O puxador, a primeira-dama e o Visconde de Sabugosa

É o que eu sempre digo em situações envolvendo perdas sensíveis em nossos quadros sociais da nação: tá morrendo gente que nunca tinha morrido antes. No início desta quinzena, o samba perdeu um de seus nomes mais marcantes. E a maioria das vozes que lamentaram a passagem de Jamelão para outro plano lembrou que ele detestava ser chamado de puxador. “Puxador é quem fuma maconha, rouba carro, puxa o saco. Eu sou é cantor! Eu sou intérprete!”.

Só que nem sempre estes pedidos acabam atendidos, especialmente na hora do adeus. Dona Ruth Cardoso, além de tere sido casada com o ex-presidente FHC, era antropóloga com doutorado na FEFELECHE (pronúncia tosca de FFLCH, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), além de ter criado o Comunidade Solidária e o Alfabetização Solidária. Por estas e outras iniciativas, não gostava de ser chamada de “primeira-dama”. E o que se viu nas últimas horas? Uma proliferação de “primeiras-damas” no noticiário.

Compreensível, pois isso torna a informação mais impactante e próxima do público. Confesso que, quando ouvi o excesso de “primeira-dama”, não achei tão irritante quanto o que fizeram com o ator André Valli, que durante dez anos de sua longa carreira, associou sua imagem à obra prima de Monteiro Lobato.

Eu compartilho com a opinião do ator, de incontáveis papéis no teatro, participações marcantes no cinema e atuações versáteis em telenovelas… Numa entrevista ao “Sem Censura”, programa da Leda Nagle, chegou a declarar: “já fiz tanta coisa na minha carreira, mas de repente, virei só Visconde. Isso me perturbava”. De verdade, coloque-se no lugar dele. Não importava que personagem estava interpretando na TV: a todo momento, seria lembrado por Visconde de Sabugosa.

Com o tempo, o Visconde de Sabugosa deixou de implicar com isso. Pelo contrário: abraçou o novo nome como um presente, já que o carinho do povo era inevitável. Por alguma razão, quando fui pego de surpresa com o câncer fulminante que o acometeu, só lembrei das vezes em que André Valli pedia: “gente, eu não fui só o Visconde de Sabugosa”.

Resultado: “Morre o Visconde de Sabugosa”. “Foi-se o eterno Visconde de Sabugosa”. “Faleceu o ator imortalizado como Visconde de Sabugosa”. “Ei, cê viu quem morreu? O Visconde de Sabugosa!”. Na quinta vez, já imaginei o Visconde de Sabugosa se revirando: “meu nooome, digam meu noooooome!”…

Enfim, não foi a primeira vez (mesmo no cássico Sítio do Picapau Amarelo, quando tivemos “morre Zilka Salaberry, a eterna Dona Benta) e nem será a última. Imagine quando estamparem, daqui alguns bons anos, “Brasil perde o eterno Garoto Bom-Bril” ou “Mulher Melancia: o fim de uma era”.

Comentários em blogs: ainda existem? (9)

  1. Fiquei pensando ontem, quando falavam sobre a Dra. Ruth Cardoso na Tv que faltava a menç˜åo ao seu trabalho. Cada vez mais me convenço da sabedoria de nnao adotar o nome do marido. O nosso fica invisível.
    BTW,suas fotos da Bahia são sensacionais.

  2. É como eu te disse: o André Valli é o Visconde de Sabugosa pra mim, ainda que a Globo produza milhares de outros Sítios do Picapau Amarelo. É meio como se ao me formar em jornalismo eu dissesse aos meus antigos alunos: Olha, a partir de agora não me chamem mais de professora porque eu sou jornalista e sempre quis ser jornalista, então esqueçam esse papo de professora…
    Eu podia chegar contigo e dizer: Ah, morreu aquele ator que fez o pai da Lucinha na segunda versão de Pecado Capital… Será que você ia lembrar que foi o André Valli de imediato como lembrou quando eu falei que o Visconde morreu?…
    Quanto ao primeira-dama da Ruth, a imprensa toda está se referindo a ela assim, mas ao mesmo tempo está louvando todo o trabalho que ela desenvolveu ao longo da vida, dentro e fora da presidência do país.
    E sobre o Jamelão, não sei se só por implicância ou por falta de noção mesmo, o EGO publicou uma nota dizendo que “o puxador de samba da Mangueira morreu”. 😛

  3. concordo com você e concordo com o Harpa, se falassem o nome dele eu não saberia quem é, mas tem uma atriz que eu demorei para lembrar o nome, acho que é Maria Luiza Mendonça, pra mim ela sempre será a Buba.. 🙂

  4. As pessoas como eu que conheci e de serta forma convivi com o André sabemos a falta que deichara o grande amigo e companheiro,uma vez o André me disse que era um homem realizado,amava seu trabalho e a seus amigos e amigas.Querido André.todos que te conheciamos sabemos o grande amigo que vc foi,vou ser grato a vc.durante toda minha vida,ja faz muito tempo que estou fora do Brasil e neste tempo ei perdido ao meu pai e agora meu melhor amigo.choro a saudade da minha terra e da perdida de minha gente.

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