E o blogueiro de Caminho das Índias?

Seria cômodo demais dizer que foi de propósito atrasar em oito meses o relato sobre o dia em que tive a chance de conhecer a “fábrica de novelas” da Rede Globo, além de marcar presença num encontro informal com Glória Perez, autora de Caminho das Índias. Mais do que simplesmente agradecer (ainda que tardiamente) ao convite do Manoel Fernandes, esta é uma boa hora para avaliar a performance da personagem que motivou a visita de dezenas de blogueiros ao Projac, no Rio de Janeiro, em 9 de dezembro de 2008.

Até porque, desde a estréia da novela até aqui, a maior parte dos participantes da caravana se limitaram a comemorar suas presenças no passeio, associando-as com “a importância da blogosfera nas peoduções televisivas”. Alguns que não foram, evidentemente, esperaram algumas semanas para identificar como o tema seria abordado (ou não) pelo folhetim e capricharam no “mimimi” ao redigirem manifestações do gênero “pra quê tanto auê se no fim o tal blogueiro da novela não apareceu?”.

Blogueiros no Caminho das Indias

A propósito, pode ser que você não saiba, mas o blogueiro é o Indra (André Arteche), filho de Ashima (a heróica Mara Manzan), que deveria ser a ponte entre assuntos virtuais e o público do horário nobre. Durante o bate-papo, a autora caracterizou seu personagem como um adolescente indiano, que preserva alguns costumes tradicionais e os compara espantado com coisas que enxerga no Brasil. Mais ou menos o que vimos em Shanti (Carolina Oliveira) em sua estada pelo Rio – com a diferença que Indra teria maior intimidade com o computador e capacidade para compartilhar suas dúvidas na web.

Na prática, é um garoto comum, com um mix de culturas, e que mantém um blog. Já em dezembro, CrisDias fez a comparação certeira: “numa novela, um personagem que tem blog é a mesma coisa que um personagem que anda de bicicleta”. Seguindo pela mesma metáfora: a não ser que estejamos falando em um ciclista capaz de faturar a Volta da França, até mesmo a Shanti poderia ter criado um blog para dividir as impressões sobre suas viagens, por exemplo. Ou quem sabe o aprendiz do Doutor Castanho, que só aparece na trama para tentar entender aquilo que Yvone faz – e ele sequer imagina. Taí uma dupla que merecia um blog bem mais divertido que o do pacato morador da Lapa.

Blogueiros no Caminho das IndiasNão sei exatamente onde foi que Glória Perez, acostumada com o ambiente virtual desde o encontro de Dara e Júlio Falcão num chat de vídeo ainda em 1996 durante Explode Coração, escorregou com Indra. Além de ter seu próprio blog, a autora sabe perfeitamente do que a comunidade interconectada é capaz – mesmo em atitudes inexplicavelmente avessas, como os animais que protestavam a favor da fauna ameaçando-a de morte durante América. Talvez uma explicação possa ser desenvolvida a partir de outra declaração pinçada daquela tarde: “a novela apenas coloca o assunto em pauta; o resto é com as pessoas, a sociedade”.

Pois bem, caberia qualquer assunto, desde que fosse algo palatável a um público muito abrangente – que, convenhamos, está mais ligado com o destino das famílias dos Ananda ou dos Cadore. E qual era exatamente o assunto? Apenas blogs e suas relações com ferramentinhas? Nesse direcionamento, Guilherme Zaiden apareceu nos primeiros capítulos, produzindo um vídeo para o YouTube. Alguns outros blogs foram citados pelos personagens, mas dentro de outros contextos. Chegaram a propor a presença de Indra num Blogcamp, ou mesmo sua participação em uma blogagem coletiva… Mas vejam como todas estas ações ficaram limitadas a um plano individual, como se isso só importasse ao próprio Indra.

A impressão que se tem é a mesma alertada pela própria autora: o tempo da novela, mais longo, é bem diferente do tempo real de um blog. Ainda citando Glória Perez: “o personagem pensando não tem a mesma força do personagem agindo”. Pode ser que essa medida, somado a sua presença apenas trivial na trama, fez com que o blogueiro perdesse a grande oportunidade de mobilizar a audiência para discutir ao menos um tópico. E não estamos falando de suas incursões sexuais com Dona Norminha – o que, aliás, derruba a idéia de que nerds não pegam ninguém e já basta para que eu tire meu chapéu para o rapaz.

Mas voltando: se ninguém presta atenção se ele falasse de tudo um pouco, por que não focar na relação entre pais e professores, tema recorrente envolvendo Berenice (Sílvia Buarque), Ruth (Cissa Guimarães) e o zé ruela do Zeca (Duda Nagle), que mostrou ter mais familiaridade com HTML ao expor com facilidade a “gravidez artificial” da professora? A polêmica chegou a fazer barulho pela web… E o que o blogueiro da novela fez para incrementar o debate?

Blogueiros no Caminho das IndiasIndra chegou a ser considerado suspeito, mas se revelou um banana ao invés de descobrir e incentivar formas de manter sua privacidade online, propor discussões sobre o comportamento de pais e alunos diante da escola, convidando outros amigos a participarem do debate no Twitter (onde já se viu um blogueiro que não carrega seu celular com GPRS ou 3G para todo lado?). “As pessoas acham que a Internet é um território livre”, dizia Glória Perez em dezembro. Pois é, da forma como os estudantes daquele colégio se comportam – ou pior, se lembrarmos que a maior contribuição de Dona Val (Rosane Goffman) é o bordão “Jesus me abana” e a felicidade em esconder seu biotipo em avatares magros e bem vestidos no falido Second Life – , o pensamento do público-alvo continua sendo exatamente o mesmo.

Mas enfim, também não duvidaria se Glória Perez tivesse lembrado que Indra é um espelho do blogueiro brasileiro. Aquele representado por um grupo que, entre as melhores idéias defendidas, estava o “registro do domínio blogdoindra.com.br”. Ou ainda o tipo que, após visitar locações externas (incluindo a Lapa e o Ganges cenográfico), guarda-roupas, depósitos e moderníssimos estúdios (oportunidade que a Globo poderia transformar perfeitamente em visita guiada paga), reclama no meio do passeio: “ai, falta muito ainda pra irmos embora?”. Sem falar nos que só ressaltam sua importância, fazem mimimi ou inventam de escrever sobre isso apenas oito meses depois: se esperávamos um engajamento 2.0 na novela, talvez Indra não encontrou inspiração na realidade.

Blogueiros no Caminho das Indias

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