, deve-se trabalhar a informação, a opinião, a curiosidade. O trabalho é de puro rádio-jornalismo. Gosto da dinâmica, da alegria, da seriedade, da apresentação simples e clara do evento, da boa entrevista. Penso muito em quem está no carro. Se você percorre um trajeto de vinte minutos e não muda de estação, temos a oportunidade de passar muitas coisas para esse ouvinte nesse tempo, para que ele chegue ao seu destino bem informado. Mas se tiver muito blá-blá-blá, o ouvinte não terá recebido bom conteúdo. O rádio é entretenimento, é um grande companheiro, ainda, de muita gente. Mas é preciso mexer, criar novos atrativos e voltar a dinamizar este que é o veículo de comunicação mais rápido do planeta.
A Rádio Eldorado-ESPN pode ser o caminho para algumas mudanças. Não sei se agora, no começo. Mas, quem sabe aos poucos, possamos dar contornos diferentes às “cores” das ondas do rádio. Afinal, uma televisão que criou e segue criando tanto como a ESPN, deve contribuir para um rádio diferente”.
Muito bem, agora é ouvir e torcer – inclusive para que a parceria dê muito certo.
Tenho grande expectativa para o início deste projeto. Mas lamento o fato de usarem a Eldorado AM – as FMs carecem de boas transmissões de futebol e essa seria uma grande oportunidade. De qualquer maneira, é mais um caminho que se abre nesse mundo conturbado do jornalismo esportivo onde, nem sempre, quantidade significa qualidade.
Ah! E o nome correto do jornal é O Estado de S. Paulo, e não São Paulo.
Beijo!