A eternidade ao alcance de todos

Alerta aos amantes da vanguarda artística: não encare o post a seguir como algo pessoal a você. Mas admito: a única vez que me dei ao trabalho de ir a uma Bienal de Arte em São Paulo, há uns doze anos, fiquei sem entender como um sujeito capaz de empilhar bacias e afixar seu nome ao lado de uma etiqueta com os dizeres “sem título” pode conquistar algum prestígio.

Para que a coisa continue totalmente impessoal, reescrevo abaixo um texto sensacional sobre o tema. Chama-se A eternidade ao alcance de todos, do escritor José Cândido de Carvalho.

Carta de Micael dos Reis a um primo de São José do Monte, o mecânico Manuel Bastos:

“Manequinho, não precisa mandar mais carta para a oficina de lanternagem de Zuzu Tavares, uma vez que mudei de ofício e abracei a carreira de escultor moderno. Sei como o pessoalzinho de São José do Monte vai rir ao saber que o filho de Santinho Reis está fazendo nome a poder de ferro-velho e coisa destorcida. Peguei inclinação pelo ramo no dia em que vi nos jornais um para-lama de sucata que pegou o primeiro prêmio numa demonstração de esculturagem no estrangeiro e mais depois em São Paulo. Aí, primo, meti os peitos. Nem retirei o macacão de lanterneiro. E de macacão, todo lambuzado de óleo e sujo de graxa, pulei para o negócio de lata velha. Peguei de jeito uma porta de automóvel, meti o maçarico nela, furei e bordei. Em seguimento, lasquei por cima uma pá de ventilador e arrematei a obra com uma antena de televisão. Parti para a IV Exposição da Primavera com esse trabalho que chamei de “Vento Outonal nas Rosas do meu Coração”. Nã tirei o primeiro lugar porque um cretino teve a idéia genial de aparecer com um fogão econômico de 1917 soltando fumaça por todos os buracos. “Começo e fim da Criação”, como era o nome do dito fogão econômico, venceu de ponta a ponta. Uma dona ficou tão esfogueteada que comeu três quilos de fumaça e foi esvaziar o estoque no hospital. Em todo o caso, meu “Vento Outonal” tirou o segundo posto e uma braçada de palmas nos jornais. Agora, na próxima vez, vou aparecer de macacão, barba escorrida no peito e boné listrado na cabeça, de modo a ficar nas evidências do mundo. Vou entupigaitar a praça com o “jarro do Barão”, um penico que muni de uma trombeta de gramofone e um vidro de magnésia leitosa. Primo, em matéria de invencismo eu sou fogo selvagem. E para despedir, recomendações aos tios, principalmente um grande abraço na prima Noca. E não deixe de ver se compra em São José do Monte e redondezas uma caixa de descarga antiga, daquelas de puxar por uma correntinha, porque pretendo concorrer a uma exposiçãoo na Bahia que vai render uma nota bonita. Uma caixa desse tipo não é só folclórica como fotográfática. Calha muito bem em recantos de sala de visita por baixo daqueles retratos de família em feitio oval.”

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