Em 1985, eu cursava a segunda série do ensino primário. Meu horário era da uma às cinco – em alguns dias chegava antes, a contragosto, para a horrenda aula de Educação Física. O professor Adaílton chegou a procurar minha mãe na reunião de pais e mestres para questioná-la “por que esse moleque fica sentado num canto ao invés de jogar com os outros”.
Legal mesmo era a “tia” Miriam. Quer dizer, talvez só eu achasse. Ela alternava momentos de doçura e simpatia com gritos histéricos de silêncio, em uma busca insana por disciplina. A “tia” Miriam era a responsável por todas as aulas: desde as noções elementares de matemática, como conjuntos (pertence e não-pertence, união e interesecção), língua portuguesa (sinônimos e antônimos, diminutivo e aumentativo), ciências e estudos sociais (que, num futuro distante, iria conhecer como história, geografia, física, química, essas coisas de ginásio).
Dois anos mais tarde, eu viria a descobrir as vantagens de estudar pela manhã… Naquele ano, no entanto, acordava preguiçosamente tarde; continuava de pijama diante da TV em minha sala acarpetada (infelizmente, levei ainda mais tempo para descobrir que aquilo alfinetava minha rinite). Pouco depois do meio-dia, já almoçado, esperava o “tio” Manoel (outro gasto desnecessário, já que minha escola ficava a poucas quadras).
Sempre fui um moleque alheio à brincadeiras, mesmo naquele velho ônibus Marcopolo. Preferia trocar idéias estúpidas com alguns dos meus amiguinhos. Que, diga-se, eram poucos: alguns malas zombavam comigo, por causa do sobrenome. Meus oito anos coincidiram com uma propaganda de bonecos da Turma da Mônica, que apresentou o casal Chico Bento e Rosinha. E alguns babacas do ônibus cantavam isso, apontando para mim na hora do “Rosinha”.
Só brincava de queimada, polícia e ladrão ou andava de bicicleta com a vizinhança nos finais de semana: quando voltava, era mais TV, lição de casa, jantar e cama. Mas quando o final de semana chegava, tanto o agito da rua quanto o meu antigo Odyssey (e ai da criança que não tivesse um videogame em casa…) ocupavam meu tempo livre. Também gostava das minhas despretensiosas leituras infanto-juvenis, como a Série Vaga-Lume ou o Tio Patinhas, além de perder algum tempinho com o meu rádio de pilha.
Nem faz tanto tempo assim… E entre as crianças da época, algumas faziam estripulias ainda maiores. Todas cresceram naturalmente, apanharam dos pais e da vida, fizeram escolhas erradas para acertar na próxima… Detalhes que nos transformam em adultos na medida certa. Exatamente o oposto de João Vitor, que aos oito anos já está na quinta série (entrou no ensino fundamental com três?), experimentou um vestibular (com direito a redação sobre compras perdulárias) e foi aprovado no curso de direito.
Muitas coisas me deixaram perplexo diante desse episódio. A pior delas: João Victor é, indiscutivelmente, um garoto fora-de-série. Mas dentro das exigências normais, como a simples conclusão do nível médio, a universidade sequer deveria ter aceito sua inscrição para o vestibular. Foi mais longe: autorizou a matrícula! E só veio com esse papinho de “treineiro” quando o caso chegou à mídia – já que não há qualquer diferença entre uma modalidade e outra. É quase como o Disque-Facu!.
A segunda: os pais querem fazer a vontade do menino, que é “ser juiz, mandar soltar e mandar prender, essas coisas”, e insistem em levá-lo para a faculdade! Tudo bem que, no mundo de hoje, quanto menor o tempo perdido para atingirmos nossos objetivos profissionais, melhor. Mas tudo tem um limite, e aceitar com naturalidade a presença de uma criança em uma sala onde se discute métodos científicos e teoria geral do processo é muito esquisito.
Por último, mas não menos importante: se você tem oito anos, aprovado ou não no vestibular, tem todo o direito de pensar nisso apenas daqui a dez anos. Enquanto isso, vá brincar na lama, cair com um par de patins, jogar fliperama, empinar pipa, jogar bafo, colecionar times de botão… Ou qualquer outra coisa divertida que fazemos com essa idade. Porque quando a faculdade chegar de verdade, essas boas lembranças vão fazer falta.
Oi, André.
Obrigado pelo link para o Tudo em Pauta que você postou no rodapé do blog.
Um abraço!
O garoto é geninho. Aqui nos EUA as crianças super-dotadas fazem faculdade. Se são formadas com exercício de juiz, acho que não, pois para o exercício é exigido o exame do Bar. No Brasil acho que também há exame para exercício da advocacia.
Sua infância foi muito parecida com a minha exceto o hábito da TV.
Achei um absurdo… é mais uma prova de que há muitas faculdades (que nem deveriam ter esse nome) que, basta vc perder o RG na porta que vc já estará matriculado no dia seguinte.
Para um garoto, que, como ele mesmo disse, nunca viu física e química (portanto ele chutou essas), ficou com pontuação igual a de muitos marmanjos… ou os marmanjos foram muito mal, ou o nível é péssimo mesmo, ou as duas coisas.
Ao final do texto, onde você aconselha quem tiver oito anos a fazer coisas próprias da idade, visualizei um monte de molequinho lendo o blog do “tio” Marmota.
Quanto a zoação dos seus coleguinhas de ônibus, devo registrar que na minha humilde opinião esse seu nome de André Rosa é das coisas mais fofas do mundo.
Um beijo.
André!
Acho que pensamos mais ou menos junto.
http://www.clubeletras.net/blog/topetem/o-caso-joao-victor-portelinha-de-oliveira/
Abs!
Sérgio
Lembrei muito da minha infância.. que saudades que tenho e como foi boa.
Se foi dificil aos 18 anos escolher o que queria fazer da vida,como pode alguem com 8 ter tanta certeza… é no minimo muita influencia dos pais que não deixam ele ser criança.
Bjus e bom fim de semana
Assino embaixo! 🙂
Adorei seu post, André. Realmente, criança tem que ter estas memórias que você teve. Imagina os dilemas do João Victor logo mais: “jogo Playstation ou estudo Direito Processual Penal II??”.
E pior de tudo: tenho certeza que eu teria passado no vestibular pra jornalismo da minha atual faculdade se tivesse prestado aos oito anos! Hahahaha!
Sério, e pra ajudar o tema da redação foi “minha escola inesquecível” e, a julgar por boa parte dos meus colegas, imagino o nível das redações… não devem diferir muito do que a gente escrevia na segunda série, tipo “minhas férias na fazenda”.
Tá uma palhaçada tudo isso. O Tuca fez um comentário engraçadíssimo ao meu mini post de ontem, que também abordou este caso.
Disque-Facul veio com tudo mesmo. :/
Esse menino faz parte de uma raça mutante, resultante ainda da radioatividade residual do césio 137, que ficou lá em Goiânia.
Cheguei a essa conclusão depois de ter ouvido uma declaração do pai dele, onde o mesmo afirma que as crianças estão cada vez mais evoluídas. Como exemplo, ele citou bebês que já nascem com dentes. (meeeedo…)
Goiânia: a capital brasileira dos X-Men!
(quem quiser confirmar isso – e tiver paciência pra tanto -, segue aqui o link do vídeo que mostras essas declarações surpreendentes: http://educacao.uol.com.br/ultnot/2008/03/08/ult105u6301.jhtm)