Discussões sobre o hoax do Cardoso

Se você costuma navegar pela rede com alguma frequência já deve ter ter ouvido falar disso aqui. Ou mesmo ter recebido algum e-mail alarmista contando a história. Prometi a mim mesmo que só comentaria o tema quando ela desembarcasse na minha vida como na brincadeira do telefone sem fio.

Promessa é dívida. Nesse final de semana, meus pais vieram falar das imagens trágicas, do cartão de memória encontrado no mato, das fotos do passageiro gaúcho, do sujeito saindo para fora… Essas coisas que comovem qualquer um, mas que não passam de invenção. Pacientemente, chamei os dois para a frente do computador e disse: “deixe-me contar algumas coisas sobre a vida”. E E abri o blog do Carlos Cardoso, onde ele explica sua incrível e bem sucedida experiência antropológica. Realmente, muitas pessoas só lêem os títulos, e quando passam da primeira linha, não interpretam como deve.

Meu pai soltou um palavrão. Minha mãe suspirou, aliviada. E eu sorri, na certeza de ter feito a minha pequena boa ação do dia.

O assunto em questão rende uma série de discussões interessantes, a saber.

versão didática do clássico cartaz de Fox MulderEfeito “Orson Welles” na rede: Em uma das muitas repercussões do hoax, o jornalista Walter Sotomayor lembrou da clássica transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos”, feita por Orson Welles, em 1938. Muitos acreditaram realmente que o mundo estava sendo invadido por marcianos, e aquilo gerou pânico em toda costa leste dos Estados Unidos.

Não quero comparar o Cardoso ao Orson Welles, mas tomando suas próprias palavras, “as pessoas QUEREM acreditar”. E por falta de senso crítico, acabam engolindo qualquer coisa como sendo a verdade absoluta e incontestável. Mas os 70 anos que separam a transmissão de rádio das fotos por e-mail é que, dessa vez, toda essa turma que opta por pensar menos está conectada.

Então o efeito Orson Welles” é potencializado de maneira perigosa. Ou por pessoas inocentes que espalham a história pra sua lista de endereços ou os contatos do orkut, ou por um bando de trolls, que discutem e ofendem gratuitamente seus interlocutores em foruns e blogs por aí, graças ao anonimato provocado pela rede.

Cauda longa da ingnorância: Você já deve ter lido por aí o termo “long tail”, ou a sua tradução, “cauda longa”. É uma das palavrinhas mágicas da moda, usada principalmente para detectar um efeito de mercado potencializado com a Internet. Basicamente: existem produtos populares, os hits do momento, e produtos direcionados a alguns nichos, cuja procura é pequena, mas infinita. Enfim, para saber mais, vá ler quem realmente conhece.

A grosso modo, o mesmo conceito da “cauda longa” pode ser empregado para todos os assuntos recorrentes que circularam em nossa geração. Um exemplo é a baranga de Brasília. Quando o assunto pipocou na mídia, tive a infelicidade de escrever um texto com todas as palavras-chaves possíveis, o que atraiu uns 1500 cururus em um único domingo, cinco vezes o volume normal de desocupados dominicais. Isso foi em 2004, mas até hoje, um ou outro zemané cai aqui em busca da maldita história. Traduzindo: não existe assunto batido que ainda não tenha o mínimo interesse.

A onda provocada pelas tais fotos vai seguir o mesmo caminho. Desde o dia 26 de outubro, quando o Cardoso lançou a história, a avalanche vai chegar ao seu máximo, até a história começar a esfriar aos poucos. Mesmo assim, dentro de alguns bons anos, vai ter algum cururu encaminhando a mensagem, ou ainda provocando pelo passageiro gaúcho cujo cartão de memória foi encontrado no Mato Grosso…

Jornalismo open-source do mal: O conceito de “jornalismo cidadão” é muito interessante, e merece bons olhos: a mídia tradicional descobriu que a própria sociedade pode produzir e divulgar informação. Evidentemente, todos os defeitos da imprensa podem ser incorporados pelos novos produtores de conteúdo: desde erros simples e primários de informação até manipulações movidas por interesses pessoais.

Imaginem que aproximadamente 70% dos internautas desembarcam nas páginas web via Google, uma mera ferramenta que não é capaz de separar o joio do trigo. A mesma passividade do consumidor de jornais ou programas de TV permanece mesmo diante de uma caixa de comentários ou qualquer outro convite à reflexão ou ao debate. Aqui, novamente o senso crítico faz muita falta.

Ainda somos uns 30 milhões de brasileiros online. Quando esse número aumentar, o volume de pontos de vista, propagadores de informação ou simplesmente analfabetos funcionais vai aumentar. E o simples ato de pensar continuará a ser pré-requisito.

Mesmo quem é de confiança erra: Ainda sobre o tal jornalismo cidadão. Toda vez que encontro uma notícia interessante ou diferente, logo penso em algum blogueiro bacana. Associação automática: “vamos ver o que fulano escreveu”. Vai dizer que isso não acontece?

O contrário já aconteceu, justamente graças ao hoax do Cardoso. Quando li a matéria da Folha Online, fiquei indignado: “esses babacas não deram crédito!”. (Em tempo: o Terra também soltou a notícia, e citou a origem). Mais do que isso, os veículos mais tradicionais também podem errar – aconteceu, por exemplo, na semana passada.

Todos nós já caímos em alguma armadilha da rede, por simples falta de checagem. Desconfiar de tudo talvez seja exagero, mas manter algum ceticismo no limite do bom senso pode salvar vidas. Ou simplesmente evitar aquele “forward” no e-mail.

Comentários em blogs: ainda existem? (4)

  1. Seu Marmota, texto muito bom.
    Assim, podem até me dizer que eu ando na contra-mão, mas meu bloguinho nem ao menos é indexado pelo google, e reparem que eu não tenho pouco movimento por lá. Como explicar? Sou contra textos montados para atrair pára-quedistas do google, alguns chegam a beirar a irresponsabilidade. Funcionar funciona, veja o caso do Tio Cardoso, mas precisa? Talvez sim né.
    Um abração meu broder, boa semana pra ti.

  2. Sabe que eu soube disso tudo por aqui?
    Que palhaçada.
    Acho que o “efeito OW” é movido pelo fato de que se as pessoas “vêem”, então deve ser verdade – compreensível numa sociedade tão gráfica quanto a nossa. Se é uma foto, é “real”. Assim como muita gente compra Playboys e depois se lamenta em casa da patroa não ser tão gostosona e perfeitinha quanto a que foi retocada no photoshop.
    Bjs.

  3. Muitíssimo bem escrito, André. Eu odeio essa gente que fica repassando esse tipo de e-mail. E agora eu tenho recebido alguns com uma singela mensagem pessoal: “eu não confirmei mas pode ser que seja verdade”. AAAAARGHHHH!!!
    Vou passar a responder com um link para este post, posso?

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