Normalmente, a expressão “Marmota indica” vem precedida de alguma sugestão gastronômica. Mas a visita que fiz essa semana às novas instalações da Livraria Cultura, vão deturpar um tiquinho o objetivo desta série.
Claro que a simples reinauguração da loja no último dia 21, comemorando os 60 anos de sua fundação, já seria um bom pretexto para dar um pulinho no Conjunto Nacional. Uma razão extra veio em forma de presente de aniversário: meu grande amigo Marcelo embrulhou para presente um livro que havia emprestado há tempos, provocando uma brilhante cena cômica. Uma folheada rápida trouxe um vale-presente da livraria – o kit revelou-se um excelente regalo: além das risadas, ganhei um “passaporte” para conhecer a loja obrigatoriamente.
Já estava empolgado desde a semana passada, mas na minha primeira tentativa, encontrei as portas fechadas. Logo descobri que, dois dias após a abertura, a loja precisou atender algumas exigências do Contru, relacionadas à sinalização de extintores e saídas de emergência.
Enfim, consegui entrar, com alguns dias de atraso. Sem mais delongas, vamos aos quesitos de sempre.
Localização: *****ÓTIMO. Mas tenho que admitir: pensei um pouco antes de conceder a nota máxima. Tá, eu sei que é ridículo pensar que o Conjunto Nacional (Avenida Paulista 2073, encostado ao Metrô Consolação) tem localização ruim. A verdade é que estou mal acostumado com a Fnac Paulista, onde eu só preciso atravessar a rua para chegar – o que me garante alguns minutos de ócio antes de bater o cartão.
Ah, mas não tem desculpa. Uma caminhada de vinte minutos é o suficiente para separar os 1200m que separam uma loja da outra. E o que são vinte minutos dentro de uma livraria como a Cultura? Praticamente nada.
Ambiente: *****ÓTIMO!. Quando soube que a loja seria instalada no mesmo espaço onde funcionava o Cine Astor, logo me veio à mente o prédio do El Ateneo Grand Splendid, em Buenos Aires. Antes de se tornar uma das maiores livrarias da América Latina, o lugar também abrigara cinema e teatro. E a solução de preservar a arquitetura original, instalando estantes de livros no piso inclinado onde existiam poltronas, ficou perfeita.
A nova Livraria Cultura também tem as “estantes inclinadas”, e ao lado delas, vários pufes coloridos ou sóbrias poltronas e sofás de couro preto para qualquer um se refestelar e folhear alguma novidade. Mas para chegar ali, o visitante acostumado ao Conjunto Nacional é guiado por placas, instaladas nas fachadas dos antigos cafofos da Livraria, trazendo fotos de funcionários com livros abertos na cabeça (simbolizando a “casa nova”).
Então damos de cara com uma rampa sustentada por impactantes treliças metálicas. Não tem como não subir nela. E antes de esbarrar no tradicional quiosque dos “mais vendidos”, outra surpresa: carpete com quadrículas em tons vermelhos e amarelos, reforçando a iluminação perfeita. E o que dizer do dragoozão de madeira, instalado na seção infantil?
O mais legal é que agora toda a Cultura está num espaço só, em amplos 4300 metros quadrados. Eu adorava passar longos minutos na estante de guias de viagens, que ficava num distante segundo piso da mais estreita das quatro casinhas de outrora. Agora os guias estão no primeiro piso, à esquerda dos caixas – que ficam bem no meio da loja.
Atendimento: *****O DE SEMPRE Tente ficar parado, inerte, em frente a qualquer estante. Pode ser que não seja o seu dia de sorte, mas em condições normais, pode ter certeza: vai aparecer alguém e perguntar: “posso ajudá-lo?”.
Para complementar esse item, uma frase pinçada da reportagem da Vejinha sobre a nova livraria: “Seus balconistas são famosos por procurar títulos do alemão Nietzsche ou do russo Dostoievski sem precisar pedir ao cliente para soletrar o nome dos autores”. É isso.
Cardápio: *****ÓTIMO. É, a rasgação de seda tá forte, daqui a pouco o Bear aparece aqui e diz “com todo respeito, tá parecendo propaganda isso aqui”. Mas o que eu posso fazer se, qualquer livro que eu pensar em comprar, seja ele em português, inglês, espanhol ou francês, está lá? É preciso invocar novamente a lembrança da Fnac, a maior concorrente da Cultura: enquanto a multinacional francesa reúne 150 mil títulos em seu catálogo, a Cultura tem dois milhões.
Para incrementar o menu, algumas opções que não existiam antes. Revistaria, CDs e DVDs, um café (da rede Viena) e um teatro com 166 lugares, que terá como diretor artístico um dos “professores” do Ricardo Oshiro em seus tempos áureos de ESPN, o ator Dan Stulback.
Preço: ***BOM. Até porque, infelizmente, livro ainda está longe de ter preços populares no Brasil.
Avaliação geral: *****ÓTIMO. Eu tenho uma teoria: de que vale abrir um bar muito lindo e com bebidas de todas as partes do mundo se, desde às dez da manhã, tem sempre uma porção de cachaceiros jogando dominó e arrumando encrenca? Claro que estética e conteúdo contam muito em qualquer estabelecimento, mas o que faz a diferença são as pessoas.
Dá pra reconhecer aquela dondoca, que ouviu falar da novidade e foi lá ver como a loja é fashion (só não comprou a Caras para não dar bandeira). Mas tirando um ou outro corpo estranho, é possível se surpreender. Eu mesmo passei por três situações inusitadas – começando num encontro casual com Pedro Herz, o dono da livraria, que atendia pacientemente uma equipe de fotógrafos. Reconheci seu rosto e sorri, gesto que foi gentilmente devolvido.
A segunda foi no caixa – óbvio que o vale-presente do Marcelo só serviu pra “inteirar” a mega-compra que fiz. Subitamente, um simpático senhor me abordou. “Olha, eu vi essa semana no site da revista X uma apresentação muito interessante a respeito do assunto tratado nesse livro aqui. Acho que você deveria ler também, vai valer a pena”. Fiquei tão embasbacado e feliz com aquele diálogo, a ponto de esquecer que estava em uma cidade fria e impessoal como São Paulo.
Já estava de saída, quando a Livraria Cultura impôs a terceira e última lição sobre pessoas. Típica cena de filme: uma linda jovem, cabelos castanhos ondulados, entusiasmada com aquelas publicações todas, derruba o livro do mostruário, que cai exatamente no instante que eu passo. Decido me abaixar e ajudá-la. Enquanto ouço um “obrigado”, a mocinha esbarra novamente, deixando cair outro exemplar.
Qualquer cidadão preparado e gabaritado saberia o que fazer nesse exato instante, capitalizando essa oportunidade única de estabelecer contato com alguém potencialmente interessante, e que pode se transformar ao menos em uma agradável fonte de troca de idéias. Bom, a minha atitude não pode ser considerada, digamos assim, aquele primor de gentileza.
“Minha nossa, hoje é um dia em que nada dá certo, hein, ô?”, resmunguei. E saí, apressadamente. Talvez eu tenha que passar mais vezes na Livraria Cultura e procurar alguma coisa sobre “o be-a-bá dos relacionamentos interpessoais”.
São Paulo precisava de uma livraria assim – mais que uma livraria, o lugar vai virar atração turística da cidade!
Quase fui ontem, para o lançamento do livro do Reali Jr., mas o frio me espantou. Passarei lá no fim de semana, sem falta.
Super rasgação de seda…rs.
E há toda aquela discussão sobre as megastores que matam as livrarias pequenas e tal, mas confesso que também me embasbaco toda com uma FNAC ou uma Cultura.
Até porque as duas chegaram a pouco tempo em Brasília, coisa de 5 anos acho. A Cultura menos. E não sei se é assim em outras Culturas, mas uma coisa que me chateia na daqui é a não existência de livros óbvios. Monteiro Lobato, por exemplo, não tem, mas o Pequeno Príncipe em 15 línguas diferentes tem.
Ah, então é por isso que tem aquela rampa na entrada, hehehe! Que legal, não sabia dessas coisas! E nem consigo imaginar onde fica o teatro. Não achei nenhum teatro!
Só fico decepcionado de vc ter vindo DO LADO de onde eu trabalho e nem me avisou pra gente ir tomar um café! 🙂
Abraço!
Eu AMO a Livraria Cultura (mesmo eu trabalhando para a concorrência). Meu sonho é trabalhar para a Cultura, porque aquilo, sim, é que é atendimento. Gente que gosta do que faz e é competente… diferentemente de outras livrarias grandes apenas no espaço…