Por Adriano Trotta
Julho de 2005. Iria acontecer o jogo mais importante para o São Paulo Futebol Clube nos últimos tempos. Era a final da Copa Libertadores da América, contra o Atlético Paranaense. Sob protestos da diretoria atleticana, o primeiro jogo da final foi marcado para o estádio do Inter, em Porto Alegre, devido à falta de estrutura da Arena da Baixada na época. E, graças à melhor campanha na primeira fase, o Tricolor teria a vantagem de decidir em casa, no estádio do Morumbi.
Desde a era de Telê Santana, o torcedor ouvia que o São Paulo vivia de museu, com o bi mundial conquistado em 93. Porém, após a eliminação em 2004 nas oitavas de final, desta vez a confiança era grande de que o título da principal competição continental seria são-paulino.
Eu pretendia comprar meu ingresso com antecedência, junto com um amigo são-paulino do trabalho. Porém, antes mesmo do jogo de ida, os mais de 70 mil ingressos para o segundo jogo, no Morumbi, já estavam esgotados. Cambistas cobravam R$ 120,00 por ingressos de arquibancada que, na bilheteria, tinham custado R$ 50,00.
— Relaxa — dizia meu amigo —, quando chegar mais perto da final, o preço vai cair.
Nos sites de torcida, o preço subia diariamente. No dia seguinte, um ingresso de cambista já custava R$ 150,00.
— Vai por mim, o preço vai cair! Eu sei do que tô falando.
Mais um dia se passou, o preço estava em R$ 180,00 e não tinha mais arquibancada azul, só vermelha. Resolvemos ir até o estádio na hora do almoço e encarar os cambistas.
Incluindo outros amigos, a missão era comprar 7 ingressos e quem sabe conseguir um desconto. Ao chegar no estádio, havia 15 cambistas para cada torcedor. O primeiro vendia ingressos por R$ 180,00 e, ao ser consultado sobre um desconto, deu risada:
— Se quiser agora é R$ 180,00. Se voltar depois vai ser R$ 200,00!
Mesmo assim, resolvemos procurar mais. Após algumas negativas, eu já estava achando que ficaria de fora do jogo mais importante da história. Até que, finalmente:
— Se levarem 7 ingressos agora, faço por R$ 150,00.
A sorte estava mudando! Ainda sacamos dinheiro do caixa eletrônico do estádio — sob a vigilância de dezenas de cambistas, algo não muito aconselhável — e fizemos a compra. Tudo correu bem.
No carro, comemoramos a vitória! Enquanto voltávamos para o trabalho, eu observava os ingressos, orgulhoso, como se fossem a própria taça de campeão. E foi aí que eu li: “Jogo de 6 de Julho – Estádio Beira Rio – Porto Alegre”.
— Cara… esses ingressos são do primeiro jogo.
— Não, a gente comprou pro segundo jogo.
— Mas ele vendeu ingressos de Porto Alegre.
— Não, Morumbi.
— Tá escrito aqui, Beira Rio! Olha só…
Meu amigo parou o carro. Pegou os ingressos. Olhou. Leu. Fizemos uma conversão proibida e voltamos para o estádio.
Quem disse que encontrávamos o cambista? Perguntamos para os outros — “era um de boné azul, camiseta branca” — e ninguém sabia do maldito.
— Mas o que aconteceu? — perguntou um dos cambistas.
— Seu colega vendeu ingresso errado pra gente! Será que vocês não têm ÉTICA?
Achei que não era hora de tentar explicar para meu amigo que não existe um código de ética para cambistas.
— Ah, isso não pode! Se a gente pega, vai encher de porrada. Ele tá prejudicando nossa categoria!
Pelo menos tínhamos a ilusão de que os outros cambistas estavam do nosso lado.
Quando estávamos quase desistindo, eu vi. Lá estava ele. O mesmo cambista, o mesmo boné azul, a mesma camiseta branca. Descendo a ladeira numa corridinha, saltitante, olhando pro chão, como quem não quer nada. Eu apontei. Ele viu. Parou por um instante. Deu meia volta e começou a subir a ladeira, na mesma corridinha, saltitante, olhando pro chão, como quem não quer nada.
— Não senhor, volta aqui! — gritou meu amigo, nós dois corremos para alcançar o malandro. Eu com a mão no bolso, fazendo de conta que tinha uma faca, ou coisa parecida, sei lá. Certamente não estava enganando ninguém.
— Escuta aqui, meu amigo! Esses ingressos que você vendeu são pro jogo errado!
— Jogo errado?
— Isso mesmo, e você sabe muito bem! Queremos o dinheiro de volta!
— Não, peraí, vamos conversar… vocês querem ingressos pro jogo do Morumbi, não é? Eu consigo pra vocês, vou ali buscar, vocês podem vir comigo.
Fomos. Eu com a mão no bolso e meu melhor olhar ameaçador. Devia estar ridículo. Aparentemente, aquele era um cambista subalterno. O seguimos até um gordão, que deveria ser o cambista-mór (tinha uma mochila). Conversaram. O gordo nos olhou de cima a baixo, tirou lá os 7 ingressos da mochila e entregou para o de boné azul, que trouxe até nós.
— Aqui estão… são R$ 180,00 cada.
Filho da p*ta! Desgraçado! Lazarento! Depois de esgotarmos todo o nosso repertório de xingamentos, resolvemos pagar a diferença e ficar com os 7 ingressos mesmo. Sem deixar de conferir antes! Tudo pronto, fomos embora resmungando… mas felizes. Naquela mesma noite, o São Paulo empataria o primeiro jogo por 1 x 1 com o Atlético Paranaense, lá em Porto Alegre, no estádio Beira Rio.
Quatro dias depois, o grande momento! Às 21h45 do dia 14 de Julho de 2005, o Tricolor Paulista entraria em campo. Com o ingresso (certo) na mão, combinei de encontrar os outros 6 amigos duas horas mais cedo, perto do estádio. Já estava repleto de torcedores nas ruas. Meu ingresso era para a arquibancada vermelha, no lado oposto. Então, eu teria que dar a volta para entrar. Ou eu fazia o caminho mais longo, ou passava pela frente do estádio… no meio da torcida adversária. Escolhi o caminho mais curto.
Estava com um agasalho neutro por cima da minha camisa do São Paulo. Subi o zíper até em cima, peguei minha cerveja gelada, e fui. Quando estava mais ou menos no meio da multidão da torcida atleticana, ouvi uma voz:
— Me dá um gole dessa cerveja.
— Que cerveja, tá maluco?
— Essa cerveja aí, me dá um gole.
— Não vou dar, cara!
— Eu tô ligado que você é são-paulino. Se você não me der um gole, eu grito pra todo mundo aqui.
O distinto rapaz ganhou uma cerveja.
Depois de dar a volta, encontrei por acaso todos os meus amigos. Espera aí… todos? Faltava um.
— Ele disse que está vindo, vamos esperar.
Uma hora se passou, nada do último amigo aparecer. Mais meia hora, nada.
— Não podemos ficar aqui, vamos entrar!
— Mas ele disse que tá chegando!
— Ele encontra a gente lá dentro.
— Só que o ingresso dele tá comigo!
— Liga pra ele, vamos deixar o ingresso em algum lugar.
Era muita gente, a rede de celulares estava sobrecarregada. Depois de muito tentar, conseguimos telefonar para o perdido.
— Vamos deixar seu ingresso com a tia da calabreza! É uma barraca com o toldo azul, você chega aqui e procura. Vamos entrar!
Demos a descrição completa para a tia da calabreza. Se outro loiro de cabelo comprido chegasse lá, levava o ingresso. De qualquer forma, seguimos para a arquibancada vermelha.
O ingresso não passava na catraca. Maldito cambista! Conversamos com o policial, argumentamos. Ele nos deixou passar. A muvuca era grande, não tinha alternativa! Seguimos com a multidão, e vimos que a fila fez uma curva estranha para a direita. Logo estávamos no meio dos loucos da Torcida Independente, na arquibancada laranja! Cambista absolvido, o setor é que estava errado.
Voltamos no contrafluxo, em meio à gritaria e aos tambores. Pulamos a catraca para fora. Demos a volta. Contamos toda a história para o policial, argumentamos. E pulamos a catraca para dentro! A confusão era tanta que ninguém podia falar nada. Estávamos no setor vermelho.
Nunca vi o Morumbi tão lotado quanto naquele dia. A festa tricolor estava maravilhosa! Olhamos para o lado e quem encontramos? O amigo perdido que faltava! A tia da calabreza mandava lembranças. E a galera estava reunida!
Agora sim, todos juntos, assistimos ao jogo. No primeiro tempo, um gol de Amoroso. No segundo tempo, gols de Fabão, Luizão e Diego Tardelli. São Paulo 4 x 0 Atlético Paranaense! Tricolor campeão da Libertadores da América! O goleiro Rogério Ceni foi o artilheiro do time na competição, junto com Luizão, com 5 gols.
É, tudo não poderia ter sido mais perfeito.
Enquanto Marmota passa por dias perfeitos descansando e viajando, a série Colônia de Férias apresenta textos gentilmente preparados por seus amigos.
O Sr é um fanfarão Sr. 02!
Me publica na colônia de férias um texto já escrito seu de outro tempo???
Pede pra colocar na categoria certa então pelo menos!
risos!
Eu lembro dessa história!
Que sufoco, hein?
Caraca, que história… Muito engraçada, fiquei imaginando tua cara de malandro, rs.
Quando parece que vai dar tudo errado, no final deu tudo certo… Magnífico Tricolor e ôoo…!
Muito bom este texto. Vc consegue transportar o leitor para dentro dos fatos que estão sendo narrados. A gente sente como se estivesse vivendo a história. Isso me lembra as batidas de pés no chão e o berreirro assustado quando o mocinho estava quase alcançando o bandido na cavalgada desbalada em busca do bem e da justiça nas matinèes de domingo à tarde (hehe). Mas isto é outra história, que já vai longe no tempo e na memória. Voltaremos a conversar sobre isto em outra oportunidade.
Que sufoco para sair o dia perfeito, hein?
Muito bom esse texto, saudades do falecido Claquette! E laia!
Se eu sou a amiga perdida, nunca que encontro o ingresso com a Tia da Calabreza, mas nunquinha…hehe!
Bodas: A categoria certa seria o calhau? Hehehe! Pôxa, mas eu pensei que vc ia ser quem mais ia gostar desse texto, era seu favorito do Claquette!
Marília: Seu marido me ajudou a relembrar alguns pontos, pra eu poder reescrever, hehehe! 😉
Jana: Obrigado pelas suas sugestões pra me fazer lembrar dessa história!
Pai: Uau, como meu texto sobre futebol te lembrou dos faroestes de matinê de domingo? O.o
Fefa: Pois é, eu também não faço idéia de como o cara conseguiu encontrar o ingresso. Que ainda tava lá! XD
Obrigado pelos comentários. Abraços pra vocês!