Aos amigos e amigas, feliz Natal

Normalmente sou uma das primeiras pessoas a valorizar as maravilhas da tecnologia. Mas antes disso, faço questão de defender a boa e velha sabedoria popular, transmitida de avô para neto. Coisas como “o mundo dá voltas, e o tempo é sábio”, “onde deus fecha uma porta, ele abre uma janela”, “antes só do que mal acompanhado”… E a mais curiosa entre todas que já ouvi: “amigos são seus dentes, e ainda assim mordem sua língua”.

Sempre que lembro dessa última, a imagem de Dafne vem à cabeça. Há pouco mais de cinco anos, ela apareceu no meu ICQ – para quem não se lembra desses tempos românticos e ainda não consegue entender como tanta gente trocou essa maravilha pelo MSN, era muito comum ser abordado do nada por pessoas que descubriam seu UIN sem querer, a partir da eficiente busca do programinha. Não faço idéia de qual tenha sido a desculpa usada por ela. Mas lembro perfeitamente que, durante aquela semana, a Dafne aparecia sistematicamente para longas horas trocando bobagens despretensiosas comigo.

Mais alguns dias para finalmente lhe dar o número do meu celular – afinal de contas, ela me achava um cara divertido, e do outro lado da linha, ela também não parecia ser má. No fim da noite, o telefonema dela. E foi a mesma descontração do comunicador instantâneo. O bate-papo começou delicioso, mas assim que contei uma rápida passagem da minha vida, o tom mudou rapidamente. Eu disse algo como “as pessoas dizem que sou um sujeito engraçado desde os meus tempos de estagiário no laboratório de metrologia elétrica lá na Cidade Universitária”.

“Ei, você trabalhou lá? Ah, então você deve ter conhecido a Carina Barcelos”, comentou Dafne.

Fiquei alguns segundos quieto, antes de murmurar um “quem?”. “Carina. É o nome dela, ela trabalhou lá, é a minha melhor amiga”.

Então essa moça que entrou no meu ICQ do nada, me chamou de “cara divertido”, que estava adorando a conversa e que parecia tão legal… De repente essa moça tira da boca o nome e o sobrenome da minha ex-namorada sem que eu tenha feito nada pra ela? E ainda por cima era a melhor amiga dela!!!

“Você disse Carina?”, continuei murmurando, antes de lhe dizer o que diabos ela representou num passado não muito distante. Ela ficou chocada. Não tanto quanto eu, avisei. Mas é claro… A Carina sempre falava em uma certa Dafi. Era a Dafi que tinha saído com não sei quem, que tinha viajado pra Peruíbe não sei quando… Dafi… Dafne… Então tudo se encaixa!

“Meu Deus do céu… Eu não acredito que é você, esse tempo todo. Porque a Carina dizia horrores a seu respeito”, lembrou.

Era o momento da pobre Dafne, que nada tinha a ver com o meu relacionamento, descobrir o princípio básico do jornalismo e ouvir o outro lado da história. Tinha claramente em minha memória todas as situações descritas pela Dafne, desde aquela vez em que levei a Carina para assistir Cidade dos Anjos e não chorei ao seu lado, até o dia que eu tirei a caneta do bolso para corrigir um cartão presenteado por ela. “Mas Dafne, na época, eu tinha absoluta certeza de que não podia deixar passar alguém escrever sossego com C. Hoje eu aprendi a lição, mas na época foi uma burrada monstruosa”, lembrei.

Naquela altura, não fazia idéia do que passava pela cabeça dela. Afinal de contas, até aquele instante, tudo que Dafne fez na vida foi ter apoiado e agido fielmente a sua grande aliada. Ter dito “aquela palavrinha amiga” que a Carina tanto precisava ouvir, ainda que eu jamais soubesse disso. Claro que nã gostaria de saber, mas nem precisei perguntar pelos detalhes sórdidos: ela sintetizou toda aquela noite maluca num diálogo que me faz pensar até hoje.

“Nossa, cara, você não faz idéia de como eu xinguei você ao lado da Carina. Chamei você de tudo quanto é nome. E na semana que vocês terminaram, eu segurei nas mãos dela e disse: olha, seus olhos estão me dizendo tudo, você não é feliz ao lado desse inútil. Portanto livre-se desse traste, antes que ele acabe com a sua vida. Eu disse isso, meu. E agora que eu conheci você, que ouvi você, e vi quem você é, sem querer… Puxa, se eu soubesse antes, eu jamais, jamais diria uma coisa dessas. Nunca que eu gostaria de ver uma amiga separada de alguém como você”.

Agradeci as palavras gentis, claro. Mas no fundo, eu estava era com muita raiva. Ora, a decisão de seguir em frente ou não era da Carina. Ela não tinha nada que se meter na vida dela e, de quebra (mas muito indiretamente, admito), estragar a minha.

Mas enfim, mesmo numa situação dessas, nunca esbocei qualquer sentimento negativo em relação a Dafne. Tanto que, naquele mesmo ano, marcamos um agradável encontrinho na Prainha Paulista, pouco antes do final de ano. Na semana do Natal, a Dafne mandou um e-mail bastante extenso, praticamente resumindo aqueles últimos meses de intensa reflexão histórica.

“Ai meu, você sabe como sou sincera contigo, entao preciso te falar uma coisa que esta me perturbando, mesmo sabendo que você poderá me odiar depois.

No começo, tenho que te confessar, fiquei muito interessada em você… Por vários motivos, mas o principal é porque você é um cara de muito bom senso, além de ser inteligente, com personalidade… Isso me atraiu muito! Você é um homem maravilhoso, com tantas qualidades, e com tão poucos defeitos, que poxa vida, era de se esperar que, ao contrário do que você diz, milhares de mulheres caíssem aos seus pés!

Mas conforme foi passando o tempo, vi que somos muito diferentes. E que, ainda por cima, você conhecia a Ca! E eu amo muito essa guria, e fiquei feliz em saber que você tinha feito parte da vida dela, porque você é um cara muito legal!

E o nosso encontro essis dias… Estava pensando em como foi, e fiquei boba em ver como me senti feliz em realmente conhecer o cara que me escuta e me aconselha todos os dias. Fiquei feliz de verdade em ver que você não era aquele homem idiota da outra mesa, que me abordou quando cheguei, antes mesmo de você aparecer… E vi que você é alegre, simpático, espontâneo…

Mas depois que nos encontramos, você me pareceu meio distante, como se não tivesse gostado de mim… Sei lá, estranho isso, porque sempre te tratei igual, um amigo de verdade. Então eu lembrei da sua história com a Ca. E você sabe que vocês não têm nenhuma chance. Pelo menos enquanto ela estiver com o namorado dela. Eu não o conheço bem, mas acho que ele a faz de gato e sapato. Ela não merece, mas ela gosta dele… Bom, pelo que ela me fala, eu prefiro você. Hehehe!

De qualquer forma, ela sabe que você é um cara legal. Ela tem saudades de algumas coisas, mas sei lá… Ela fala de você como um grande amigo, o que eu acho muito legal! Poxa, ela te considera um monte, e ela tem toda razão!

Enfim, eu também descobri que adorava você como amigo, do tipo que me ajuda de verdade, que me escuta… Esperava isso de você, mesmo sabendo que talvez não fosse conseguir, até porque continuei amando falar contigo!

Bom, chegou a parte que você vai odiar. Fiquei triste em não conseguir falar contigo esses dias. Sei perfeitamente que você está com milhares de coisas para fazer e que está complicadíssimo conversar… Mas, sei lá… Estou com uma puta saudade de conversar contigo!

Ai ai ai… Como sou boba, né? Mas olha, sobre a Ca, toma cuidado, vai… Não quero ver você sofrendo de amor platônico! Tem muuuita gente bacana por ai, é só ficar de olho! E não deixe de ser quem você é, só para agradar alguém. Talvez você só esteja procurando alguém no lugar errado…

Acho que é isso. Bom Natal, feliz 2002 e um beijo carinhoso da sua amiga Dafne”.

Enfim, hoje as duas amigas estão muito felizes, ao lado de seus maridos. Tenho guardado por aqui a foto do filhinho rechonchudinho da Dafne, que ela fez questão de mandar logo quando ele nasceu. É bem provável que a amizade das duas seja mais ou menos como a que eu enxergo: nossas vidas tomaram rumos bem diferentes, mas a lembrança fica para sempre.

Além, é claro, de uma grande lição de vida: salvo em risco de morte ou de maior gravidade, quem gosta de verdade não se mete na vida alheia. Essa eu já aprendi. Só falta agora parar de procurar no lugar errado.

Comentários em blogs: ainda existem? (16)

  1. É como eu sempre digo: o mundo é gigantescamente minúsculo! E essas “coincidências” sempre nos ensinam algo. Eu, de minha parte, sinceramente, não agüento mais ouvir a ladainha “você é uma garota legal” ou “você vai encontrar alguém que te mereça” e blablablá. Por enquanto, desisti de procurar mesmo, em lugares certos e errados, porque o que sempre encontro nunca é o que eu procuro. Pense assim, André. Talvez seja a hora de cuidar do seu próprio jardim para que as borboletas venham até você. 😉 Bjos

  2. PQPPPPPPPPPUUUUUUUUUUUUUUUUU
    CARALHO ANDRE que mundo pequeno dos infernos cara, nunca imaginei que uma situaçao dessas pudesse acontecer no pior dos meus pesadelos com ex-namorada. Mas enfim tenho que confessar que ri pra porra (sorry pela desgraça alheia), mas tambem tenho que deixar aqui o meu Feliz natal e nao existi nem lugar nem dia errado pra se procurar algumas coisas, oque não pode é deixar de procurar por que ai com cerveja só vai aparecer assombração na vida (eu hein ).
    Um Abração pra vc Meu brother

  3. Sei não, esse negócio de amizade é bom, mas é um tormento desgraçado. Principalmente se você passa a vida inteira sendo a melhor amiga do cara que você gosta. Ás vezes muda o cara, mas não sua função de melhor amiga… Humpt!

    Melhor amiga. Odeio essa expressão, sério!

  4. É isso aí amigo!
    leio seus posts pelo bloglines há muito tempo (mesmo sem comentar) e hoje apareci só para deixar um feliz Natal para você.
    Como reza a tradição… rss
    Abraços

  5. Como já tem 14 comentários, e a maioria já diz tudo o que eu ia dizer, vou comentar apenas uma parte do post que chamou atenção (fóra é claro aquela parte de a Daf ser a melhor amiga da Cá)- Sossego com C? rs…… Feliz Natal, apesar de eu ser judia e acreditar em Jesus, e saber que ele não nasceu nessa data, que é só mais um dia para ganharmos presentes, e gastarmos dinheiro. Fóra deixar as empresas de emagrecimento on line ricas…etc etc etc…..

Vai comentar ou ficar apenas olhando?

Campos com * são obrigatórios. Relaxe: não vou montar um mailing com seus dados para vender na Praça da República.


*