Salvador (BA) – Minha última experiência no Pelourinho não tinha sido lá muito positiva. Estava passeando com a família, imaginando que todos iriam sentir a vibe positiva dos tambores, paralelepípedos e fachadas coloridas do centro histórico de Salvador. Mas meus pais não acharam nada confortável: sentiram-se oprimidos pelos olhares nativos, sedentos por moedas em troca de sorrisos e presentes.
De fato, os habitantes tratam o turista de maneira bastante peculiar, tentando conquistá-lo com sucessivas abordagens, que quase sempre podem parecer intrusivas. Fico imaginando se meus pais tivessem assistido ao filme “Ó Paí Ó” antes de viajar… Ainda que fosse um recorte romantizado daquele pedacinho da Bahia, certamente a tal sensação opressora seria potencializada ao extremo.
Enfim. Tive a chance de tentar desmistificar essa imagem de uma forma “hardcore”: uma caminhada no Pelourinho à noite – isso sim é capaz de assustar – e ao lado do Narazaki, que apesar da baianidade nagô nas veias, estampa nos olhos puxados o maior estereótipo de um turista. Para deixar a coisa ainda mais emocionante, fomos de ônibus, desembarcando na soturna Praça da Sé.
Tinha certeza de que não levaria muito tempo para surgir um nativo, como por encanto, soltando o clichê “sorria você está na Bahia” e amarrando uma fita do Senhor do Bonfim, essa espécie de “spam físico soteropolitano”. Batata. Foi só encostar no muro ao lado do Elevador Lacerda para uma baiana estranha brotar do nada, desejando boa noite.
Ela devia ter uns trinta e poucos anos, mas as marcas da vida lhe davam pelo menos mais uns dez. Faltava alguma coisa entre as manchas escuras em seus dentes incisivos. Carregava uma porção de badulaques típicos, e foi logo pendurando um no meu pescoço.
– É do Olodum, eles vão tocar hoje. Nem eu nem você, calma, fique tranquilo. Isso aqui é um brinde. É de coração.
Logo depois, amarrou a fitinha-padrão.
– Tem que ser baiana pra fazer isso. Muito axé. Nem eu nem você. Hoje é meu aniversário, visse? Não esquece dos pedidos. Paz, amor e saúde, né?
Percebi que essa lorota das fitinhas definitivamente não funciona. Meus três pedidos eram “faça sumir essa senhora imediatamente”.
Ela ficou ali, e passou a oferecer correntes prateadas (deve ser lata), com diversos pingentes, hmmmm, típicos.
– Vocês não gostam de tumulto. Eu sei chegar nos turistas. Chego lá, faço um agrado, que nem o casal ali. Queriam que eu levasse eles no Pelô, sacumé, tinham medo e tal. Agora olhe, pra me ajudar. Estou grávida, visse? Esse é o agogô, e aqui um de berimbau, também da capoeira. Nem eu nem você. Aqui é a baiana, um símbolo. Eu sei o que eu to fazendo, sou do terreiro da mãe menininha, óia a guia aqui.
Logo anunciou a extorsão. A correntinha com berimbau custava R$ 20. As outras, R$ 15 cada.
– Olhe aqui, essas duas por quinze, mais essa por vinte, mais essas fitinhas aqui. Nem eu nem você. Preciso comemorar meu aniversário. Você é bróder, gostei de você. Agora some aí, quanto dá essas aqui?
Narazaki, despretensiosamente, disse: “quarenta”. Eu confirmei, tentando disfarçar o cinismo. A tia se perdeu nos cálculos e sacou mais duas correntes vagabundas.
– Tenha calma, fique tranquilo. Nem eu nem você. Faço todas essas aqui por quinze.
Já estava quase topando a pechincha, até que a louca se recompôs: queria ter dito “cada uma por quinze”. Era difícil se livrar dela. Narazaki até que conseguiu: “eu moro aqui”, afirmou. Eu não tive a mesma sorte.
– Vou fazer o seguinte. Não tenho muito dinheiro comigo, vou ver aqui as notinhas que me sobraram e a gente escolhe aqui quanto pode ser, tudo bem?
A maluca se desesperou. Botou mais uma correntinha e outras três ou oito fitinhas no bolo. E tome nem eu nem você, não sei o quê não sei o quê compra logo essa porcaria por quarenta reais.
Imaginava que tivesse pouquíssimas notas na carteira. Estúpido: a maior delas estava bem visível:
– Ali! Cinquenta! Tem cinquenta ali! Tome, segure dez. É seu. Nem eu nem você. Tome mais fitinhas. Tem muito axé. Calma, fique tranquilo. Eu gostei de você, é de coração.
Ofereci trinta. Ela não quis. Devolvi os dez e duas correntes. E a baiana me deu dois beijos na minha face! Nem eu nem você!!! Maldita nota de cinquenta. Maldita baiana. Pra piorar, me aparece a filha, uma criança de no máximo sete anos.
– Deus vai te dar em dobro isso aí.
Vai, sim. Vou entrar em oitenta igrejas de Salvador e pedir um real de cada fiel para conseguir esse dobro. “É pra ela almoçar”, completou a malandra. Pedi um sacolinha para enfiar aquelas tralhas, ela saiu correndo em direção à sorveteria Cubana. Voltou rapidinho.
– O seu coração é pequenininho, mas o saco é grande – finalizou a rampeira, já com os R$ 40 na mão… Vontade de dizer que a senhora mãe dela, aquela hora da noite, estaria na zona. “É, ela te levou no bico”, gargalhou Narazaki, mesmo sabendo que aconteceria o mesmo com ele.
Nem eu nem você, Nara. Devia era ter dado ouvidos aos meus pais.
Moral da história: guards suas notas de cinquenta com muito cuidado… 😀
Como diria meu ex-professor Pachecão, “o problema da Bahia é que tem muito baiano”…
Caraca…!!!
Sou de SP e to morando na Bahia há uns 6 anos…. e é isso mesmo que acontece!! Surreal! Insuportável.
E vc ainda deu sorte que foi uma baiana, e não um daqueles meninos que grudam e nempor dinheiro eles te largam…..
Nem uma drogada que fica “em cima” da gente querendo levar o nosso milk shake da cubana….
Nora zero pro Pelourinho – infelizmente!!
hauehauehauehuaheu
Eu tô rindo com o tal “visse”!
=D
Êta baianada…
Ah, eu gosto da Bahia, André.
Olá André,
Que vontade de estar em Salvador…
Vim fazer um convite para uma blogagem coletiva. Dia 22 de Abril é o Dia da Terra. Precisamos rever e refletir sobre as nossas ações. Se puder, participe e divulgue. Para maiores informações, dê uma lida nesse links:
http://www.verbeat.org/blogs/facaasuaparte/2008/04/dia-da-terra-convocacao-geral.html
http://www.ladybugbrazil.com/2008/04/06/blogagem-coletiva-pelo-dia-da-terra-22-de-abril/
Faça a sua parte.
Hahahahahahahahahahha! Mas o que é que os dois turistas estão fazendo em Salvadô? Amei o “nem eu, nem você”, já adotei! É melhor do que “veja bem”. Beijos! 🙂
Mas que idéia, francamente, ir ao Pelourinho à noite! Quando fomos a Salvador em 1990, já estava difícil. Imagina em 2008.
Dinheiro à vista ainda por cima. Tem certeza que você estava sóbrio? Nem Caetano nem o Gil escapariam incólumes.
Tudo bem. trouxe umas fitinhas do Senhor do Bonfim e te mando umas três com condição de não ir ao Pelourinho de noite nunca mais.
Hã… compras perdulárias?
putz!
Foi literalmente engambelado pela baiana!!
“Compras perdulárias”? Hahahaha, o comentário do Trotta foi ótimo!
Ai, André, eu já passei por situações quase idênticas a esta em Porto Seguro, nas vezes em que fui visitar meu pai. Odiava, odiaaaava! Tem que ter muita calma nesta hora pra não querer briga. :/
Espero que agora você olhe bem na sua carteira antes de dar as caras no Pelourinho. Deixa uma nota de dez e olhe lá.
Olha, fique tranquilo, mas acho que essa baiana era uma entidade. Nem eu nem você.