É você sim, idiota!

Quantas vezes você se viu diante daquela pessoa que um dia foi tudo na sua vida, e no meio da última conversa, ouve a explicação para todos os problemas: “o problema não é você, sou eu”.

O assunto já foi tema de enquete do MMM em 2004. A conclusão da época é a mesma hoje. Você pode até ouvir essa frase batida com honestidade, mas ela sempre desperta dúvidas: “toda vez que leio essa frase, eu leio ao contrário: não sou eu, é você. O que, no fundo no fundo, é exatamente o que alguém quer dizer quando diz não é você, sou eu”, conclui sabiamente a minha amiga Laura. O tempo faz sumir com a situação chata pós-pé-na-bunda, desde que a gente esqueça tantos questionamentos e siga em frente de uma vez.

O tema voltou à minha mente no mês passado, depois de assistir ao filme argentino No Sos Vos, Soy Yo – versão em espanhol da velha desculpinha: “la historia que no conoces sobre las cosas que escuchaste mil veces”. Pena que ficou em cartaz em circuito restrito, por pouco tempo (talvez alguma loja virtual argentina já tenha o DVD).

Mas enfim, vamos ao filme. Javier tem 30 anos e é um cirurgião estabelecido em Buenos Aires, mas disposto a largar tudo para morar em Miami com Maria, sua futura esposa. Mesmo diante de uma relação monótona e chata, eles decidem se casar às pressas, justamente para adiantar a papelada do visto norte-americano. Para adiantar as coisas e sentir o terreno, Maria viaja primeiro. É o tempo de Javier pedir demissão, entregar as chaves do apartamento alugado e arrumar as tralhas para encontrá-la.

Só que um telefonema de última hora coloca tudo a perder: ao ouvir da imatura e confusa Maria um “não quero que venha, estou mal, não quero que me veja assim”, seguido de “o problema não é você, sou eu”, o mundo do agora corno Javier desaba completamente. E é na fase mais desesperadora do pobre homem que o filme, escrito e dirigido por Juan Taratuto, se desenrola, tornando-se uma espécie de manual: tudo que você não deve fazer após o fim de um relacionamento.

Seguem situações até exageradas e patéticas, mas que ficam até verossímeis com a interpretação do ator Diego Peretti, que transita facilmente entre o drama e a comédia. Extremamente deprimido, ele volta para a casa dos pais, onde resgata uma velha agenda de telefones para tentar sua “volta ao mercado” – algo tão desastroso quanto a idéia de comprar um cachorro ou mesmo seu retorno à mesa de cirurgia, onde a desorientação quase coloca sua carreira por água abaixo.

A perturbação de Javier, apesar de parecer caricata, é muito comum. Ao invés de tirar da cabeça a idéia de que Maria era tudo em sua vida, ele se agarra nela por muito tempo. E mesmo quando ele tem uma chance de espairecer, como numa sessão de cinema, ele se lembra que está sozinho.

Mas não falta gente para ajudá-lo em sua árdua tarefa de dar a volta por cima: desde o fiel casal de amigos até o impagável psicólogo (o ator Marcos Mundstock), que rouba a cena em suas poucas aparições. Seus clichês muito úteis (primeiro vem dúvida, depois a tristeza, e por fim a raiva; você não se apaixona pela pessoa, mas pela situação) não funcionam, a ponto do analista perder completamente a paciência com seu mais transtornado paciente.

Para alegria de Javier, esse é um filme que acaba bem. Ele consegue um novo lugar para morar, um emprego em uma clínica de cirurgia pástica… E natualmente, como deve ser, uma nova namorada. Aqui a proximidade com a realidade faz mais sentido: independente de como a sua vida ficou bagunçada após ouvir “o problema não é você, sou eu”, tudo volta ao normal assim que você se reencontra. Até mesmo Maria, o grande amor de sua vida, desce do pedestal e ocupa seu devido lugar.

(Não encontrei o trailer do filme, mas descobri no site Lo Que Yo Te Diga um rico arquivo em mp3 com alguns diálogos do filme e entrevista com o diretor).

André Marmota tem uma incrível habilidade: transforma-se de “homem de todas as vidas” a “uma lembrancinha aí” em poucas semanas. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (5)

  1. parece interessante. poderia até fazer um par com o filme Alta Fidelidade. A única diferença é que no filme americano a namorada do personagem principal diz que a culpa é dele mesmo, hehehehe.
    voltndo para a vida real o filme explora várias situações, de forma caricata como você afirma, e que realmente acontecem. quem nunca ouviu essa desculpa esfarrapada que jogue a primeira pedra.

  2. Sobre pessoas importantes do passado, acho que superei todo meu estoque de emoções hoje, teclando com um caso mal-resolvido de quinze anos atrás. Tudo por culpa do Orkut… e a conversa de ambos girou mais ou menos nesses termos – “o problema era comigo”…

    Honestamente, depois da conversa de hoje, sinto-me como se tivesse sido atropelado por um caminhão, depois por um trator, depois por uma carreta, depois por um ônibus, depois por um trem. Tudo na seqüência.

  3. O problema com essas comédias românticas ( pelo que entendi esse seria o gênero do filme) é que a gente tende a acreditar que na vida real também teremos um final feliz…

  4. Que dica interessante! Fiquei curiosa, eu que não sou fã de comédia-romântica, tenho que adimitir que o nome do filme é intrigante…rsrs
    quem será que nunca ouviu ou disse uma frase dessa?

    Muitlo bom esse blog!
    😉

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