Alguém ainda quer ler alguma coisa sobre o BlogCamp?

“Se você for escrever sobre essa porcaria, onde uma porção de gente louca por dinheiro quer só aparecer, ao menos não coloque links”, exigiu meu “público-alvo” semana passada, preocupada com a enxurrada de blogs com tendência metalinguística (ou “preocupadas com seu próprio umbigo”). De fato, quem está pegando gosto pelos blog em busca de idéias diversas e pessoas bacanas, vai cansar rapidamente nos próximos dias: inevitavelmente, quem foi ao BlogCamp vai escrever a respeito, ao ponto de alguns blogueiros entusiastas ficarem totalmente saturados e sem a menor paciência.

Ops, parece que já decepcionei meu “público-alvo” logo no primeiro parágrafo. Claro que, para sentir o “lado humano dos blogs”, não é preciso URL alguma. Nomes, gestos e palavras bastariam. Mas não consigo evitar. Sem hipertexto, impressões sobre uma série de debates envolvendo qualquer coisa na Internet não faz sentido algum. O máximo que fiz foi adiar ao máximo este relato, para que ao menos uma das sensações fique bem clara: ou o incauto visitante some, por não aguentar mais tanta coisa sobre o tema, ou continua exatamente pelo motivo inverso.

Para que o meu “público-alvo” possa pular esse texto sem ficar decepcionado, basta dizer: o BarCamp paulistano, realizado em março, parece ter dado cancha suficiente para que os encontros ficassem mais produtivos e interessantes. Assim, apesar dos contratempos, o BlogCamp foi muito proveitoso.

Desconferência? Onde? – O modelo da desconferência cai como uma luva em blogs, tamanha a semelhança no formato: discussões completamente descentralizadas, sem programação ou pauta definida, e sem a menor pretensão de chegar a conclusão alguma – quem levou perguntas para casa, que busque respostas com quem também esteve. O primeiro encontro estava marcado para às nove da manhã de sábado, com bate-papos a partir das dez. Pensando nisso, bolei minha programação: chegar depois, quando a coisa já estivesse caminhando. Até lembrar o quanto é impossível estacionar nos arredores da Rebouças com a Faria Lima, já eram quase onze.

Imaginava encontrar salas separadas, com grupos pequenos e afins tecendo elucubrações a todo vapor. Mas fui surpreendido por um salão abarrotado de gente, alguns ouvintes em pé no fim do corredor, outros sentados nos sofás e pufes do lobby… Nada contra o que estava sendo apresentado (falavam sobre a defasada lei de direitos autorais brasileira durante a apresentação da rede social Wasabi, do Danilo Medeiros), mas aquilo não fazia sentido. Gentilmente, a Lúcia Freitas levantou da cadeira e veio me cumprimentar. Nem tão gentilmente assim, questionei o que estava vendo. “Mas que bomba de desconferência é essa, onde umas 150 pessoas ficam dentro de uma salinha onde cabem cem, ouvindo uma palestra?”.

Não demorou para que a Lúcia interrompesse a sessão. “Gente, nem todo mundo está acompanhando, e tem um pessoal reclamando lá atrás… Vamos quebrar um pouco isso aqui e dividir os grupos, que tal?”. O Nelson Correa, que estava por perto, gostou! Méritos da Lúcia, claro. Se bem que esse tipo de chacoalhada praticamente não funcionou: mesmo na esticada etílica do evento, nos bares de Pinheiros, o povo se juntava automaticamente – era preciso guardanapos ou folhas sulfite para estabelecer comunicação. Praticamente um comunicador instantâneo analógico.

Como motivar seu público – Desde março, quando entusiastas da comunicação deixaram o BarCamp dispostos a falar de jornalismo (sob a forma de Cataplana), alimenta-se uma dúvida: como tornar atraentes os projetos que dependem da participação de usuários? O Anderson Costa, a Pollyana Ferrari, o Rafael Sbarai, a Ceila Santos (e sua preocupação com a interface), o Cauã Taborda e eu dedicamos praticamente todo o sábado nesse tema, enfurnados na “edícula” (?) do Gafanhoto.

A insistência valeu a pena. Logo depois do almoço à base de BigMac (podem me chamar de “engajado social de McDiaFeliz”, desses que usam qualquer artifício para enganar a consciência), ouvimos duas histórias maravilhosas. O exemplo mais interessante foi apresentado pelo Ricco: o projeto Expedição Mochila parte de uma premissa religiosa (evangelização de jovens carentes), mas além de incentivar uma série de atividades, disponibiliza recursos para a garotada relatar suas atividades através do blog ou mesmo fotos no Flickr ou vídeos no YouTube. Eu me arrisco a dizer que o nosso preconceito bobo (algo como “ah, é coisa de evangélicos”) é uma explicação bem possível para o fato de nunca ouvimos falar numa iniciativa sensacional como essa.

Outro caso bacana foi contado pela Liliana, que tive o privilégio de conhecer neste final de semana. Ela e o marido criaram, nos primórdios da rede, o Sítio Paineira Velha, o único jornal de São Francisco Xavier (distrito de São José dos Campos) sem depender das informações oficiais da prefeitura. Comprou briga com muitos “aproveitadores” ao informar horários de ônibus ou a localização de cobras e carrapatos. Alguns comerciantes na cidade não gostavam do trabalho deles, mas a maioria, incluindo turistas, acabaram fazendo parte da comunidade. O jornal, que em seu apogeu popularizou adesivos pela cidade e chegou a ser credenciado como órgão de imprensa independente no Fórum Social Mundial em 2003, hoje prossegue sua batalha como blog.

Mas teve mais no sábado. Começou com o Edney, Thiane e Ematoma, dando um aspecto publicitário e financeiro ao debate (“o marco será quando as Casas Bahia anunciarem na Internet”). E terminou com a dinâmica do Jornal de Debates, resumida pelo Pedro Markun, e com Juliano Spyer – que está lançando o livro Conectado, justamente sobre a participação de usuários. Boa parte dos conceitos que encerraram o bate-papo estão descritos lá – o que deve garantir ao Juliano, só naquela salinha, uns dez exemplares vendidos.

Leitores! Leitoooores!!! – “Amanhã vou ouvir os papos sobre monetização e dar risada”, pensei, ao deixar o Gafanhoto no sábado. Cheguei a tempo de assistir à dancinha do Edney, mas logo em seguida o povo resolveu almoçar (e eu acabara de tomar café…). Nem mesmo a presença dos especialistas Ian e Doni fez com que a mesa “técnicas bloguísticas para pegá mulé – cases de sucesso” impediu a debandada.

Piadinhas à parte, o domingo do BlogCamp foi praticamente dedicado ao leitor (é, você mesmo). Ressalto aqui o óbvio ululante: tanto aqui quanto lá ou em qualquer lugar, quem mantém um blog espera ser lido. Seria ingenuidade (ou algum grau não detectado de autismo) recusar a participação do povo, desde o mais elementar passar de olhos até um projeto qualquer em sociedade. Já ouvi preocupações de muitos amigos, dispostos a mobilizar aqueles com pensamentos afins. Todos vivem ansiosos por algum feedback. Querem mexer com as idéias alheia. Por esse ângulo, qualquer tentativa em “encurtar o caminho” entre o blogueiro e seu pontencial leitor é interessante.

O problema é quando se confunde “leitor” com “visitante”. Quer dizer, o problema ao trocar idéias sobre qualquer assunto são as confusões semânticas. Traduzindo: eu insisto num determinado argumento; outra pessoa diz a mesma coisa, com outras palavras; ambos insistem, chegam a discutir… Mas estão falando a mesma coisa. Quem está com a palavra acredita que está promovendo um rico debate de idéias, mas quem assiste, vê dois bobos perdendo tempo.

Analisando friamente, senti que me tornei mais um desses bobos naquela tarde. Já tinha ouvido a Ceila preocupada com a falta de colaboração na rede, deixando-a à deriva diante de obstáculos. A essência da rede está na colaboração, mas eu defendo a tese de que o processo é descentralizado e emergente. Assim, toda vez que ouço um discurso relacionado a qualquer “centralização”, eu fico com o pé atrás – uma postura extrema nesse sentido seria algo como o “sindicato blogueiro”.

Eu tinha acabado de questionar a postura sindicalista quando alguém levanta e diz: “Nós tínhamos que defender nossos interesses! Todos somos um só! Nossa força unida pode ser útil para credenciamentos em eventos, ou até para conseguirmos patrocinadores fortes!”. Enquanto essa idéia vier de um grupo uníssono, com interesses profissionais, tudo bem. Do contrário, não consigo enxergar qualquer futuro. Outras idéias “centralizadoras”, como um “faq de blog” em formato wiki ou uma cartilha ao estilo “o que é um blog e como acompanhá-los”, no intuito de “formar leitores”, só faria sentido se tivéssemos certeza de que o comportamento do usuário na rede é linear e controlado…

Embebido nesse turbilhão de pensamentos, acabei pré-julgando o Manoel Netto. Ele já tinha defendido projetos associativos baseado na colaboração, como a rede deve ser. Mas esqueci desse detalhe quando a conversa enveredou novamente para a figura do leitor.

– Tudo que precisamos é aumentar a base de leitores de blogs. Assim nossa credibilidade crescerá, as agências vão ter razões para anunciar, e nós seremos reconhecidos. Precisamos formar leitores! Fala a verdade: você tem hoje uns duzentos leitores. Você não quer mesmo aumentar a sua base para vinte mil?

Volte uns cinco parágrafos, a resposta em condições normais de temperatura e pressão continua lá. Mas o calor do debate já me fez pensar em uma faculdade para leitores, e um vesibular com inscrições abertas: dali sairiam leitores formados, como sonham quem se preocupa demais em “aumentar a quantidade de gente” como se aumenta claras em neve. Ou em uma kombi vermelha, munido de um megafone (Marmota, Marmota, Marmota! Marmota de Piracicaba!), espalhando panfletos na praça do coreto em Poá e outras cidades do Alto Tietê (lá deve dar uns vinte mil). Talvez o mais ridículo dos velhos vícios, que definitivamente não fazem sentido agora.

Minha resposta? “Não, assim eu não quero”. O Manoel levantou da cadeira e, de brincadeira, queria me esbofetear. Eu teria razões semelhantes: estávamos com as mesmas preocupações, só não sintonizamos o mesmo léxico.

Quem roubou o projetor? – Como motivar participação? Como formar leitores? Por que ninguém chegou a conclusão alguma? Quando vão parar de falar em blogs? E quem ainda quer saber do BlogCamp? O volume de perguntas sem resposta não são páreo para o grande mistério do final de semana. A sala principal do Gafanhoto contava com um caríssimo projetor, que foi furtado durante o almoço. A história é nebulosa: pelo que ouvi, um gringo – ou alguém se fazendo de – chegou lá pedindo informações à única pessoa que estava lá. Entretida, nem viu nada. Sabe-se lá o destino que o equipamento teve (os meliantes deve ter “fumado” ou “cheirado” ele), mas quando alguém se deu conta, já era tarde.

É o fim da picada, lógico. O espaço foi gentilmente cedido e tudo ia bem sem mesmo lista de presença (tinha gente não-inscrita, além dos confirmados ausentes de sempre). Ninguem ali (acho) teria motivo para arrancar um projetor do teto. Talvez se o Renato Cruz, que fez o possível para defender aquele jornal daquele debate, ainda estivesse na sala, ficaria tentado a sugerir essa manchete: “blogueiros ignoram debates e roubam projetor do Gafanhoto”. Além de macacos, agora ladrões. Que moral, hein?

De qualquer forma, a vaquinha está rolando, e certamente o projetor será reestabelecido. Para não fugir à tônica do BlogCamp, verdadeiro “brainstorm para o bem ou para o mal”, outra sugestão apareceu, além das doações:

– Por que a gente não anota o número de série, assim a gente espalha entre os blogs e faz o que pode para que ninguém o compre – disse a Lucia Freitas.

Muitos concordaram e aplaudiram. Até o Edney retrucar, pacientemente.

– Algum de vocês já comprou um produto qualquer e viu o número de série?

Como tanto o autor da proposta quanto o rebatedor são pessoas educadas (e respeito demais ambos), o episódio foi apenas pitoresco. Agora, se fosse em uma lista de discussão apinhada de blogueiros, a inflamação levaria uma semana para acabar…

(Quer mais textos e fotos? Clique por sua conta e risco. Ah, sim: só nesta semana percebi quanta gente bacana esteve lá, mas por essas coisas da vida, não fiquei sabendo).

André Marmota é professor universitário e ouvinte frequente da pergunta “mas e além disso, você também trabalha?”. Quer saber mais?

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Comentários em blogs: ainda existem? (7)

  1. 1 – Seu público alvo tem razão quando se vê enjoado da tal “monetização” de blogs. Tá complicado de só ver playboy, playboy, playboy. O que enjoa nisso é que o povo tem talento pra mais, mas prefere ficar no mesmo.

    2 – Eu vou sonhar com uma kombi (que faz 50 anos hj, segundo a capa de um portal aí) amarela anunciando Marmota de Piracicaba aqui. Obrigada pela maior gargalhada desse domingo.

    =) Boas férias. (De novo.)

  2. Marmota, dear.
    Tô salva? continuo a achar que fiz bobagem ao não forçar a barra com a história da desconferência…
    enfins, como disse o Wagner hj: só erra quem faz, erra mais quem faz mais.
    Ainda acho que a tal da desconferência pode acontecer entre blogueiros, sim.
    Se der pra ser sem falar de grana, vai ser beeeem melhor 😉
    bjs

  3. Todo dia entra no teu blog, via de regra tem assuntos simples mas interessantes para ler….agora, esse foi mais um texto q me desmotiva…li umas frases perdidas e cai fora….
    Exatamente isso, ngm, além dos próprios blogueiros…tal do Edney e tal se importam com essa metalinguagem e essa falação sobre os blogs em si.

    Particularmente entrei pra conhecer esses blogs quando vi q tinham bastante acessos, mas sinceramente, deve ser de outros blogueiros, pq dos blogs do edney, poucos são realmente interessantes e não falam só sobre isso o tempo todo…
    espero q volte com a programação normal e textos mais “internet-out”.

  4. Infelizmente tudo que é moda e pode render grana termina se tornando um reduto de pilantras.
    Estou torcendo para que os Blogs não percam a força.
    Esse negócio de monetizacão é um saco!

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