Nas últimas oportunidades em que pude conversar com profissionais envolvidos com Internet e conteúdo, o papo sempre descamba para a mesma lacuna: “ainda não encontramos a melhor maneira de ganhar dinheiro com isso”. Uma boa explicação pra isso é a mesma de Luís Nassif neste artigo: em dez anos, os veículos permanecem presos à inércia das velhas práticas, sem um modelo comercial próprio. “Em um sistema de mercado, a ausência de competição atrofia”, diz. Tudo que essa turma sonha é com a migração das verbas publicitárias para a web – e de repente, se o tal “bolsa banda larga” funcionar e tivermos 90 milhões de usuários até 2014, provavelmente o dinheiro da publicidade vai junto.
Infelizmente, o que torna o modelo capitalista discutível (e matriz de infrutíferas discussões ideológicas) é a ganância. Acho justo faturar uma grana, desde que outros indicadores de desempenho também sejam considerados na planilha final, como “qualidade dos serviços”, “satisfação dos clientes” ou mesmo variáveis intangíveis como “evolução e amadurecimento do negócio”. Para empresas pequenas buscando “clareiras na selva”, a política dos resultados acima de tudo é compreensível diante da batalha. Mas não dá pra botar a mão na cabeça de quem está por trás de qualquer plano envolvendo infra-estrutura de banda larga, entre outras benesses: as famigeradas “teles”.
Então a Telebrás, mantenedora de uma rede telefônica sucateada e de difícil expansão (a ponto de uma linha da velha Telesp ser leiloada por empresas ou ser usada para dar entrada na compra de um carro ou uma casa) foi repartida pelo Governo por empresas privadas, política similar à que contribuiu não apenas para a proliferação de telefones fixos, celulares, transmissão de dados, etc. Todo esse terreno é explorado atualmente por meia dúzia de três ou quatro empresas, concentradas graças a sucessivas incorporações – como a recente fusão de Brasil Telecom e Telemar, hoje simplesmente Oi.
Essas empresas têm concessão para operar o serviço até 2025, e em tese, são reguladas e fiscalizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações – a Anatel. Processo que funciona perfeitamente: ou você já se preocupou alguma vez com a queda de serviços no modem ADSL, cobranças misteriosas na fatura, serviços de redes wireless atrelados à operadoras, atendimento fantasma e inoperante, entre outras agruras? Tais corporações ainda estão metidas em outras áreas da sua vida – inclusive em empresas de comunicação como portais de Internet e emissoras de TV à cabo.
Quando vi a notícia do “bolsa banda larga”, lembrei na hora da lendária “transmissão de dados via rede elétrica”, que está em testes há anos e pronta para ser utilizada em larga escala. Ingênuo, sonho com o dia em que empresas subsidiárias das concessionárias elétricas possam entrar na concorrência, forçando melhoria nos preços e serviços. Descobri, frustrado, que a chamada tecnologia PLC (powerline communications) funcionará assim, de acordo com a legislação: a rede elétrica terá que ser “alugada” para empresas específicas do ramo das telecomunicações, mediante licitação. Ou seja: se a Eletropaulo abrir um leilão, há o risco da Telefônica, e não uma “Eletropaulo Telecom”, ganhar a concorrência. Aí dançamos outra vez.
Agora imagine os bastidores políticos por trás desse lodaçal. Queria ser uma mosca para ouvir os diálogos que definiram a volta da venda do “Speedy”, após panes catastróficas. Qualquer hora dessas algum jornalista “kamikaze” poderia desenvolver uma série de reportagens sobre a relação fraterna entre as teles e a Anatel, capaz de render (entre outras histórias não publicadas) ao menos um processo judicial por inconstitucionalidade, movido pela Pro Teste, associação de defesa dos direitos dos consumidores.
Por hora, tudo que posso fazer é lamentar: somos reféns desses caras, e no caso da telefonia celular (que atende a aproximadamente 170 milhões de clientes no país), nem mesmo a portabilidade numérica nos anima: uma busca rápida na rede nos dá inúmeros resultados para qualquer operadora associado às palavras “eu odeio”. E esse preâmbulo gigantesco foi apenas para lembrar quem está por trás da minha mais recente dor de cabeça.
Animado com a possibilidade de experimentar outra empresa após o fim do período de carência, lá fui eu para a Oi com a conta da antiga Claro (que, diga-se, nunca tinha sinal em casa) animado com a oferta de meu novo plano. Lógico que não consegui desbloquear meu aparelho para usar o chip novo (“o sistema tá fora do ar”, alegaram a cada investida). Acabei resolvendo o problema da maneira mais fácil: consegui um novo, batuta.
Foram apenas dez dias de uso. De repente, uma surpresa: meu número simplesmente está bloqueado. Longos minutos no atendimento e uma descoberta assustadora. “O senhor só terá seu telefone liberado mediante depósito identificado do valor acumulado de serviços utilizados, que ultrapassou a sua franquia”. Fiquei imaginando quais usos extras eu teria feito: alguns megabytes a mais de transmissão de dados, alguns telefonemas em roaming e interurbanos… Nada muito diferente do que eu já gastava na operadora antiga. “Estranho, mas tudo bem. Qual o valor?”
Caí da cadeira quando ouvi “mil duzentos e trinta e quatro reais e vinte e um centavos”.
Nem se eu tivesse viajado para a África do Sul e habilitado roaming internacional, se tivesse baixado todos os ringtones s e aplicativos, se eu tivesse entrado em alguma jogatina ao estilo “o dobro ou nada”… É humanamente impossível consumir essa fortuna em serviços de telefonia por dez dias. O mais surpreendente é que a operadora também não faz idéia: não há uma descrição detalhada do que eu usei, tal informação só estará disponível para mim no fechamento da fatura, em duas semanas. Até lá, ou eu pago ou fico sem meu número de celular, usando o aparelho apenas como MP3 player…
Algo me diz que este foi meu primeiro e único mês na operadora nova – ao menos, como ressaltam na propaganda, tenho total liberdade para permanecer com eles o tempo que eu quiser, sem multa ou algo assim. É uma pena que esse exemplo de desrespeito seja uma parte ínfima de um monte malcheiroso e enlameado, amontoado por esse cartel de exploradores e com total anuência do poder público – ambos devem ilustrar seus cafés no corredor com historinhas do gênero, em meio a gargalhadas.
Em tempo: é provável que, em breve, eu precise de um advogado com experiência em defesa do consumidor. Sugestões?
Atualizado: acabo de receber um e-mail, do tipo “estou tentando falar com você no celular urgentemente, mas não consigo”. Enfim, dos males o menor: se a operadora tentar me ligar para cobrar, também não vai conseguir. Rá!
Putz! Que meleca!
Bom, eu e o Rodrigo migramos da Claro pra Oi, ele para um oi-conta básico e eu pra um oi-controle, e não tivemos dor de cabeça até agora.
Mas, no fundo, essas operadoras fazem o que bem entendem, né? Ficamos à mercê delas… :S