Sempre vai existir um idiota metido a esperto dizendo que “essa imprensa esportiva futebolística vive da repetição das mesmas pautas e enfoques, ao contrário das outras editorias, e por isso é um saco”. Provavelmente essa turma não conheça nenhum torcedor apaixonado, daqueles que imprimem e preenchem tabelas inteiras dos mais variados campeonatos do planeta; assistem aos tradicionais (e às vezes enfadonhos, admito) programas de domingo – daqueles que enchem o saco da emissora quando decidem tirar a mesa-redonda do ar; mandam cartas e e-mails ao apresentador, repórter, narrador ou comentarista como se fossem amigos de infância, lembrando daqueles momentos áureos em que tudo era melhor.
Para o bem de quem trabalha no meio, o perfil da imprensa esportiva não é o mesmo de dez, vinte anos. Aquele boêmio que frequentava estádios, vestiários e bares na mesma proporção – o que culminava com a pecha de “jornalismo menor” ou simplesmente “a escória” – praticamente sumiu das redações. Hoje o bom profissional não é apenas aquele sujeito que cresceu com a bandeira e a camisa do clube mas nunca teve jeito com a bola. Mas além de acompanhar desde a Série A do Campeonato Brasileiro até o Mundial Sênior de canoagem slalom, também lê poesia, vai ao cinema, se interessa pelo julgamento do mensalão ou a crise no mercado subprime norte-americano… Resumidamente, é um sujeito antenado, que saiba contextualizar e interpretar informações relevantes.
Sob o olhar de quem consome notícia esportiva, essa diferença poderia refletir no dia-a-dia, ressaltando a real importância social do esporte. Mesmo quando temos a chance de abrir os olhos e conhecer o mundo maravilhoso das outras modalidades (como foi no Pan há pouco e será nas Olimpíadas daqui a um ano), ou mesmo quando a imprensa revela o descaso com políticas públicas e mostra a dura realidade dos poucos (mas bons) exemplos de projetos sociais… Nada disso é capaz de mudar aquilo que realmente vende jornal: o dia-a-dia do seu time, assunto preguiçosamente simples de se conversar e verdadeiro elo de contato entre qualquer classe social. Afinal, o que é mais fácil perguntar ao porteiro: “você viu o que as confederações fizeram com a verba da Lei Agnelo-Piva?” ou “e o Peixão, hein?”.
Se no dia-a-dia o brasileiro adora dar palpite a respeito dos lances, placares, transferências de jogadores, essas coisas todas que estão na pauta de quem está no estádio, na rua ou no bar, os debates ficam mais acalorados quando envolve temas mais polêmicos – artifício usado por muito cronista que não sabe nada, mas sempre dá opinião. Para alegria dos consumidores apaixonados, os cinco assuntos mais palpitantes (que dificilmente vão deixar de aparecer) costumam ser:
#5 Mortes – Infelizmente é o tipo de episódio que está se tornando cada vez mais comum. Em 26 de junho de 2003, o camaronês Marc-Vivien Foe, daos 28 anos, apagou durante a semifinal com a Colômbia, pela Copa das Confederações daquele ano, na França (aquela que o time do Parreira foi eliminado na primeira fase). No dia 27 de outubro de 2004, São Caetano e São Paulo se enfrentavam no Morumbi. O zagueiro Serginho fez o povo brasileiro descobrir o significado da palavra “desfibrilador”. Ainda assustados, vimos o húngaro Miklos Feher, do Benfica, sofrer um problema cardíaco diante do Vitória de Guimarães, em 25 de janeiro de 2005.
As notícias envolvendo atletas que morrem em jogos ou treinos de qualquer modalidade, cirurgias como as dos atacantes Washington e Fabrício Carvalho ou a do lateral Chiquinho (inclusive com longos afastamentos) costumam acompanhar depoimentos de especialistas sobre prevenção de acidentes, avaliações médicas criteriosas, denúncias envolvendo negligência de clubes e estádios, questões envolvendo os limites do homem… Tudo isso deve voltar esta semana, por razões que ninguém gosta de saber: neste 28 de agosto de 2007, o futebol viu mais uma vítima, o espanhol Antonio Puerta, de apenas 22 anos (Tava “Adriano”, felizmente o Zeh Oliveira viu a minha mancada. Obrigado!). Salvo graças ao desfibrilador, não resistiu após tres dias internado.
#4 Cartolagem – Qualquer moleque de doze anos vestindo a camisa de seu time sabe: os clubes aproveitam mal suas marcas, descuidando da imagem em vários aspectos. Torcedor é o único tipo de consumidor que é tratado como gado ao acompanhar seu produto, mas ainda assim continua consumindo. Talvez por conta da inércia (ah, está bom assim) os cartolas simplesmente ignoram qualquer iniciativa para fidelizar aficcionados e capitalizar um bocado.
São poucos os cartolas que buscam se desvencilhar do rótulo “amadores”. Mas mesmo estes, que tinham tudo para se considerar exemplo, vez ou outra reclamam do regulamento mal feito, mesmo depois de ter assinado. A outra espécie não pensa duas vezes na hora de cometer deslizes: demitem, contratam, apelam para o tapetão, entram na justiça comum, mudam estatuto, fazem política… Ah, os problemas? Deixa pra lá, o dinheiro do povo que virá pela Timemania vai resolver todos os problemas. Ah, sim: a festa das decisões com pouco (ou nenhum) interesse coletivo se repete com muito mais facilidade nos outros esportes.
#3 Violência – Tudo já foi dito e discutido a respeito do assunto. As cores da camisa se transformam na “pátria”, na “religião”, na “gangue”… Enfim, qualquer organização coletiva encontrada com facilidade pode servir de exemplo para a sua pequena, porém estrondosa, representação da sociedade similar ao de Bagdá, mas em um estádio de futebol. Sejam quais forem os motivos, nenhum deles justifica uma guerra: ideal separatista, petróleo, dinheiro… No caso dos manés que saem de casa predispostos a arrumar confusão, não existe razão alguma.
Em São Paulo, o fim das torcidas organizadas diminuiu as brigas dentro das arquibancadas, mas não acabou com a animosidade dos torcedores. Mais do que isso: a alma das agremiações permanece viva em algumas escolas de samba oriundas das torcidas, transformando cada Carnaval em um temor. Cenário reforçado pela palavra “impunidade”, que um dia já foi forte o suficiente para representar alguma atitude. Hoje não passa de demagogia. Talvez sejam necessárias dezenas de gerações reeducadas para que o inimigo eterno torne-se simplesmente adversário durante 90 minutos.
#2 Doping – Mesmo antes dos atacantes Dodô, do Botafogo, e Alex Alves, do Juventude, serem enganados por uma empresinha vagabunda que colocava sibutramina em inofensivos remédios para emagrecer (aliás, misteriosamente, apenas o primeiro foi absolvido), o esporte sofre com esta praga. Sempre que o tema vem à baila, lembro de uma antiga entrevista do médico Júlio César Alves (carinhosamente chamado por alguns de “Doutor Bem Louco”) na ESPN Brasil, em 2002.
Na época, disse uma porção de coisas que deixam qualquer entusiasta do esporte com o cabelo em pé: quem sobe ao pódio em grandes competições internacionais está dopado, seja qual for sua nacionalidade. Além do futebol, o atletismo, a natação e o ciclismo aparecem com frequiência entre as modalidades contaminadas. Ma o doutor Alves vai além: enquanto os sistemas antidopagem evoluem, a “indústria do mal” acompanha, preparando substâncias proibidas que saem do organismo em poucas horas. Sem falar no doping genético – aliás, já disse isso antes. Será que, para o Brasil virar potência olímpica, só tomando uma?
#1 Arbitragem – Faça uma busca simples usando as palavras perde, reclama e arbitragem. Assustado com a quantidade de ocorrências? É porque a cada final de semana alguém se sente prejudicado. Claro que, do outro lado, os favorecidos continuam quietos. Mas enfim. Notícias dão conta de árbitros afastados, preparação malfeita, desconcentração (com direito a celulares no vestiário do juiz durante o intervalo!), sem falar na bandeirinha que, depois de dois erros grotescos, praticamente foi banida (apesar que a própria “se baniu” ao ajudar o Ian a criar um dos posts de maior audiência da Internet brasileira).
Salvo casos absurdos como o esquema envolvendo Edílson Pereira de Carvalho (que tirou o legítimo título brasileiro de 2005 das mãos do Inter), eu torço para que jamais parem de reclamar da arbitragem. Afinal, errar é humano, e os erros fazem parte do esporte. Daqui a pouco, a Fifa inventa e estraga a brincadeira, autorizando o uso de câmeras ou bolas com chip. Ou pior: tratam de ouvir aquele médico espanhol, que certa vez disse que é humanamente impossível o ser humano marcar o impedimento corretamente.
A propósito, o Idelber já perguntou uma vez se valia a pena acabar com a lei do impedimento. Na época, lembrei a ele que, quando o vôlei mudou sua regra básica – a vantagem deixou de existir, qualquer bola é ponto – os jogos ficaram mais curtos e interessantes para a TV, mas as equipes mudaram seu estilo de jogo: os atletas mais técnicos foram substituídos por verdadeiras marretas. Se o impedimento acabar no futebol, os times vão jogar com a banheira a seu favor. E vai ser banheira e chuveiro. E a Irlanda será o país do futebol…
Não quero pensar nesse futuro sombrio. Melhor convivermos pacificamente com os amantes das mesas-redondas dominicais, vai.
Bom dia, André:
Ora, salve, um post genuino sobre o nobre esporte bretão. Ontem encontrei um video docudrama sobre o Geraldo, herdeiro do “príncipe etíope” — Didi, do Botafogo.
Geraldo morreu de operação de amígdalas. Não sou Flamenguista. Depois da morte do Geraldo fiquei menos ainda. É a falta de consciência relativa ao maior patrimônio do clube: o jogador.
Francamente, não tenho nada contra a velha mesa da Facit, nem mesmo contra o Nelson Rodrigues, que dormia durante as partidas e nem enxergava direito. Aliás, o Saldanha vaticinou equanto técnico que Pelé via mal. Era verdade.
Se o futebol não tivesse a lei do impedimento era só botar nove ao lado do gol e seria chutaço, um tirambaço pra pequena área.
O caso do Dodô é de óbvia ignorância do jogador e inatenção da cartolagem.
Le plus que ça change…
Olá. O texto tá excelente!
(o nome do jogador espanhol que faleceu é Antonio Puerta e não Adriano!)
[]s
Gostei da caracterização do repórter. Acho que, na verdade, o perfil da gurizada em geral mudou.
Não dá para ser butequeiro todos os dias e também ser um bom repórter (confiável, produtivo e honesto).
Marmota, texto bacana esse.
Cara, faltou vc lembrar daqueles jornalistas que sempre escrevem uma cronica sobre seu time no jornal de segunda …
Eu não perdia uma do Roberto Drumond…
Dizem que o Tostão tb escreve, com pseudonimo, não sei se é lenda ou verdade…
bjos
Eu não reclamaria se a Fifa colocasse câmeras não, viu! Essas discussões de arbitragem são um saco. Além da bola inteligente, deviam colocar robôs com canhões de luz no lugar dos bandeirinhas, hehehe! Correndo por trilhos na beira do campo.
Meu caro, sobre o fim da regra do impedimento – eu sou a favor – eu costumo citar um exemplo caseiro. Moleque, eu jogava botão com meu irmão. Ele tinha boa pontaria e quase sempre ganhava de mim. Aí, eu resolvi mudar a regra de ataque e criei uma que dizia que, se a bola fosse colocada dentro da área, a jogada poderia ser concluída sem que o time defensor pudesse mexer o goleiro. Eu era mais hábil em passe e passei a ganhar com mais freqüência. Mas a estratégia de defesa, que era inexistente porque os chutes eram sempre do meio de campo, passou a ser preciosa e o jogo ganhou em emoção e plasticidade (sem trocadilho).
Eu não creio que o futebol sem impedimento se tornaria um festival de chuveirinho. Para cada nova possibilidade de ataque, certamente seria criada uma nova estratégia de defesa. A vantagem é que o grande número de jogadas polêmicas por conta da regra simplesmente deixaria de existir.
IMHO. Abração.
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Uma vez li a opinião de João Havelange sobre impedimento. Dizia ele que o crescimento do futebol dependia de polêmica e a regra do impedimento gerava sempre polêmica pelas confusões que gerava.
Se o futebol dependesse de confusões para desenvolver poderia se tirar os bandeirinhas e a confusão em todas as partidas estava garantida pela dificuldade do árbitro aplicar sozinho a regra.
Aí temos o exemplo de que pessoas eminentes também se atrapalham quando tem que dar entrevistas.
O sucesso do futebol depende da existência de jogadores acima da média no controle da bola para que exerçam papel de ídolos.