Metro e o fenômeno dos jornais gratuitos

Depois de “quantas linhas” e “a favor ou contra”, a pergunta que todo repórter faz em uma redação de jornal é “qual o futuro do jornal impresso”. É um pensamento recorrente, embora a grande questão, a meu ver, é como os grandes veículos vão sobreviver a enxurrada de fontes de informação que surgem a todo momento.

Mas enfim, ainda se discute coisas como o preço do papel (que é importado), o envelhecimento do público que normalmente lê jornal e a migração dos consumidores para a própria Internet ou qualquer outro suporte eletrônico, que traz hoje tudo que o periódico só vai contar amanhã. A verdade é que o modelo está em crise, e ninguém faz idéia de como será.

Pessoalmente, apesar das reduções publicitárias, de tiragens e de material humano nas redações (tanto em quantidade quanto em qualidade), a sobrevida do impresso é muito grande. Mesmo a inércia que normalmente segura os ímpetos dos magnatas, algumas tendências se repetem em escala global. No fim dos anos 90, o formato standard (Folha, Estadão) teve sua largura reduzida, para economizar papel. Aliás, muitos jornais em todo o mundo já trocaram há tempos o formato standard pelo tablóide, como o Zero Hora (o Jornal do Brasil mudou recentemente).

Mas essa não é a única tendência envolvendo tablóides. O formato popular comum na Inglaterra ressurgiu com força no Rio Grande do Sul (Diário Gaúcho), Rio de Janeiro (Expresso), em Brasília e BH (Aqui). O diário esportivo Lance (que você deve conhecer) e o espanhol Qué (esse pouca gente conhece) apostam alto na participação dos seus leitores – talvez o jornal madrileno seja o que mais se aproxime, no futuro, de uma publicação 100% participativa.

Entre todas as possibilidades para “salvar” o impresso, demorou para surgir um exemplo de peso marcando outra dessas tendências globais: o tablóide gratuito.

Um mês de Metro – Não vamos ser injustos: quem nunca viu um tablóide gratuito, especialmente em São Paulo? Exemplos clássicos como a Gazeta de Pinheiros ou o Metrô News já viram pelo menos duas gerações. Outras publicações facilmente encontradas no balcão da padaria ou da farmácia, no entanto, eram verdadeiros “prostitutos da notícia”: anúncios de página inteira dividiam espaço com discutíveis textos pagos.

Independência editorial? Design atraente? Publicidade forte? É possível exigir isso em um jornal gratuito? Em 2006, os paulistanos viram a primeira resposta positiva ao conhecerem o Destak, iniciativa do grupo português Cofina. Aliás, houve uma polêmica envolvendo o nome do empresário André Jordan, que detém 70% da edição brasileira, e é naturalizado brasileiro – a lei proíbe estrangeiros no comando de qualquer veículo jornalístico ou participação maior que 30% do capital. Enfim, são 200 mil exemplares de segunda à sexta, com quase 1 milhão de leitores diários.

O Destak não está mais sozinho. Apresentado como “o maior jornal e de crescimento mais rápido em todo o mundo”, o Metro (lê-se “métrou”) foi fundado na Suécia em 1995, e tem edições diárias em mais de 80 cidades em 20 países da Europa, Américas e Ásia. No dia 7 de maio (exatamente há um mês atrás), graças a uma parceria do Grupo Bandeirantes, o Metro passou a circular também em São Paulo. De segunda à sexta, dezesseis heróicos profissionais multifuncionais produzem as 150 cópias gratuitas de alto padrão internacional, bem diagramado, cheio de cores vivas e mesclando informações de consumo rápido com algumas (poucas) reportagens exclusivas e variadas.

Primeira capa e página que apresenta o Publimetro

Respostas ou mais perguntas? – Não há como ignorar essa nova força: na Europa, os diários gratuitos já são mais lidos que os tradicionais. Já no primeiro editorial da edição paulistana, o Publimetro (nome latino do Metro) traz duas questões onde a resposta é, em tese, o próprio jornal: no cotidiano cada vez mais acelerado das grandes cidades, quem tem tempo de ler um jornalão tradicional? E para nós, que vivemos conectados em rede, qual o sentido de pagar para receber informação?

Claro que existem outras, que vão além da tradicional “e agora?”. Até que ponto um veículo pode equilibrar baixo custo de produção (o que implica em menos profissionais contratados), distribuição ao estilo “pastelaria”, financiamento 100% publicitário e qualidade? É possível garantir leitores fiéis e criar o hábito de leitura, especialmente o público jovem com alto poder de consumo? E as ferramentas web, cada vez mais populares, e que podem ser usadas tanto para o bem (alimentando conteúdo colaborativo) quanto para o mal (replicando material muitas vezes sem o devido crédito)?

A verdade é que não dá para afirmar que “este é o modelo do futuro”. Tudo que podemos dizer em relação aos gratuitos como um todo diz respeito a sua identidade e características próprios, coisa que o impresso tradicional e muitos portais web ainda procuram. Com a palavra Ricardo Anderáos, que depois de integrar as redações no Estadão, virou editor do Metro paulistano: “Hoje compreendo melhor as razões do sucesso da empresa em todo o mundo. E também entendo que ver todos os gratuitos como um fenômeno único é um grande engano. O termo diz apenas sobre o modelo de negócio de várias publicações, bastante heterogêneas entre si. Pensar nos gratuitos esclarece pouco, e na verdade mascara, as razões do sucesso de alguns e do fracasso de outros”.

Só falta um esportivo… – O crescimento do fenômeno gratuito deve passar por dois passos. O primeiro: reproduzir a experiência paulistana em outras capitais brasileiras. O segundo, como sugeriu o Leandro, do Sampaist: trazer ao Brasil parcerias semelhantes a do Boston Red Sox, nos EUA, e criar um gratuito esportivo.

“Está aí uma ótima idéia para o nosso Metro e nossos dirigentes de futebol. Imagina como seria legal receber um jornalzinho desses para passar o tempo com uma boa leitura antes do jogo”, diz ele. Mas será que funcionaria? Os portugueses da Cofina tentaram, sem sucesso, viabilizar o jornal El Penalty, na Espanha. Durou apenas oito meses.

No Brasil, uma turma de jornalistas empreendedores do Paraná criou, em 2003, o jornal Arquibancada. Era um jornalzinho simples, mas que tinha uma boa proposta: como era focado nos clubes e distribuído no estádio antes dos jogos, o informativo basicamente apresentava a partida e dava um panorama do campeonato. Começou em Curitiba, nos jogos do Coritiba e do Atlético-PR, e logo se espalhou em outras praças (Arquibancada Santista, Arquibancada Colorada…). Deram um passo maior que a perna e, depois de tentar capitalizar com assinaturas, morreu e não deixou qualquer notícia.

Na minha opinião, o tablóide gratuito esportivo mais bacana que existe é o Red Bulletin, distribuído nos paddocks da Fórmula 1. Baseado nele, vou reformular a frase do Leandro: imagina como seria legal receber uma mescla do Metro com o Red Bulletin, trazendo informações relevantes, historinhas divertidas, bem diagramado e com impressão de qualidade, antes dos jogos do Brasileirão…

Comentários em blogs: ainda existem? (3)

  1. Há, no entanto, uma clara diferença de enfoque entre os standard e os tablóides gratuitos. Aqui no Rio ainda não há nenhuma iniciativa bem sucedida, mas já são líderes de vendas os Expresso (Globo) e Meia Hora (O Dia), que custam 0,25 ou 0,50 reais.

    Uma coisa que eu sinto muita falta é dos editoriais e colunistas, que inexistem nas publicações mais baratas. Apenas consumir a informação é pouco.

    O papel do jornal, atualmente, é o de aprofundar a notícia, explicá-la. A web tem um caráter muito imediatista. O mesmo se observa nas revistas, que mantém suas equipes inalteradas.

    Como aspirante a jornalista, me faço a mesma pergunta: como será daqui pra frente? Não acredito que os jornalões morrerão. O mesmo se dizia do rádio quando a TV chegou, sendo que essa mídia está aí até hoje.

  2. Caro Marmota, como colega de profissão e ex-trabalhador do meio impresso, partilho (e muito!) dessa questão que tanto nos atormenta.

    Aqui no Paraná, além do citado Arquibancada, já falecido, temos também a experiência do Jornal de Londrina, que nasceu como jornalão, para brigar com a Folha de Londrina, e recentemente foi transformado em berliner gratuito, com distribuição dirigida e pautas exclusivamente locais. Recentemente dois jornais importantes, a Tribuna do Paraná (número 1 nos públicos C e D) e O Estado do Paraná (segundo mais importante da capital), mudaram para Berliner, tendo mais sucesso no título popular.

    Tenho a impressão de que a crise não se dá no meio, mas no público. Sinceramente não consigo vislumbrar modelos de gratuitos como esses que circulam agora em São Paulo vingando.

    Por um motivo: o mercado publicitário tem uma relação difícil com a imprensa brasileira.

    Se a distribuição é gratuita e irrestrita, isso implica em uma fatia leitora/consumidora mais popular. Marcas que fazem propaganda para o povão não se interessam num produto jornalístico de qualidade, mas simplesmente no acesso a um número maior de pessoas.

    Por outro lado, os melhores anunciantes pensam nas classes A e B, e para isso não podem se sujeitar a cair no popularesco. Preferem gastar com os jornalões menos lidos, mas mais prestigiosos. Não por menos a Gazeta Mercantil, combalida depois da quase falência, tem o cm/coluna mais caro dos jornais brasileiros.

    Tenho a impressão de que uma receita totalmente calcada em anúncios publicitários só pode ser factível quando o público leitor do jornal for grande e bem definido. E isso, parece, ainda está longe dos novatos gratuitos.

    Grande abraço.

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