Passei cerca de três horas me aprontando, ajeitando cada detalhe da roupa mais cara que já comprei na vida. Dirigi na ponta dos dedos, graças à chuva interminável que despencava sobre a cidade. Apanhei duas testemunhas, que também aproveirariam aquela noite para se divertir em uma grande festa. Tinha planejado tudo: estava preparado para dizer a alguém especial tudo que sentia naquele instante.
Não consegui: fui apresentado ao Abílio, seu noivo desconhecido e completamente repentino, antes de qualquer pensamento ou expectativa manifestar algum efeito psicossomático no meu estômago. Um dos piores dias da minha vida, que terminou com um pneu furado substituído ainda sob chuva, ainda vestindo a roupa mais cara que já comprei na vida.
Pessoas normais apagariam um evento desses da memória antes de seguir em frente. Eu jamais esqueci, apesar do meu coração bater feliz hoje em dia. Um detalhe bobo contribuiu para isso: toda vez que atravesso ou percorro a rua Abílio Soares, entre o Ibirapuera e a região da Paulista, eu abro o vidro do carro, coloco a cabeça para fora, encho os pulmões de ar e grito: “Abíííííílio!!!”, seguido por uma sequência de impropérios. Mesmo ao lado de caronas: muitos deles conhecem a história e fazem questão de participar, evocando esse fantasma de vidas passadas num verdadeiro mini-ritual de purificação. Ou ainda, lembrando Pollyanna, brincando com esta variante estúpida do “jogo do contente”.
Em alguns minutos, quando a folhinha virar, comemoro cinco anos de Abílio. Felizmente, dando muita risada, celebrando um ano pesado mas cheio de boas notícias, e o melhor: totalmente de bem com a vida. Fosse há uns anos, talvez não tivesse a menor vontade de cantar a música que embalou aquela noite, ajudando a pregar a imagem daquele instante na minha mente. Com vocês, um grande sucesso de Ben E. King, Jerry Leiber e Mike Stoller, na voz de John Lennon – que, aliás, também fez muita gente chorar em dezembro, há 25 anos.
When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we see
No I won’t be afraid
No I won’t be afraid
Just as long as you stand, stand by me
And darling, darling stand by me
Oh, now, now, stand by me
Stand by me, stand by me
If the sky that we look upon
Should tumble and fall
And the mountain should crumble to the sea
I won’t cry, I won’t cry
No I won’t shed a tear
Just as long as you stand, stand by me
And darling, darling stand by me
Oh, stand by me
Stand by me, stand by me, stand by me
Whenever you’re in trouble won’t you stand by me
Oh, now, now, stand by me
Oh, stand by me, stand by me, stand by me
Darling, darling stand by me
Stand by me
Oh stand by me, stand by me, stand by me
Coincidentemente, o dia do Abílio coincide com outro momento peculiar da minha história de vida, desta vez envolvendo uma caixa enviada por sedex. Mas essa eu vou deixar para o ano que vem.
Pois é, eu lembro do seu curta-metragem. Triste…
Que triste!
E vc ainda não esqueceu dela!
O amor doi!
bjus querido
Alguns momentos muito ruins na nossa vida acabam por gerar situações hilárias, como esse seu ritual de purificação. Que bom que você já pode rir dessa lembrança triste! Que bom que você tem muito o que celebrar nessa virada de ano!
Talvez você já saiba que te acompanhei todo esse ano, silenciosamente, pelo blog. O silêncio não decorreu de minha vontade, mas é porque o seu sistema de comentários não funcionava no PC do meu trabalho. Felizmente (talvez infelizmente para você) isso já foi corrigido! Então, vamos lá, para mais um ano de bons textos. Beijos.
Cara, se hoje vc consegue dar risada, sinceramente, da história toda, é por que superou e soube seguir adiante.
BTW, prazer em conhecê-lo pessoalmente ontem, junto do ilustre Inagaki!
T+
Muta