– Vamos lá em casa jogar baralho?
O convite, na saída do jantar na churrascaria, era irrecusável. A noite já estava bastante animada, e um madrugadão viria a calhar para amenizar a rotina estressante da semana. Já no apartamento dos anfitriões, os preparativos começaram: os seis amigos passariam as horas seguintes jogando buraco.
Claro que já tinha ouvido falar na modalidade, conhecida em outros cantos da nação por biriba ou canastra. Mas apesar da popularidade, eu nunca tinha jogado, sequer tinha curiosidade em saber as regras. A resposta que ouvi, enquanto sentava à mesa, foi animadora.
– É bem fácil, a dinâmica do jogo não tem nenhum segredo.
Quando criança, brincava de mau-mau, pif-paf, burro, dorminhoco tisnado… Na adolescência conheci o truco, meu jogo preferido. Os alunos da escola técnica propagaram uma variação exclusiva, com cinco cartas – na primeira rodada, manilha nova; na segunda, manilha velha; na terceira, o valor das cartas; na quarta, o naipe mais alto; finalmente, na quinta, manilha nova outra vez…
Minha última incursão baralhística foi no final do ano passado, quando fui apresentado ao Texas Holdem, mais conhecida variação do pôquer. E foi aquela experiência que me animou a conhecer as regras do buraco – o início, nebuloso e desconhecido, deu lugar a divertidos gritos de “auim!” (all in, quando o jogador desesperado aposta todas as suas fichas).
Finalmente, as cartas. Três baralhos? Onze cartas para cada um? Preciso mesmo sentar aqui?
– É pra ficar na frente do seu parceiro. Vocês precisam formar sequências, sempre do mesmo naipe.
Ah, é igual pif-paf? Mais ou menos. Três é a menor quantidade de cartas, mas ela pode ser maior – e crescer durante o jogo. É possível comprar uma carta do baralho, ou pegar todas que estão abertas sobre a mesa, sempre descartando uma por jogada. Tem curinga? Sim, é o dois. E se você fizer uma sequência de sete cartas, trata-se de uma canastra. Usando o curinga, é a canastra suja. Mas pode mostrar as sequências a qualquer hora? Muitas perguntas.
– Pode ter lavadeira?
A pergunta do meu parceiro dizia respeito a jogos compostos por cartas de mesmo valor, de naipes diferentes. Não pode. Uma dupla descia uma sequência. Uma jogadora ajeutava seu leque de cartas, pensava longamente sobre o futuro de seus jogos. Outro comprava todas as cartas abertas da mesa, sistematicamente, em sua vez. Virou o “LixoMan”. Finalmente, a minha vez. Comprei uma carta, vi que ela não servia e descartei.
– Caraio! Prestenção, você não viu que ele comprou o cinco e o seis de paus? Essa carta aqui vai dar pontos pra eles?
Como assim pontos? Descobri que as cartas baixas, até sete, valem cinco. Exceto o dois, curinga, que vale quinze. De oito a rei, dez pontos. Então não serve qualquer sequência, tem que ser com cartas altas? Mais ou menos. Se você tiver uma canastra suja, ela vale cem pontos. Uma canastra limpa vale duzentos. Lógico que decidi abstrair e continuar preocupado com as sequências que não tinha.
– Puxa, você vai jogar esse dois nessa sequência aí? Pô, você pode guardar o curinga e usar mais pra frente…
Também não é bom descartar o ás, que pode servir para a “canastra real”… Muito menos um sete, ou um oito, que aparece em praticamente todas as sequências da mesa. Mas não era pra ser um jogo simples?
As três duplas tratavam de formar seus jogos na mesa, mas a quantidade de cartas nas mãos variava um bocado. E se eu me livrasse de todas, ganharia o jogo?
– Não, porque vocês ainda não formaram nenhuma canastra. E ainda tem o morto.
Meu parceiro se surpreende, estava prestes a bater. Em nossa mesa, duas sequências que, juntas, poderiam formar a sonhada sequência de sete cartas.
– Não sabia dessa regra. E também não sabia que não podia ter lavadeira.
E esse morto muito louco aí? São mais onze cartas, na mão de quem deixou todas as cartas na mesa. E para cada dupla, tem um morto à disposição. A dupla que não pegar o morto perde cem pontos. E quem pegá-lo e ficar sem usar também perde cem pontos. Ah, e quem cortar o baralho no início e formar os mortos com a quantidade exata de cartas também ganha cem pontos. Mais alguma regra?
– Ei, vocês pegaram o morto, mas eu não fiquei falando pro parceiro qual carta eu compro, que jogo eu desço…
Não pode conversar? Não… Mas uma das duplas não parava de trocar farpas, em busca da vitória.
– Você está sempre comprando esse monte de cartas do lixo… E não faz nada com elas!!!
– Esse é o meu jeito de jogar, bem que você podia respeitar isso.
Cacetada! E eu pensava que seria um jogo divertido… De repente, estava diante de números, pontos, competitividade… Já não aguento a busca frenética por resultados durante a semana… E mais essa agora?
Aquela dinâmica fácil apresentada no começo da noite chegou a uma hora e meia. Sorte de principiante: mesmo sendo teleguiado, comprando e soltando cartas sob orientação dos experientes atletas da mesa, conseguimos formar mais jogos e ficar com poucas cartas na mão ao bater.
– Vocês saíaram com setecentos. Mas nós fizemos uma canastra real, por isso saímos com oitocentos.
Puxa, então se eu fizer uma sequência de ás a rei eu faturo quinhentos pontos! E se não usar curinga, são mil pontos!!! Meu parceiro divagava sobre as diferentes variações de regras entre um grupo de participantes e outro…
Seguiu-se uma contagem de pontos, descontando as cartas da mão, a presença do morto… Deve ter tido pontos por ter coçado a cabeça, por não ter levantado da cadeira, por ficar quieto… Ficamos com mil e poucos pontos, pouco atrás dos anfitriões da festa, que somaram uns mil e tantos.
Ufa… Então acabou!
– Nada disso. Vence quem chegar primeiro aos três mil pontos. E agora que vocês chegaram aos mil, só podem descer um primeiro jogo se ele tiver setenta e cinco pontos…
E tudo isso sem lavadeira!!! Ai, que saudades do truco.
Essa brincadeira, que durou até as quatro da manhã, só foi possível graças ao casal Marília e Rodrigo, dos amigos Fefa e Trotta, além do sempre intrépido Narazaki.
E se um dia alguém inventar um amistoso ou mesmo um torneio de buraco, não deixem de me convidar. Talvez eu até apareça para assistir.
Excelente! Essa primeira sensação a gente nunca esquece! Por uns minutos lembrei da minha infância tentando aprender isso com a minha vo e a gauchada reunida!
Caaaalma, parece mais complicado da primeira vez. Vc precisa ter paciência, só com o tempo vc pega o jeito!
Enfim, já comentei contigo sobre tudo. Mas espero realmente que vc aceite uma segunda chance. Prometo que vamos encarar o jogo beeeeem mais tranquilo!! 😀
Buraco é uma desgraça. Tem um colega meu que é traumatizado com buraco por causa dessa coisa de “jogar até os quatrocentos mil pontos”.
Em termos de baralho eu sou um jogador casual: se não for rápido e/ou divertido, não rola. Jogo épico desse jeito, passo longe…
Rolei de rir com o texto!
Adorei você e o Nara aparecem na churrascaria e adorei mais ainda recebê-los aqui em casa!!
Vou comprar um baralho novinho! Assim que fizer isso te convido pra uma outra partida de buraco, o que acha? Sem complicações demasiadas!
A propósito: o 2 vale dez pontos, não quinze. Quem vale quinze é o Ás! 😀
Gente, eu adoro jogar buraco!!! Mas nunca tinha visto jogo com três duplas. Essa modalidade deve ser exclusiva de SP.
Só tenho uma coisa a dizer: se você não gostou de jogar buraco logo de primeira, provavelmente não vai gostar nunca. É o tipo de jogo que você ou ama ou odeia.
Ihhhhhhh, vale 10, então somei errado. Peraí, vamos ter de fazer recontagem, pega uma calculadora, tira o logaritmo e depois divide pela raiz quadrada para ver quanto dá….Depois a gente faz a integral e resolve tudo numa regra de três…Simples, é claro!! Mas isso na regra paulista, pq se for a carioca tem uma mudança na avaliação dos jogos e aí precisa exponenciar tudo….Xiiiiiiii
Adorei sua estória com o buraco, eu adoro cara!!! E ontem mesmo aconteceu tudo isso que você contou. Tenho um cunhado que não suporta perder e cria regras na hora que lhe favoreça. Outro dia ele fez assim, estávamos em quatro jogando e eu era parceira dele. Peguei o morto a outra dupla ainda não, pois ele bateu antes que eu descesse meu morto. Ah foi só briga. Pode isso gente???
E essa roda de buraco jamaaais se repetiu.