Último dia: dezembro já está aí

Está cansado desse diário? Pois acredite: não deve ser mais cansativo e desgastante do que passar dezoito horas viajando – apesar disso, o carro da família foi heróico, mesmo sem saber que era a sua última viagem. Essa está no fim, mas dezembro já está aí.

São Paulo, minha casa (ET, telefone... piada fraca detected!).
Sábado, 4 de janeiro de 2003

Acabou, Diário. Foram dez dias muito felizes na sua excelente companhia, como acontece todos os finais de ano. Um pouco mais depressa que as viagens anteriores, é preciso ressaltar. Mas cá estamos, mais uma vez, em nossa casa. É nesse momento em que eu custo a acreditar que, até ontem, estávamos cercados de parentes por todos os lados, em uma terra de ritmo tão diferente da nossa...

Mas nem o churrasco do tio Nelson e o papo invadindo a madrugada - assunto principal: a influência da enorme família em uma possível mudança definitiva para o sul - tirou o ânimo do meu pai, que pouco antes das cinco da manhã nos tirou da cama para seguirmos em frente. Mal consegui engolir o café da Tia Dair e, quando me dou conta, já estou no carro. Duas horas depois, lá pelas quinze para as sete, cruzamos a linha imaginária existente no Rio Mampituba, em Torres, bem ali naquela placa "volte sempre ao RS". Que dúvida.

O tempo não deu trégua durante toda a manhã: assim como na ida, fomos acompanhados por momentos de sol que, subitamente, se transformavam em garoa ou chuva. O tempo feio no céu normalmente se reflete na estrada, e enquanto lia matérias sobre acidentes na BR 101 no Diário Catarinense, comprado num posto em Sombrio (eta nominho apropriado), o trânsito pára, pouco antes de chegarmos em Palhoça - ponto onde a rodovia passa a ser duplicada.

"A má qualidade do trecho sul da BR 101, com buracos por todos os lados, o elevado fluxo de veículos e a imprudência dos motoristas tornam o trânsito na rodovia um risco permenente", dizia um trecho da matéria. Assim como os envolvidos no acidente de Palhoça, que interrompeu a pista nos dois sentidos por pelo menos meia hora, o mesmo pode se aplicar aos outros cinco que encontramos estrada afora. Justiça seja feita: destes, boa parte já estavam na Régis Bittencourt, a campeã do medo. E é inevitável: quando encontramos um carro virado na direção contrária no canteiro central ou mesmo caminhões batidos ao lado de carros esmagados, a primeira frase a ser dita é "Deus nos defenda".

E lá estava ele, mais uma vez, nos defendendo, ainda em Santa Catarina, pouco antes de pararmos para o almoço no posto Rudnick (aquele do exótico "marreco ao forno", perto do trevo de Jaraguá do Sul). Desta vez, o motorista era este que vos escreve. Andávamos tranquilamente na faixa da direita da pista, quando vi pelo retrovisor um carro com quatro anéis na frente aproximando-se perigosamente, a uns 150 por hora. Era preciso dar passagem para o playboy apressado. Mas ao mesmo tempo, tinha um Kadett andando vagarosamente pelo acostamento, desejando entrar na estrada. Eu tinha duas opções: segurar o viadinho do Audi, que vinha a uns 160 por hora, ou ir para a esquerda, contando com a boa vontade do Kadett de aguardar mais alguns instantes para entrar na pista. Decisão que deveria ser tomada em fração de segundos.

Optei pela segunda. Dei a seta e passei para a esquerda. Naquele instante, sem seta alguma, o Kadett começou a ocupar o mesmo espaço que eu desejava. E a bicha do Audi a uns 180 por hora. Ao mesmo tempo, reduzi a velocidade, meti a mão na buzina e gritei alguns impropérios para o motorista do Kadett - e aqui, sem querer cometer injustiça alguma, faço a revelação: era uma loira, que ficou me olhando com cara de que "tá tudo normal". Um belo susto, assunto obrigatório na mesa do almoço instantes depois.

Por essas aventuras e outras, que deixei de contar, está cada vez mais perigoso repetir a dose a cada final de ano. É como se a cada "temporada" as dificuldades aumentassem, tornando o desafio de atravessar 1400 quilômetros cada vez mais desgastante. Sem problemas para mim e para o Dani, que ainda somos jovens. Mas o mesmo não se aplica com os meus pais. Vamos ter um longo ano pela frente e, quando as festas estiverem chegando novamente, o assunto volta à tona: não vai dar pra ir por isso, vamos ficar em casa por causa daquilo... Mas no fim, como acontece religiosamente há anos, acabamos viajando para Pelotas de um jeito ou de outro, sempre trazendo na mala histórias novas - ou as mesmas de sempre, com uma roupagem atualizada.

É o que eu sempre digo na última linha deste Diário desde que comecei a escrevê-lo, em 89: dezembro já está logo ali. Até lá.

N. R. Pegou o bonde andando e agora quer sentar na janelinha? Sem problemas, tem um lugar para você bem aqui, nos arquivos de janeiro. É só clicar e procurar pelo selo “Especial 2002/2003” para entender a história. E ter paciência.

Comentários em blogs: ainda existem? (4)

  1. Uma pena que ficaram grupinhos dispersos sem possiblidade de todos se conhecerem. Estive lá mas não me lembro de ti. Quem sabe da próxima vez…Apesar que agora estou indo de novo pra Suécia.Um abraço.Edu

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