O mistério entre Rio e SP, num táxi

Rio de Janeiro (RJ) – Tirei o domingo para fazer um bate-volta na Cidade Maravilhosa, por conta do BarCamp Rio. Tempo suficiente para rever muita gente, mas não para dar uma boa volta na orla. Mas assm como em outras ocasiões, a viagem deve render novos tratado sobre os taxistas cariocas. Cheguei aos dois extremos: desde o antipático e mal-educado até o cara legal que fez questão de passar pelo caminho mais curto.

Mas teve um, em 2005, que, definitivamente, merece destaque. Estava na Voluntários da Pátria, no Botafogo. Entrei no tradicional carro amarelo com aquela faixa horizontal azul e cumprimentei o motorista, rapaz novo, moreno e parrudo.

“Boa noite. Avenida Rio Branco, esquina Visconde de Inhaúma, por favor. Pode ir pela praia mesmo”, disse, demonstrando conhecimentos básicos em geografia carioca, já que também era possível ir até o centro pelo aterro.

Aliás, uma pausa. A diferença entre os taxistas do Rio e de São Paulo é que os primeiros perguntam “por qual caminho”, referindo-se a praia ou o aterro. Já os segundos perguntam “pra que lado fica”, pois normalmente não fazem a menor idéia de qual rua estamos falando.

“Pô, mas tu é paulista, aíh…”, respondeu o sujeito, com uma voz quase ameaçadora.

Até pensei em enrolar o cara, falar que a minha família é do Rio Grande do Sul, coisa e tal. Preferi assumir minha paulistanidade, afinal, 2005 foi o meu “ano da coragem”. Não demorou para que Sérgio – esse era o primeiro nome na plaqueta de identificação do condutor – contasse parte da sua história. Especificamente, o período em que viveu em São Paulo. Durou pouco mais de dois anos.

“Foi horrível. Uma das piores experiências da minha vida”, desabafou. Antes que eu fizesse alguma piadinha envolvendo labuta e cariocas, Sérgio se antecipou e revelou que subiu rapidamente na empresa de segurança onde trabalhava. O que lhe rendeu alguma hostilidade. “Uns caras ficavam putos. Como é que esse carioca vira encarregado com seis meses, enquanto outros tinham mais tempo. Mas eram todos folgados”, lembrou.

Fora do ambiente de trabalho, outra grande dificuldade paulistana, segundo o taxista: mulheres. “Elas não dão mole pra ninguém. Aqui é só chegar e elas já se ligam, mas lá era impossível”. Demorou muito tempo até sua lábia convencer alguma paulistana, mas conseguiu. Namorou a mesma enquanto permaneceu na cidade – escaldado, não quis se esforçar para buscar uma segunda opção.

Mas a gota d´água, por incrível que pareça, foi a violência em São Paulo. Sérgio vivia num apartamento alugado na Zona Norte, onde fez alguns amigos. Ou melhor, poucos. “É um povo muito fechado, mal te cumprimentam. Só os vizinhos mais próximos mesmo”. Um deles era jovem, tinha 19 anos. Moleque boa gente, mas que certo dia cruzou o caminho de duas figuras mal encaradas. “Os caras implicaram com ele e, sei lá por que, mataram. Já estava com vontade de voltar pro Rio, e aquilo foi o fim”.

Pouco tempo depois, já estava conduzindo seu táxi entre as belezas da Cidade Maravilhosa. Violenta e maltratada sim, mas com praias e mulheres num estalar de dedos. Ao sair, Sérgio ainda me desejou “boa viagem, e boa sorte”. Enquanto o táxi partia, tentei imaginar o que seria esse algo a mais, que traz tantas diferenças no ambiente a ponto de atrapalhar o autêntico carioca que deseja viver em São Paulo. E vice-versa.

Em linhas gerais, motivos não faltam realmente. Mas prefiro acionar Dona Milú.

(Postado em 02/03/2005)

Comentários em blogs: ainda existem? (8)

  1. Engraçado…
    Fui ao Rio final do ano passado, passar o Reveillon… justo qdo os traficantes atearam fogo em ônibus…
    A violência lá me pareceu bem mais aparente! E passar de carro pelas linhas amarela e vermelha? Favela pra todo lado!!
    Deus meu!
    Mas talvez tudo seja questão de hábito, não sei…

  2. Os estilos de vida do paulista e do carioca sao muito diferentes. Eu sou do Rio de Janeiro e, quando passei um tempo morando em Sao Paulo, senti muita falta do horizonte, do mar, das areas de lazer no fim de semana. Era meio sufocante. O transito em Sao Paulo tambem e’ de enlouquecer qualquer monge budista. Por outro lado, se voce se acostuma com o estilo de vida de Sao Paulo, voce vai estranhar o Rio de Janeiro tambem. Mas tudo se resolve depois de algum tempo. Atualmente eu vivo numa cidade sem praia, ha’ sete anos, e ja’ nao sinto mais tanta falta, acostumei. Eu gosto de nao ter que ficar na paranoia de assalto e violencia o tempo inteiro, e de viver num lugar onde o transito e’ muito mais organizado e as pessoas respeitam mais as leis – obvio que nunca se esta’ 100% seguro, crime existe no mundo inteiro, e acidentes de transito tambem.

    Mas a sua historia do taxi me lembrou de uma vez que eu estava no Rio com uma amiga de Campinas, e disse pra ela tentar esconder o sotaque carregado, e se fazer de entendida da cidade, escolhendo o caminho e tudo… No dia seguinte, ela me disse que a simulacao foi por agua abaixo quando ela pronunciou “Senador Vergueiro” com todos os erres enrolados do interior paulista. Mas o motorista a tratou bem.

  3. A violência no Rio chegou mesmo a um ponto insuportável – como, aliás, em todo o País. O Brasil está doente, não só o Rio.

    É na Cidade Maravilhosa, aliás, que eu vou morar um dia. Para nunca mais sair de lá, se Deus quiser.

    O Rio é Top 1. Sempre.

  4. Moro no Rio (nao sou carioca) e trabalho via linha vermelha e amarela todos os dias. Nunca tive problemas. Acho que os crimes no Rio são muito midiáticos, além do que as favelas estão bem setorializadas, nos morros.
    Em Sao Paulo a violencia eh maior, pouco se divulga e existe uma grande periferia inóspita.

  5. Gente, não é que tive uma experiência engraçada com o taxista que me levou do aeroporto de Congonhas ao hotel na Consolação, quando estive aí no começo do mês! O cara errou de rua três vezes e, por causa disso, ficamos mais de uma hora em engarrafamentos! Parecia que era a primeira vez que ele dirigia um táxi, já que, na minha cabeça carioca, um taxista saberia de olhos fechados o percurso do aeroporto a um hotel no centro. Pensei que meu taxista – tadim, tão bonzinho, mas enroladão – fosse exceção, mas, pelo que você diz, é regra, né?

  6. Talvez goste de uma São Paulo que não exista mais e idem idem do Rio, onde nunca fui assaltada devido ao meu perfil proleta na rua, bermudão e camisa do Botafogo. Já encontrei taxistas assim anjos no Rio e outros piratas. O escudo de Caxias vale pra Caxias mas têm uns que descem e querem aplicar a lei do Gérson. Fora um que tentou me currar numa madrugada de chuva em frente ao cemitério São João Batista. Foi uma cena impagável que um dia eu blogo. Agora só quero dizer que seu post estava ótimo de ler e um dia escrevo bem como você. Hoje é meu primeiro dia antenada mas ainda tenho uns assuntos pessoais para resolver.

    E amanhã tem mais!

  7. Conversar com taxistas no Rio é muito mais divertido que conversar com taxistas em São Paulo. A maior parte daqueles com quem eu falei tem alguma história escabrosa envolvendo traficantes.

    Para falar a verdade, o único que negou já ter tido qualquer problema de repente, no meio da conversa lembrou: “ah, tem uma coisa: esse buraco de bala que tem do lado do banco do passageiro foi uma bala perdida de fusil que quebrou o vidro e passou entre mim e o passageiro que estava no banco de trás. Mas não se preocupe, não, que violência é tudo história, você precisa conhecer a cidade, porque na verdade não é tão perigoso assim. Os problemas acontecem somente em alguns lugares em alguns horários. Por exemplo, na Faixa de Gaza, entre a linha amarela e a linha vermelha, e lá pelo fim da tarde, comecinho da noite.”

    E lá fomos nós, pela linha amarela, pertinho da ligação com a linha vermelha, na direção do Santos Dumont para pegar o meu vôo das 19 horas.

  8. André, ótima sua reflexão sobre esse assunto inesgotável. Se você gosta de estórias de taxistas não pode deixar de ler o http://www.taxitramas.blogger.com.br. No início eu achava que era o alter-ego de algum jornalista mas o Mauro é motorista mesmo.

    Ainda aguardo um texto sobre o seu domingo no Rio:). E vê se da próxima vem com mais tempo!

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