2008, o ano em que ousei me aventurar na seara acadêmica

Natal (RN) – “Cara, sinto muito, mas você está muito cru…”. Foi o que ouvi de um antigo professor meu, excelente candidato a orientador, depois que balbuciei algumas idéias desconexas para um pré-projeto de mestrado na área de comunicação. Felizmente, não foi com aquela expressão de “que sujeito desagradável”, o que ainda me dá alguma chance…

A idéia de sentar outra vez em uma carteira escolar é antiga. Estava adormecida em minha cabeça graças a um preconceito idiota de quem foi absorvido pelo mercado e não entende lhufas de pesquisa: a grosso modo, pensava, a busca por titulação só serve para o cidadão dar aula em faculdade e aaparecer bonito pro do MEC. Então pra quê lidar com essa turma, que dificilmente conviveu com o dia-a-dia profissional e está preocupado apenas em dar um upgrade no currículo Lattes, se o mundo corporativo não está nem aí para seus rótulos?

A simples lembrança incisiva de que “não existe prática sem teoria” já aniquila o preconceito idiota acima. Mas o que me fez acordar de verdade foi um presente que recebi da Aninha no semestre passado, quando fui alçado ao cargo de professor universitário – fato que corrobora minha preocupação com o futuro da categoria, já que até eu posso dar aulas em uma faculdade. Mas enfim, para prosseguir com essa carreira de maneira sólida, parece óbvio programar uma volta às aulas pra valer.

Essa experiência me aproximou ainda mais de outros acadêmicos batutas, que também me ajudaram a entender uma pós-graduação stricto sensu: entrar na brincadeira só pelo título é um desperdício de esforço; conciliar esforço em algo prático e perder a chance de abrir a mente, também. Acima de tudo, não se trata de um novo consórcio de certificação, mas sim uma “profissão de fé”.

O acadêmico de raiz é aquele que dribla a agenda para frequentar aulas num esdrúxulo horário comercial durante a semana. E a grande chance de estudar sem trabalhar é contar com uma forcinha de alguma instituição – sei lá se existe alguma máfia para conseguir esse tipo de incentivo. Ao mesmo tempo, nem todos os professores estão realmente qualificados…

Diante disso, o primeiro requisito é sentir muito tesão pelo negócio. Encarar como se fosse a escalada rumo ao templo budista, aquela busca pessoal pela verdade cuja inquietação dificilmente cessará, mesmo diante da luz. Cada degrau é representado por algum autor ou linha de pensamento que, na mesa do escritório, passaria incólume. É o tipo de revolução mental que, para ser saboreada sem moderação, é melhor estar livre das amarras da senzala.

É melhor, mas não impossível, como assegura meu professor. “Tenho muitos alunos que trabalham, e eles se viram bem. O segredo é organizar tudo. Avisar o chefe que você precisa de mais tempo durante dois dias da semana, podendo até compensar essas horas mais tarde. Ao mesmo tempo, preparar o terreno para não perder tempo: escolher bem as leituras e focar no tema. Mas focar de verdade. É sobrevoar um assunto que você goste, mas acertar um alvo pequeno usando mira laser”.

Encarei todas essas informações como aquela criança de três anos que ouve dos pais algo como “filhinho, a praia é assim”. Mas ainda faltava enxergar o mar, dar passinhos trôpegos na beira da água e sentar abruptamente na areia após tomar aquele primeiro “chuá” da maré. Foi assim que me senti ao reservar dois dias para uma prova de seleção num curso de mestrado na área de comunicação.

Descobri a instituição em cima da hora. Percebi que, tanto as linhas de pesquisa quanto a qualificação docente estavam dentro do que, lá longe, eu imagino pra mim. Decidi me inscrever aos 46 do segundo tempo ao saber que, nessa etapa, não havia necessidade de apresentar um pré-projeto – documento que, como ressalta o Trasel (a propósito, leia todo o texto), não é pra ser rascunhado durante a viagem de ônibus. Como não tinha sequer preparado o prato principal, encarei a prova como um aperitivo.

Tinha a ilusão de que seria capaz de executar um rápido plano de estudos munido da bibliografia obrigatória. Claro que só consegui dar uma pincelada no mais divertido deles: uma coletânea de artigos bacanas sobre o impacto das novas tecnologias em variados aspectos da comunicação. Meu desleixo só estava começando: logo no primeiro teste (tradução e interpretação de texto em língua estrangeira), descobri que sequer tinha levado uma caneta. Ainda bem que o colega simpático, que minutos antes demonstrou seu entusiasmo com um belo projeto envolvendo resgate cultural no rádio, gentilmente me deu uma de presente.

A prova em inglês me deixou animado: dicionários eram permitidos, mas em nenhum momento senti falta deles (ainda bem!). Foi mais fácil do que preencher, dias antes, o tal Lattes – cujo trabalho de atualização remete a técnicas de jardinagem ou similares. Só que tanto o idioma quanto o currículo contavam peanuts na pontuação geral. O teste de conhecimentos específicos na área separaria os homens das criancinhas.

Enfim, senti-me com três anos de idade levando thibum da onda. Apenas uma pergunta, 25% da prova, era baseada no livro que vi por cima. As demais podiam estar descritas em Klingon, daria na mesma. Tinha duas possibilidades: tentar fazer a prova ou ir embora no primeiro minuto. De verdade, em momento algum senti vontade de levantar da cadeira. Por outro lado, o que fazer diante de uma folha e um cérebro em branco?

Fiz mais ou menos assim. “Bom, antes de mais nada, quero agradecer imensamente a oportunidade de estar aqui, além de desejar pleno sucesso ao programa de mestrado e a todos os pesquisadores. Em momento algum espero desmerecer ou ridicularizar este processo seletivo e todos os provessores envolvidos, mas a verdade é que eu não me preparei da forma como a instituição espera. Por esse motivo, gostaria que os senhores encarassem os próximos parágrafos com sorrisos alegres ao invés de indignação. Reitero que não se trata de deboche, mas a simples contestação de que, para uma oportunidade futura, eu preciso me dedicar mais. Divirtam-se!”.

Preenchi as quatro faces da folha de prova tamanho A3 pautada com uns três ou quatro parágrafos baseados no único livro que li, além de um apanhado de idéias coletadas em outros carnavais. Todas as outras linhas tinham algo como “tenho certeza de que a resposta para esta questão está mesmo naquele livro, mas convenhamos: a editora já me bota o texto da orelha, aquele que determina o sucesso de uma publicação, usando um tipo de fonte que imita letra cursiva… Ficou horrível. Depois de um dia atribulado, não dá vontade de ler”. Ou “já ouvi falar nesse conceito em uma das aulas de Teoria da Comunicação na faculdade, mas a minha professora era péssima, tanto que ela foi mandada expulsa pela nossa turma no segundo mês!”.

“Mandado expulso” certamente serei eu, depois dessa, caso decida voltar lá um dia. Enfim, não satisfeito em demonstrar minha incompetência durante a prova, ainda tive a coragem de voltar lá no dia seguinte, para a entrevista. Eram dois professores que não acompanharam o exame escrito, sequer tinham conhecimento das respostas (ainda bem, de novo!). De cara, a pergunta esperada: o que um sujeito como eu fazia ali? Fui sincero com eles: usei a expressão “profissão de fé”, disse que meu traquejo acadêmico é limitado e meu pré-projeto não passa de idéias desconexas.

Ao final do bate-papo, agradeci a atenção e a disponibilidade em me ouvir, destacando a importância desse contato pessoal com os potenciais alunos. “Para uma faculdade mostrar relevância, é preciso ter cuidado com quem cai de paraquedas e acaba se tornando um aventureiro nesse curso…”. No que ouvi, prontamente: “ei, mas você é um aventureiro!”. Enfim, ao menos o espírito descontraído da minha prova está em sintonia com os professores…

Engraçado como, no final do ano passado, tudo caminhava para uma oportunidade em mergulhar nesse mundo novo, mas algumas reviravoltas profissionais contribuiram para um novo adiamento desse projeto…

Se eu optasse por um mestrado agora, eu precisaria correr muito além dos meus limites. É como se eu enxergasse o ônibus parado no ponto e tivesse a umas cinco quadras de distância. Tenho certeza de que ainda vou tomar esse ônibus, mas talvez o próximo.

Antes disso, entre outras coisas, preciso saber o que diabos significa “epistemológico”.

Comentários em blogs: ainda existem? (8)

  1. Eu, por outro lado, perdi o tesão pela vida acadêmica. Cansei de estudar, de ler demais, de pensar, cansei de escrever demais, de ter que ser crítica, etc.

    Estou no final da dissertação, são sintomas normais, dizem. Na verdade de estudar coisas novas eu ainda gosto, mas quero menos teoria e mais prática.

    E, olha, não se iluda, muitas vezes a impressão que dá é que muitos pesquisadores só querem engordar o lattes e encantar a Capes (não o MEC) através de trabalhos batidos, enfadonhos e superficiais.

    Você quer pegar o ônibus e eu não vejo a hora de descer dele.

  2. olá… então na verdade depois que terminei o colegial fiquei pelo menos uns 2 anos me dizendo como era bom ficar sem fazer nada a noite, pq era esse meu horário escolar. Mas depois de um tempo percebi que precisa ser mais do que já tinha aprendido.. ai comecei a fazer faculdade de direito. Pena que meu orçamento começou a ficar menor depois de um ano e tive que trancar. Quem sabe agora neh? Não desiste em fazer o que quer.. tô torcendo por vc..visite meu blog e comente tb. bju

  3. Muito bacana o post, Marmota. Uma pena você não ter conseguido, mas o que você diz no penúltimo parágrafo é exemplar. Não era a hora, simplesmente. Quando for, você vai conseguir, porque irá estudar e passar. Parece papo de “O Segredo”, mas é assim que eu encaro. Quando temos um objetivo bem definido e nos esforçamos pra consegui-lo, tudo dá certo. E, muitas vezes, é mais difícil estabelecer o objetivo do que esforçar-se. Vai refletindo, lapidando o projeto, fazendo contatos e se preparando. Quando você passar, vai conseguir se organizar a ponto de se equilibrar entre trabalho e estudo.

    O comentário da Gisele me lembrou a época de mestrado. No final da dissertação, estava cansado, não via a hora da defesa e, claro, nem pensava em continuar o projeto. Mas não foi, nem de longe, uma época traumática. Consegui me virar apesar de muitas dificuldades e, mesmo sem ter levado adiante o software que desenvolvi e ter me afastado bastante da linha de pesquisa, me sinto com fôlego pra encarar aquela época toda de novo, mas com duração maior (4 anos em vez de 2) e com cobrança extrema (doutorado é bem mais puxado que mestrado).

    Boa sorte!

  4. É isso, ás vezes as coisas acontecem da maneira certa, mesmo que a gente faça tudo para acontecer de maneira contrária.

    Espero que você não tenha se traumatizado com a área acadêmica. Eu nunca consegui separar muito a área profissional e acadêmica, pois ainda hoje atuo nas duas. É aquela coisa, uma área precisa da outra e vice-versa, para que essa bobagem de rivalidade? hehe

    Também estou finalizando a dissertação. E sim, é cansativo, desgastante e os níveis de ansiedade sobem nas alturas. Mas não me arrependo em nenhum momento.

    Sorte na próxima estação! o/

  5. olá andré, eu de novo, pois é, num consegui deixar de comentar… impressionante como vc descreve bem as sensações…

    eu to terminando o mestrado em educação aqui no centro de educação da universidade federal de pernambuco, olha, vou te dizer a UFPE mudou minha vida, tive a sorte de passar na primeira tentativa, pq o suplício já começa aí… são 3 fases que se dividem em pré-projeto, prova geral e específica + idiomas e entrevista…eu como aluna de escola publica a vida toda,segundo grau incompleto um tempo, tive que fazer um supletivo para poder conclui-lo, sempre amei estudar, mas as circunstancias da vida me impeliam para longe… pois bem, passei… nos primeiros seis meses eu me vi sendo desconstruída… tantas coisas em que acreditava, cairam por terra, em muitas aulas em nao dava um pio, pq nao me sentia à altura…foi luta! eu, analista de sistemas no mestrado de educação, pense…demorei p entender o que danado era epistemológico…
    ficava ná universidade o dia todo e inda dava aula a noite, nem conhecia mais meus filhos…
    mas, superei…
    no segundo semestre, consegui dar conta dos créditos, me separei, me mudei, sofri, chorei, quis me matar, mas, finalmente sosseguei… casei de novo,
    to no fim da dissertação,
    to tranquila,
    tem muito trabalho a fazer, ainda,
    minha sorte é q minha orientadora é maravilhosa…
    num sou fã de auto-ajuda,

    mas, querer é poder desde que a gente trabalhe efetivamente pra conseguir…
    …fiquei um ano sem finais de semana, só estudando pro mestrado, comprei todos os livros da bibliografia e fiz um resumo de cada capitulo de cada livro, pense…

    é luta,
    e só pra concluir, vale dizer que a gente não ganha compensação financeira por isso,
    temos sim, muita satisfação pessoal, daquelas epistemológicas, saca?

    kkkk
    abs,
    inté.

  6. Acho que fiz exatamente a mesma coisa que você em 2008, e pensei o mesmo que você sobre a prova de línguas, mas uma bolsa para estudar na Espanha me tirou do Brasil em cima da hora e nem cheguei a fazer o exame de conhecimentos específicos, para o qual eu tinha lido o mesmo número de livros que você.

    Mas começar a investigar esses livros e revistas de artigos me deixou com muita vontade de tomar esse ônibus, como disse a Gisele. Mas vou tentar de novo só em 2010.

  7. Eu fiz a da USP. Na verdade, não cheguei na prova de conhecimentos específicos porque tive uma última reunião pra amarrar as coisas no trampo – a reunião era na própria USP mas eu, na correria pra fechar as pendências antes da viagem, me atrasei e não me deixaram entrar. Graças a Deus, porque não teria a sua desenvoltura pra enfrentar a prova.

    Eu às vezes venho dar uma lida aqui =) Mas resolvi começar a comentar nos blogs quando tenho coisas boas a dizer. Geralmente só me dá impulso de comentar quando fico pê da vida com as coisas que leio (posts machistas/racistas/elitistas etc.). Aí quase quebro o teclado escrevendo em fúria, leio o que escrevi, deleto e sigo em frente.

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