A Ceila Santos vai me bater se eu meter o pau no MediaOn, seminário internacional de jornalismo online promovido essa semana pelo Portal Terra, em conjunto com o Itaú Cultural. Independente das próximas linhas, ela sabe que eu adorei o evento. É sempre muito proveitoso juntar cabeças num espaço comum e, depois de dois dias absorvendo idéias, juntar algumas rodinhas e reprocessá-las. Essa, sem dúvida, foi a grande experiência: rever amigos e conhecer gente bacana, com todos refletindo o tema – e se divertindo – juntos.
E o que eu achei das palestras? No geral, quem coloca a mão na massa todos os dias há alguns anos encontrou poucas novidades, tanto no modus operandi digital quanto na busca frenética pela audiência dos celulares. Em compensação, lamento muito pela ausência de alguns “cabeças de bagre” na platéia: eles poderiam sair dali repensando alguns conceitos retrógrados e, quem sabe, levar a sério a utópica “mudança de paradigma”. Aliás, teve uma painelista (o Fugita sabe quem) que ficaria muito melhor como espectadora.
No meu caso, não conhecia a France 24 e como os blogueiros franceses participaram da cobertura eleitoral na agência, segundo Derek Thomson; anotei no meu dicionário as expressões “midiamorfose x midiacídio” e “revolucionários x evolucionários”, do professor Rosental Calmon, e as teorias de comunicação pós-massiva, do meu ídolo André Lemos; e no meio de exposições que poderiam ser substituídas por releases contando as qualidades de seus produtos, ou arquivos PowerPoint feitos minutos antes do seminário, concedi medalha de ouro ao argentino Julián Gallo pela apresentação mais criativa. Se bem que, dizem, a mais bacana foi a única que não pude ver, sobre comunidades. É o preço de quem prefere contatos pessoais à útil, porém distante, transmissão via streaming.
E a maior gafe? – Descontando a “Fugita Sabe Quem”, as mancadas da tradução simultânea (que não conseguia transmitir com clareza nenhuma pergunta da platéia aos visitantes angloparlantes) e duas escorregadas da Sílvia de Jesus, da RBS (sou um grande fã dela, por isso perdõo seus “jornais estatais” e “um pouco de numerologia”), a imagem negativa do seminário ficou por conta da simpática e esforçada, porém atrapalhada equipe de organização.
A inscrição já deixava a coisa esquisita: após preencher o formulário, incluindo um mini-currículo, eu teria que ser selecionado pela organiação. Não encontrei meu nome na primeira relação de convidados, tampouco na “lista de espera” (no início, pensei que cometi uma burrada ao dar o link do blog…). Quando já não esperava mais nada, a Fernanda Cerávolo, uma das curadoras do evento, se apresentou como “o anjo da guarda das listas”, garantindo o meu nome nesse verdadeiro esquema “maçônico”.
Acredito que o mesmo tenha acontecido com dezenas de interessados, que compareceram bem cedo ao Itaú Cultural (eu cheguei cedo demais, a ponto da recepcionista não saber o que estava por vir). O credenciamento só começou meia hora antes do primeiro painel (um pouco tarde para quem esperava 250 pessoas). Quem estava na lista de inscritos ganhou um crachá e uma pastinha, mas não assinou nenhuma lista de presença (como vão saber que fulaninho esteve mesmo ali?). O meu nome, assim como o de dezenas, não estava (e aquele papo de “anjo da guarda”?).
Sem perder a calma e a educação (por isso merecem todos os elogios), os organizadores resolveram a pendenga da maneira mais simples: como sobraram lugares (o que queriam com seminário gratuito sob a batuta da Lei de Incentivo à Cultura?), simplesmente disseram: “ah, entra lá, depois a gente vê”.
Mal sabiam eles que, ao criar um laço de confiança com os usuários e ignorar o “firewall” do credenciamento, estariam desprotegidos. Qualquer um poderia “invadir o servidor”, aproveitar a presença de alguns medalhões da mídia e propagar alguma mensagem indesejada em momento inadequado.
Pois não é que isso realmente aconteceu?
O Homem-spam! – Ele é um senhor bem vestido, chegando aos seus 50 anos, certamente com alguma formação acadêmica e algum conhecimento mínimo do processo de relações interpessoais. Carrega consigo um título bacana, como professor ou consultor. Passou longos anos de sua vida debruçado na maiêutica, antiga teoria socrática baseada na reflexão do homem em busca da verdade e do caminho para a paz e bem. Fortaleceu sua teoria com alguns conceitos religiosos e… Bem, você vai saber a seguir.
Difícil dizer o que leva um homem desses a cometer uma falha tão primária em sua estratégia de comunicação. Preocupado com o avanço da violência, nosso amigo – que, diga-se, não tinha seu nome na lista, entrou no auditório e, na primeira oportunidade, ignorou as regras da boa convivência e, ao invés de participar do debate jornalístico, disparou seu discurso da salvação.
“Eu tenho a verdade!!! A cura dos nossos males!!! Hoje temos martírio, ritual e doutrina. E isso está errado!!! Vocês, homens da imprensa, precisam urgentemente divulgar a verdade!!! Pessoas como vocês só perpetuam o preconceito que a humanidade têm contra a lei da vida!!! Visite meu blogspot! Veja minha palestra! Entrem no youtube e digitem blablabla…”.
Foram longos minutos até que Ricardo Noblat, gente boníssima que não precisava passar por isso, tentou responder ao Homem-span como pôde… No intervalo, lá estava ele na porta do salão, munido de centenas de panfletos, xerocados em folha sulfite. Era importante conhecer suas teorias, seja em áudio ou por escrito.
Enfim, o que faz alguém com a missão de propagar mensagens a qualquer custo, independente do meio? Não desiste nunca, é claro! Diante do radialista Milton Jung, do presidente do Ig Caio Tûlio Costa, e do ombudsman da Folha Mário Magalhães, decidiu apelar de verdade. A platéia, que já suspirava algo como “ai, não, esse cara outra vez”, ficou de boca aberta com seu segundo discurso – que deixaria o “futurista do NYT” morrendo de inveja.
“A verdaaaaaade!!! Digam não ao martírio, ritual e doutrina!!! Eu tenho a solução para o problema da violência no Brasil, o conhecimento da vida!!! Nosso povo está degenerado, o sexo era para ser a fonte da vida, agora é a sodomia!!! O seu jornal erra ao dizer que os desvios do coito e a sodomia simplesmente de sexo anal!!! Vocês precisam informar o povo, isto é sodomia, e isso gera desvios de conduta!!! Ajudem a transmitir a verdaaaaade!!! Visite meu blogspot! Veja minha palestra! Entrem no youtube e digitem blablabla…”.
Pena que não soube como fizeram para traduzir isso aos angloparlantes da platéia. Enfim, passaram alguns segundos de consternação até Milton Jung pedir para um dos convidados responder a… Enfim. Caio Túlio falou sobre o que podia: na penetração (sem maldade) da Internet na população do Brasil, disse que são 20% da população, que ainda é pouco, vai melhorar… Mário Magalhães mostrou sua inteligência e, educadamente, deu a resposta que todos gostariam de dar.
– Sobre a sua observação, e como representante dos leitores da Folha na redação, terei o maior prazer em encaminhar suas ponderações, para que possamos amenizar o que te aflige.
Aplausos, seguido de um grito contrariado (“isso não aflige a mim, mas a todo o Brasil!!!”), seguido de um uníssono “sssssshhhhhhh”.
Para finalizar: após o último painel, o Homem-spam continuou distribuindo seu panfleto no saguão do Itaú Cultural, até ser convidado pelos seguranças a se retirar. Deu dois passinhos depois da escada e, sorrateiramente, tirou mais papéis da pasta, distribuindo um por um a cada transeunte que saía, aos gritos: “já pegou o seu? É importante!”. Nem mesmo as pobres criancinhas, que estavam ali para uma exposição, foram poupadas pelo sujeito.
Imagine como vai ser quando ele descobrir o e-mail.
Para saber mais sobre o MediaOn, procure pelos posts da Ana Brambilla, além dos áudios do Gustavo Jreige.
é cada figura, hehehhe
É mesmo, o homem-spam. Eu me desviei dele na saída qdo distribuía os folhetos.
Ah, e entrei sem inscrição, mas só no último dia. No segundo dia, o do “Fugita sabe quem”, assisti pela internet.
Falou!
Pois é, e o homem-spam não falou que a sodomia era mais prejudicial ao mundo do que a bomba atômica ou algo do tipo? hahaha
O pior é que tenho a impressão que esse cara já tinha feito o mesmo em outra palestra que participei, no ano passado, chamada “O Controle que a Mídia Exerce sobre a Mente das Pessoas”, que aconteceu na Bienal do Livro e teve o ex-presidente da CNN Internacional Sidney Pike, além de diversos jornalistas veteranos da TV Cultura. Teve um que fez o mesmo.
E, acho, também falando de sexo anal… Vai saber…
Não vi o homem-spam agindo nos corredores, apenas presenciei o absurdo enquanto estávamos na platéia. Te bater? hahahahaha….só tenho a lhe agradecer, meu caro pensador! Já teve outros eventos melhores, mas o fato de ter um grande dono de conteúdo por trás de um evento de jornalismo assim é o que me faz olhar com bons olhos, mas concordo com cada palavra que diz aí em cima.
Sensacional! Faltei no último dia e não vi o homem-spam em ação.
Tu decorou o blogspot do cara? Fiquei curioso…
1abs
Tá de parabéns por ter conseguido memorizar e registrar as frases do cidadão!